O Globo
Destruição dos quatro anos anteriores
limita a capacidade do país de responder adequadamente ao quebra-quebra
No poder, o bolsonarismo praticou quatro
anos de “vandalismo institucional”. Buscando enfraquecer os controles
constitucionais sobre o Executivo, Bolsonaro e seus jagunços com status de
ministro trataram a golpes de picareta as regras, normas e práticas da
democracia brasileira. Conseguiram expandir a irresponsabilidade presidencial,
enfraquecer o controle civil sobre os militares e minimizar a accountability
dos crimes eleitorais.
Domingo, o vandalismo institucional
praticado pelo bolsonarismo deixou de ser metáfora. Ainda que a promessa seja
de uma resposta implacável aos golpistas, a destruição dos quatro anos
anteriores limita a capacidade da democracia brasileira de responder
adequadamente ao quebra-quebra verde-amarelo.
Considere três exemplos. No país que a Constituição de 1988 sonhou organizar, a investigação e acusação aos terroristas de domingo seria liderada por um Ministério Público Federal (MPF) independente e respeitado. O bolsonarismo deu fim a esse MPF. No país que existia durante os nossos “20 gloriosos” (1994-2014), uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito investigaria a resposta institucional aos eventos de domingo. No Congresso de Arthur Lira, uma entente entre o bolsonarismo parlamentar e o Centrão preocupado em garantir as verbas necessárias para a eleição de 2024 tem os incentivos e os meios para avançar com o “deixa-disso”. Naquele país, onde a memória da destruição causada pelos militares no poder era fresca, o ministro da Defesa seria um vertebrado. Ao esvaziar o controle civil sobre as Forças Armadas, Bolsonaro garantiu que os militares conseguissem forçar a nomeação de um ministro com parentes golpistas pelo governo dos golpeados.
Esses fatos sugerem que as respostas aos
atos de domingo serão menos implacáveis do que inicialmente prometidas. Como
consequência, o Brasil está agora preso na arapuca da democracia de baixa
qualidade.
Por um lado, não há espaço para avançar. A
não punição da coalizão bolsonarista — formada pelo extrativismo ilegal,
militares e evangélicos — pelo vandalismo real de domingo fará com que os
representantes desse grupo no Parlamento nacional, no Estado brasileiro e nos
Executivos eLegislativos estaduais se sintam autorizados a continuar com o
vandalismo político metafórico dos últimos quatro anos. Isso limitará a
capacidade da democracia brasileira de construir novas normas e avançar em
reformas de longo prazo.
Ao mesmo tempo, a coalizão agora liderada
pelo PT ficará sem tempo e energia para limpar a zona criada pelo bolsonarismo
e governar ao mesmo tempo. Forçada a escolher entre as duas missões, escolherá
a segunda por instinto. Como consequência, seu capital político será gasto com
o dia a dia do governo, e a reconsolidação das instituições ficará para depois.
Por outro lado, a extraordinária pressão
internacional a favor da democracia brasileira impedirá que ela se deteriore
ainda mais. Qualquer tentativa bem-sucedida de romper a ordem constitucional
será punida, aí sim, exemplarmente.
Sem forças para ir para a frente, e
protegida de cair para trás, a democracia brasileira parece destinada a limpar
a destruição causada pelo bolsonarismo domingo sem consertar os estragos
provocados anteriormente.
*Fernando Bizzarro, cientista político, é pesquisador associado ao Centro Weatherhead, da Universidade Harvard
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