quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Fernando Bizzarro* - Vandalismo institucional

O Globo

Destruição dos quatro anos anteriores limita a capacidade do país de responder adequadamente ao quebra-quebra

No poder, o bolsonarismo praticou quatro anos de “vandalismo institucional”. Buscando enfraquecer os controles constitucionais sobre o Executivo, Bolsonaro e seus jagunços com status de ministro trataram a golpes de picareta as regras, normas e práticas da democracia brasileira. Conseguiram expandir a irresponsabilidade presidencial, enfraquecer o controle civil sobre os militares e minimizar a accountability dos crimes eleitorais.

Domingo, o vandalismo institucional praticado pelo bolsonarismo deixou de ser metáfora. Ainda que a promessa seja de uma resposta implacável aos golpistas, a destruição dos quatro anos anteriores limita a capacidade da democracia brasileira de responder adequadamente ao quebra-quebra verde-amarelo.

Considere três exemplos. No país que a Constituição de 1988 sonhou organizar, a investigação e acusação aos terroristas de domingo seria liderada por um Ministério Público Federal (MPF) independente e respeitado. O bolsonarismo deu fim a esse MPF. No país que existia durante os nossos “20 gloriosos” (1994-2014), uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito investigaria a resposta institucional aos eventos de domingo. No Congresso de Arthur Lira, uma entente entre o bolsonarismo parlamentar e o Centrão preocupado em garantir as verbas necessárias para a eleição de 2024 tem os incentivos e os meios para avançar com o “deixa-disso”. Naquele país, onde a memória da destruição causada pelos militares no poder era fresca, o ministro da Defesa seria um vertebrado. Ao esvaziar o controle civil sobre as Forças Armadas, Bolsonaro garantiu que os militares conseguissem forçar a nomeação de um ministro com parentes golpistas pelo governo dos golpeados.

Esses fatos sugerem que as respostas aos atos de domingo serão menos implacáveis do que inicialmente prometidas. Como consequência, o Brasil está agora preso na arapuca da democracia de baixa qualidade.

Por um lado, não há espaço para avançar. A não punição da coalizão bolsonarista — formada pelo extrativismo ilegal, militares e evangélicos — pelo vandalismo real de domingo fará com que os representantes desse grupo no Parlamento nacional, no Estado brasileiro e nos Executivos eLegislativos estaduais se sintam autorizados a continuar com o vandalismo político metafórico dos últimos quatro anos. Isso limitará a capacidade da democracia brasileira de construir novas normas e avançar em reformas de longo prazo.

Ao mesmo tempo, a coalizão agora liderada pelo PT ficará sem tempo e energia para limpar a zona criada pelo bolsonarismo e governar ao mesmo tempo. Forçada a escolher entre as duas missões, escolherá a segunda por instinto. Como consequência, seu capital político será gasto com o dia a dia do governo, e a reconsolidação das instituições ficará para depois.

Por outro lado, a extraordinária pressão internacional a favor da democracia brasileira impedirá que ela se deteriore ainda mais. Qualquer tentativa bem-sucedida de romper a ordem constitucional será punida, aí sim, exemplarmente.

Sem forças para ir para a frente, e protegida de cair para trás, a democracia brasileira parece destinada a limpar a destruição causada pelo bolsonarismo domingo sem consertar os estragos provocados anteriormente.

*Fernando Bizzarro, cientista político, é pesquisador associado ao Centro Weatherhead, da Universidade Harvard

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