quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Maria Hermínia Tavares - O derradeiro dia dele

Folha de S. Paulo

O último dia de Jair Bolsonaro não foi 30 de dezembro de 2022, quando, ainda presidente, abandonou Brasília para se acoitar nas cercanias da Disney, em Orlando (EUA), e assim não dar posse a quem o suplantou nas urnas.

O "Dia B" foi no último domingo, 8 de janeiro, em que hordas de apoiadores seus deram tradução brutalmente literal ao que, ainda candidato, anunciara como sua meta: "Destruir tudo isso daí" —nada menos do que a democracia brasileira. Pois não há a mais ínfima dúvida de que o ex-presidente é o autor intelectual —se é que o termo se lhe aplica— do ataque às sedes dos Poderes da República e da vandalização de seu patrimônio.

O extremismo político não brota naturalmente da sociedade: é produzido por líderes que exploram ressentimentos, temores e aspirações, em benefício de seus interesses ou de suas ideias sobre como o mundo é e deveria ser.

Para o jurista e cientista político Cass Sunstein, da Universidade Harvard (EUA), são "empreendedores da polarização" ao radicalizarem grupos com crenças similares. Ele constatou também que grupos que compartilham visões assemelhadas e são avessos à controvérsia funcionam como câmaras de eco que reforçam tais visões, disseminando posições extremadas.

No poder, Bolsonaro tratou de desacreditar as instituições democráticas, especialmente as que se opunham a suas investidas autoritárias, como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral.

Sob seus auspícios, o "gabinete do ódio" instalado na Presidência estimulou uma complexa teia de empreendedores da polarização —influenciadores digitais, radialistas, pastores, ativistas de extrema direita, financiadores— dedicados à desinformação e dotados de capacidade de mobilização coordenada graças ao uso eficaz das redes sociais. A violência incontida e o potencial destrutivo da extrema direita revelaram-se nas horas em que a Esplanada dos Ministérios esteve em suas garras.

Mas também as suas limitações ficaram claras. Pesquisa do Instituto Quaest, já no domingo da vergonha, mostrou que a ação dos vândalos foi rejeitada por 90% dos brasileiros, o que inclui por definição uma parcela dos que ajudaram a reeleger Bolsonaro.

Da mesma forma, a resposta serena e civilizada do novo governo, a firmeza da Suprema Corte, as manifestações das lideranças do Congresso, dos 27 governadores, de entidades de classe, de organizações da sociedade civil e, enfim, dos que protestaram nas ruas contra o terrorismo venceram a desordem destinada a parir um golpe militar. Foi a derrota da barbárie que Jair Bolsonaro encarnou a cada dia de seu mandato —até o último.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

2 comentários:

Anônimo disse...

The Guardian
O golpe fracassado do Brasil é a flor venenosa da simbiose Trump-Bolsonaro
Juliano Borger
https://www-theguardian-com.translate.goog/world/2023/jan/10/brazil-coup-bolsonaro-trump-us-far-right?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

Mais de 70 parlamentares americanos e brasileiros condenam aliança Trump-Bolsonaro
https://www-theguardian-com.translate.goog/world/2023/jan/11/brazil-attack-jair-bolsonaro-donald-trump-us-congress?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito boa a análise.