STF acerta ao analisar medidas de Moraes
O Globo
É função do plenário da Corte escrutinar
decisões do relator do inquérito dos atos antidemocráticos
Fez bem o plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) ao avaliar as decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes
após o quebra-quebra perpetrado pela minoria radical bolsonarista na Praça dos
Três Poderes, em Brasília, no domingo. Moraes agiu na velocidade demandada
pelos acontecimentos, mas a análise pelos demais integrantes da Corte de
medidas tomadas de forma monocrática é uma garantia da qual o país não pode
prescindir.
No domingo, a Advocacia-Geral da União (AGU), o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o diretor- geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, pediram o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, responsável pela segurança da capital. Como relator do Inquérito 4.879, conhecido como o dos atos antidemocráticos, Moraes proferiu que o governador ficaria longe do cargo pelo prazo inicial de 90 dias.
A gravidade da ação não poderia de forma
alguma ficar sob o julgamento de apenas um dos ministros. Por isso Moraes
liberou o caso para avaliação do plenário, que formou maioria pela manutenção
do afastamento. Ainda nesta quarta-feira, os ministros do STF também mantiveram
os pedidos de prisão preventiva de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança
do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça, e de Fábio Augusto Vieira,
ex-comandante da Polícia Militar. Outras decisões de Moraes foram chanceladas,
como as que determinaram o fim dos acampamentos nas imediações de quartéis; a
obtenção pela PF de imagens de câmeras que possam ajudar no reconhecimento dos
vândalos; e bloqueios de perfis e contas de suspeitos nas redes sociais.
Ibaneis Rocha demonstrou não estar apto
para cuidar da segurança pública. Horas antes de os golpistas saírem do
acampamento em frente ao Q.G. do Exército e partirem rumo à Esplanada dos
Ministérios, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) avisou à Secretaria de
Segurança do Distrito Federal que o grupo planejava depredar as sedes dos Três
Poderes. Cabe agora ao governador afastado provar que não foi omisso ou
conivente.
Desde que foram montados, os acampamentos
próximos a quartéis eram uma excrescência até para muitos eleitores do
candidato derrotado em outubro. Após a destruição registrada nos prédios do
Congresso, do STF e do Palácio do Planalto, não há nenhuma dúvida de que
funcionavam como incubadoras de crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Por isso foi acertado o anúncio da dissolução desses agrupamentos.
Novas tentativas de mobilização da minoria
radical bolsonarista em vários pontos do país mostraram que será necessária uma
vigilância constante das autoridades. Sem o apoio da maioria da população,
esses grupos investem em distúrbios para propagar a sensação de caos.
Respondendo a novo pedido da AGU, Moraes
determinou nesta quarta-feira multas e até prisões em flagrante para quem
interromper a liberdade de trânsito ou ocupar prédios públicos em todo o
território nacional. Enquanto a tentativa de golpe não for debelada, o plenário
do STF provavelmente terá de analisar mais medidas tomadas por Moraes.
País precisa de políticas para reduzir
mortes de inocentes por balas perdidas
O Globo
Levantamento mostra que no Rio mil pessoas
foram atingidas nos últimos seis anos; 229 morreram
É alarmante o levantamento da plataforma
Fogo Cruzado mostrando que mil cidadãos foram vítimas de balas perdidas no Rio
de Janeiro entre julho de 2016, quando os números começaram a ser
contabilizados, e dezembro do ano passado. Desse total, 229 morreram, entre os
quais estavam 77 idosos, 27 adolescentes, 21 crianças e duas gestantes. Essa
estatística de horror inclui até quem ainda não veio ao mundo: três fetos foram
atingidos dentro da barriga da mãe.
Uma das dificuldades para combater o problema
é que em geral as balas perdidas não têm local, dia ou horário de maior
incidência. Podem acontecer a qualquer momento, na rua — e não apenas nas de
comunidades pobres —, dentro de casa, na sala de aula ou até num hospital. As
vítimas muitas vezes são atingidas enquanto cumprem tarefas cotidianas, como
andar de ônibus, ir ao supermercado ou usufruir seus momentos de lazer.
A menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8
anos, é uma das que se tornaram símbolo dessa infâmia. Ela foi morta na noite
de 20 de setembro de 2019 quando estava dentro de uma Kombi com a mãe a caminho
de casa, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. Investigações mostraram que
o tiro que a atingiu pelas costas foi disparado por um PM da Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) da comunidade. Ele tentou alvejar suspeitos que passavam de
moto pelo local. “Infelizmente esse número (de balas perdidas) é muito maior e,
a meu ver, está longe de acabar”, disse ao portal g1 a mãe de Ágatha, Vanessa
Sales.
De fato, a fábrica de balas perdidas não
para. Nos primeiros minutos de 2023, o menino Juan Davi de Souza Faria, de 11
anos, foi atingido por um tiro na cabeça quando estava na varanda de sua casa
em Mesquita, na Baixada Fluminense. Ele subira numa cadeira para assistir aos
fogos de artifício da virada do ano. Foi levado ainda com vida para uma Unidade
de Pronto Atendimento (UPA), mas não sobreviveu. Quase ao mesmo tempo, uma
criança de 13 anos foi ferida por uma bala perdida dentro de casa, no Humaitá,
Zona Sul do Rio.
Evidentemente, essa tragédia não fica
restrita ao Rio de Janeiro, embora o estado concentre grande número de casos,
como mostra o levantamento do Fogo Cruzado. No dia 1º, Emily Lamarque de
Oliveira, de 11 anos, foi ferida sem gravidade por uma bala perdida dentro de
sua casa em Foz do Iguaçu, no Paraná. Não se sabe de onde partiu o tiro.
Suspeita-se que tenha sido um disparo para o alto durante as comemorações de
Ano-Novo.
As tragédias representadas por esses números
inaceitáveis expõem a urgência de reduzir o número de armas — legais e ilegais
—em circulação no país e de treinar melhor as polícias para que não coloquem
inocentes em risco durante operações descuidadas ou mal planejadas. Depois de
um governo que facilitou o acesso a armas e incentivou cidadãos a adquirir
arsenais que incluem até equipamentos de guerra, a nova administração terá o
desafio de criar políticas que levem segurança à população sem deixá-la em meio
a uma chuva de balas perdidas.
Folha de S. Paulo
Moraes testa limites da contundência em
reação ao ataque antidemocrático no DF
Se a reação inicial do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) aos ataques do 8 de janeiro pode ser classificada
como moderada, as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal, relativas aos mesmos acontecimentos são de uma contundência passível
de questionamento.
Lula descartou medidas extremas como
decretar estado de sítio ou de defesa. Também evitou convocar as Forças Armadas
para tomar conta da segurança, preferindo determinar intervenção na segurança
do Distrito Federal.
O petista precisa obviamente responder à
invasão criminosa das sedes dos Poderes, mas, politicamente, não deve passar a
impressão de que deflagra uma perseguição a seus opositores ideológicos.
Moraes não se vê tolhido por esse tipo de
consideração. No âmbito dos inquéritos especiais que preside, determinou
o afastamento
temporário do governador recém-reeleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha
(MDB), sem nem mesmo ter recebido um pedido desse teor —decisão
delicada quando os golpistas questionam justamente um mandato obtido nas urnas.
Ordenou ainda, acertadamente, o
desmantelamento de todos os acampamentos próximos a quartéis e a prisão em
flagrante dos envolvidos nos atos de depredação em Brasília, entre outras
medidas.
Na terça-feira (10), mandou prender
Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL) que fazia as
vezes de secretário de Segurança Pública de Brasília, e do coronel Fábio
Augusto Vieira, que comandava a Polícia Militar local.
Mesmo draconianas, as medidas tomadas
contra autoridades já contam com o
apoio da maioria dos ministros do Supremo, conforme julgamento nesta quarta (11).
Juristas poderão apontar exageros de
Moraes, ainda que nenhum democrata vá questionar seu sentido geral. Os ataques
do domingo foram extremamente graves e exigem pronta e firme resposta dos
Poderes constituídos.
Moraes oferece longa fundamentação para as
prisões de Torres e Vieira, na qual se vale de termos fortes, como
"omissão dolosa e criminosa". Diz que as condutas das duas
autoridades colocaram em risco a vida do presidente Lula.
Deve-se observar que vários dos perigos que
o ministro aponta seriam sanados, no que diz respeito aos requisitos da prisão
preventiva, por medida menos gravosa que o encarceramento —o afastamento dos
suspeitos de suas funções.
Torres, aliás, já havia sido exonerado por
Ibaneis Rocha, antes de o governador ser suspenso do cargo.
Ao insistir na necessidade da prisão,
Moraes visa menos à manutenção da higidez do processo e mais à preservação da
ordem pública, outra possibilidade para justificar a preventiva.
Autocontrole e decisões colegiadas ajudarão
o ministro e a corte na difícil tarefa de serem enérgicos sem exceder os
poderes que a Constituição lhes confere.
8 anos de calor
Folha de S. Paulo
Dados mostram efeito do aquecimento global,
que humanidade ainda falha em conter
Segundo um provérbio da antiguidade grega,
"uma sociedade cresce quando velhos plantam árvores sob cuja sombra eles
sabem que nunca se sentarão". A mensagem é agir no presente pensando nas
futuras gerações. Em matéria de meio ambiente, o mundo não tem seguido esse
princípio ético.
A Revolução Industrial, nos séculos 18 e
19, deu início a avanços econômicos e sociais da humanidade. Em 1820, de acordo
com o Banco Mundial, 89,15% da população vivia em extrema pobreza; em 2015, o
número caiu para 9,98%.
Mas a tecnologia que criou riqueza causou
graves danos ambientais, como o aquecimento global.
Dados do Copernicus, observatório da União Europeia, mostram que
os últimos oito anos foram os mais quentes já documentados. De
2014 a 2022, as temperaturas ficaram acima de 1ºC em comparação com as
calculadas para o período pré-industrial (1850-1900). Daí o aumento da
incidência de eventos climáticos extremos.
Em 2022, a Europa teve o verão mais quente
desde a década de 1990, com a seca afetando a agricultura da região. Portugal,
Espanha e França registraram incêndios florestais. Já Austrália, Índia e
Paquistão sofreram com inundações —este último em proporções trágicas, com alto
número de mortos.
O aquecimento global é um consenso
científico. Medidas de contenção foram firmadas em acordos internacionais, como
o de Paris em 2015, mas se revelam insuficientes.
Relatório do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente atesta que a temperatura
mundial deve chegar a 2,8°C acima do nível pré-industrial até o fim do século,
quando o ideal seria manter a cifra abaixo de 1,5°C.
A receita para arrefecer o calor é
conhecida: descarbonizar a geração de energia e os meios de transporte,
que emitem quase
dois terços (64%) da poluição climática; promover agropecuária
sustentável; proteger e restaurar áreas verdes, combater o desmatamento.
Se no século 19 não havia tecnologia e
conhecimento para conter o impacto humano sobre a natureza, atualmente não há
essa desculpa. Trata-se de imperativo ético legar um ambiente saudável para as
futuras gerações —como a sombra das árvores do provérbio grego.
O Estado de S. Paulo.
A maioria dos brasileiros não compactua com
o golpismo insuflado por Bolsonaro e exige punição exemplar dos responsáveis
pelos atos de 8 de janeiro. Não há espaço para a impunidade
Os bolsonaristas que marcharam sobre
Brasília e tomaram de assalto as sedes dos Três Poderes no domingo passado não
contam com o apoio da população. Em sua esmagadora maioria, os brasileiros
estão do lado da democracia e das instituições republicanas. Cientes da
importância dos direitos e garantias constitucionais, não compactuam com o
golpismo insuflado por Jair Bolsonaro nem muito menos com o recurso à violência
como forma de ação política.
Se os atos de vandalismo de 8 de janeiro
estarreceram o País, as manifestações cívicas em defesa da democracia ao longo
da semana trouxeram alento nestes tempos tão estranhos. A população não almeja
golpe, não quer caos, não apoia atalhos autoritários. Deseja que se respeite o
resultado das urnas.
No dia seguinte aos atos de barbárie em
Brasília, em uma resposta rápida e vigorosa, multidões se reuniram nas duas
maiores cidades do País para ratificar a convicção democrática da sociedade
civil. Na capital paulista, além de um ato realizado em frente ao Masp, o
manifesto lido na Faculdade de Direito da USP foi especialmente simbólico.
Reunidos no Largo de São Francisco, autoridades, representantes da sociedade
civil, juristas, membros do Ministério Público e da OAB repudiaram a tentativa
de golpe de Estado, reafirmaram a defesa da Constituição e da democracia – a
exemplo do ato havido, no mesmo lugar, em agosto do ano passado – e clamaram
pela punição dos responsáveis pelo mais grave atentado à democracia brasileira
desde o fim da ditadura militar. O mote “sem anistia” deu a tônica dos atos na
USP, na Avenida Paulista e na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro.
“Não há nem haverá anistia aos responsáveis
(pela tentativa de golpe)”, disse Carlos Gilberto Calotti Júnior, reitor da
USP. Os atos de 8 de janeiro, “bem como sua preparação e financiamento, não
podem ficar impunes”, afirmou.
Na eleição presidencial, a maioria do
eleitorado rejeitou o bolsonarismo. Mas essa contundente resposta política não
exclui a necessidade de averiguar as responsabilidades penais de Jair Bolsonaro
por suas ações e omissões. Não cabe impunidade a quem insuflou reiteradamente
seus seguidores contra as instituições democráticas. O mesmo se aplica a todos
os que, de alguma forma, contribuíram para a barbárie de 8 de janeiro.
A defesa da democracia mais eloquente veio
do brado dos cidadãos nas ruas. Mas não foi a única. Na segundafeira, o
presidente Lula da Silva reuniu-se no Palácio do Planalto com os 27
governadores, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa
Weber – acompanhada dos ministros Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e
Dias Toffoli –, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o
presidente em exercício do Senado, Veneziano Vital do Rêgo. O presidente da
Frente Nacional de Prefeitos, Edvaldo Nogueira, prefeito de Aracaju (SE), foi o
representante dos municípios. Os chefes dos Três Poderes e as demais
autoridades presentes na reunião deram um recado inequívoco de união: as
instituições da República não tolerarão ataques ao regime democrático.
Diante dos fatos de domingo passado, não há
espaço para acomodações de qualquer natureza. Os responsáveis pela tentativa de
golpe de Estado devem ser identificados, julgados e punidos exemplarmente, nos
limites da lei e de sua responsabilidade. O que aconteceu em Brasília foi
gravíssimo e exige uma resposta à altura.
A responsabilização jurídica, que a
sociedade demanda de forma tão expressiva, pelos atos de 8 de janeiro não tem
nenhum caráter de vingança. É apenas a forma prevista em lei para a defesa da democracia.
Afinal, impunidade significaria convite para novos atentados e ameaças. Os
golpistas – dos mandantes aos executores, passando por ideólogos e
financiadores – devem ser investigados e punidos, dentro do devido processo
legal. Não há estado de exceção, como almejam alguns poucos. O que há é um
Estado Democrático de Direito, que dispõe dos meios necessários para se
defender e conta com o apoio da esmagadora maioria da população.
Inflação exige responsabilidade
O Estado de S. Paulo.
Cenário descrito na carta enviada pelo BC
mostra resiliência da inflação e incertezas fiscais que requerem atenção da
instituição e ainda mais responsabilidade do governo Lula
O índice oficial de inflação encerrou o ano
de 2022 em 5,79%, acima do objetivo de 3,5% e do limite superior do intervalo
de tolerância. Mais do que esperado, o estouro da meta exigiu do presidente do
Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, o envio de uma carta ao ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, com a lista de razões que impediram o alvo de ser
alcançado. O documento, por óbvio, elenca fatos do passado, mas serve de alerta
para o futuro. O cenário descrito requer a atenção do BC e ainda mais
responsabilidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Inércia da inflação de 2021, elevação das
commodities, desequilíbrio entre oferta e demanda e gargalos nas cadeias
produtivas globais, choques em preços de alimentação e retomada da demanda de
serviços e emprego após o declínio da pandemia resumem os motivos pelos quais o
BC não foi capaz de trazer o IPCA para a meta. Longe de ser exclusividade
nacional, tais fatores foram desafios para bancos centrais no mundo todo. Nesse
sentido, é digno de nota que o Brasil foi um dos pioneiros no processo de
aumento dos juros e figura entre os países onde o combate à inflação se mostrou
mais efetivo.
Ainda que a inflação tenha sido menor que a
registrada em países emergentes e até em nações ricas, apegar-se a esse
resultado não é prudente. Dos nove grupos de despesas pesquisados pelo IBGE,
sete registraram aumento de preços no ano passado. Alimentos e bebidas foram a
fonte de maior pressão. Em contrapartida, os dois grupos em que houve deflação
foram transporte e comunicação, deflação esta motivada exclusivamente por
mudanças eleitoreiras na tributação de combustíveis, energia e
telecomunicações.
É cedo para afirmar que o pior já passou. O
índice registrado em dezembro, de 0,62%, ficou acima das expectativas dos
analistas de mercado, avanço que revela não apenas a resiliência, como o
espraiamento da inflação. Todos os nove grupos pesquisados pelo IBGE
registraram alta de preços no mês passado. “A mensagem que o IPCA de dezembro
deixa para 2023 é a de que a inflação não começa o ano bem”, resumiu Luca
Mercadante, economista da Rio Bravo Investimentos.
Ao longo de 19 páginas, a carta do
presidente do Banco Central expressa preocupação similar. Se no exterior
permanecem as pressões globais, internamente o BC reconhece a importância das
medidas tributárias para conter os preços de combustíveis, assim como destaca
que a necessária e adiada reoneração terá efeitos sobre o índice. Não fossem as
desonerações, a inflação teria encerrado o ano em 9,56%, segundo André Almeida,
analista do IBGE.
A exemplo do ano passado, os maiores riscos
mencionados pelo BC são as incertezas a respeito da política fiscal. Ainda há
muitas dúvidas sobre a âncora que substituirá o teto de gastos, bem como sobre
a continuidade de estímulos eleitoreiros que mantiveram aquecidos demanda e
mercado de trabalho nos últimos meses. Por outro lado, a retomada de políticas
parafiscais e a reversão de reformas estruturais também podem diminuir a força
da política monetária.
Ao dar satisfações sobre o passado, o BC
prepara o ambiente para justificar suas decisões no futuro. No documento, a
instituição admite que a incerteza em torno das premissas e projeções que
norteiam suas ações “atualmente é maior do que o usual”, e enfatiza que “não
hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não
transcorra como esperado”. A mensagem não poderia ser mais cristalina.
O trabalho da autoridade monetária não é
fácil, uma vez que boa parte dos fatores de pressão inflacionária não depende
dela. Seu único instrumento para controlar a inflação é a taxa básica de juros.
Assim, a carta é quase um apelo para que o governo federal atue em conjunto com
a instituição e alinhe a política fiscal à monetária – algo que não ocorreu na
maior parte do governo de Jair Bolsonaro. Nesse sentido, ainda que haja um novo
presidente da República, os dilemas do País permanecem os mesmos. Que Haddad,
assim como Lula, saiba compreender o recado do BC.
A realidade calou o sr. Aras
O Estado de S. Paulo.
Em três anos e meio, o sr. Aras não viu
nada de anormal. No domingo, o País conheceu as consequências dessa atitude
Em setembro do ano passado, durante a
cerimônia de posse da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra
Rosa Weber, parecia haver uma paralaxe cognitiva entre as autoridades
presentes. De um lado, a presidente do STF alertava para “tempos
particularmente difíceis da vida institucional do País, tempos verdadeiramente
perturbadores”. De outro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, dizia
não ver nada de anormal. “É gratificante saber que tivemos um 7 de Setembro
pacífico e ordeiro, sem violência”, disse Aras no plenário da Corte,
referindo-se às celebrações do Bicentenário da Independência, que, sequestradas
pelo então presidente Jair Bolsonaro para sua campanha eleitoral, foram tão
tensas que exigiram medidas extraordinárias de segurança. As imagens do mesmo
plenário depredado no domingo passado não deixam dúvida de quem tinha razão.
Não só com a ação desenfreada nas ruas se
construiu o espetáculo de destruição, mas com a omissão nos gabinetes do poder.
Como mostrou o Estadão, houve uma atuação persistente do procurador-geral da
República para dificultar investigações das mobilizações golpistas por parte do
Ministério Público. Aras extinguiu grupos de investigação e devolveu a
procuradores pedidos de informações ao Exército e à polícia sobre acampamentos
em quartéis. Só depois do leite derramado, na segunda-feira, ele criou uma
“Comissão de Defesa da Democracia”.
Em 2019, ao indicá-lo para chefiar a
Procuradoriageral da República (PGR), Bolsonaro disse que Aras seria a “rainha”
no tabuleiro de xadrez de seu governo, ou seja, a peça mais poderosa na defesa
do “rei” e no ataque aos seus desafetos. De fato, o procuradorgeral da
República ignorou, sob argumentos supostamente técnicos, uma série de indícios
de crimes envolvendo Bolsonaro e seus acólitos.
Aras não viu problema, por exemplo, no
“orçamento secreto”, nos escândalos de corrupção nos Ministérios da Saúde e da
Educação, nas confusões e sabotagens de medidas sanitárias por parte de
Bolsonaro durante a pandemia e nos ataques à Justiça Eleitoral. Ante os
indícios de rachadinhas de Flávio Bolsonaro, Aras apoiou o filho do “rei” em
suas pretensões de foro privilegiado. Diversas vezes pediu o arquivamento de
inquéritos, como os que versavam sobre a organização e financiamento dos atos
antidemocráticos. Tão sistemáticas foram suas omissões, que diversas vezes
foram revertidas pelo próprio STF.
A trajetória de Aras é tanto mais chocante
por contrastar com o vício oposto que imperou na PGR nos tempos de Rodrigo
Janot: a hostilidade jacobina à política. Na oscilação entre os extremos da
omissão e do abuso, o Ministério Público enfraquece sua missão constitucional
de proteger a ordem jurídica e o regime democrático. Nada ilustra mais essa
desproteção que o rastro de destruição deixado na Praça dos Três Poderes. Não
cabe ao Ministério Público perseguir políticos, tampouco servi-los. Seu dever é
servir a Constituição, defendendo, nos limites do devido processo legal, a lei
e a democracia.
Valor Econômico
Boa parte dos componentes do IPCA seguem um
ritmo de inflação semelhante ao dos EUA e Europa, na faixa dos 9%
O ano passado não terminou com boas
notícias sobre a inflação, que estourou a meta pelo segundo ano consecutivo e,
pela expectativa do Banco Central, pode ultrapassar o teto da meta de novo em
2023. É certo que o IPCA se afastou dos dois dígitos (foi de 10,1% em 2021),
fechou o ano em 5,79%, mas o grande recuo se deu graças aos artifícios
eleitorais do governo Bolsonaro para reduzir tributos sobre as tarifas de
energia, combustíveis e telecomunicações. Sem o auxílio da redução de impostos,
a inflação ficaria ao redor de 9,5%.
Não há mais truques possíveis de serem
feitos, salvo um controle dos reajustes dos combustíveis pela Petrobras. O que
os analistas esperam é o contrário, uma reoneração pelo menos da gasolina,
projetando um IPCA mais perto de 6% do que do teto da meta, de 4,75% no ano.
Dezembro terminou com alta de 0,62% e um
índice de difusão dos aumentos de 69%, ante 59% em novembro. Os alimentos foram
os que mais contribuíram para o índice, com 2,41 pontos percentuais dos 5,79%.
O fim das restrições à mobilidade esquentou o setor de serviços e seus preços,
levando-os de 4,75% em 2021 a 7,65% no ano passado. O saldo do comportamento
dos serviços subjacentes, mais vinculados ao ciclo econômico, foi maior, de
5,9% para 8,9%.
Para a baixa, transportes foi o setor que
se destacou, com deflação de 1,3% proporcionada pelos combustíveis. Pelos
cálculos de Luis Leal, economista-chefe do Banco Alfa, as ações do governo
retiraram 2,16 pontos percentuais do índice geral, com quedas de 23,9% nos
combustíveis e 19% na energia. No fim das contas, os preços livres aumentaram
de um ano para outro (de 7,4% para 9,4%), enquanto que o dos preços
administrados tiveram deflação de 3,8%, a maior da última década, segundo a
consultoria MCM. Este ano, ao contrário, os preços livres terão de ceder
significativamente para abrir espaço à correção dos preços administrados.
Mesmo com juros altos, a média dos núcleos
indica que a batalha da inflação está longe de ser vencida. Nos doze meses até
dezembro, ela foi de 9,18%, pelos calculados da MCM. Já antes do governo Lula
assumir houve deterioração das expectativas inflacionárias, com as projeções
das últimas 4 semanas do Focus se distanciando do teto da meta de 2023 (de
5,08% para 5,36%) e começando a se desgarrar da meta nos anos seguintes (de 3%
para 3,7% em 2024 e de 3% para 3,2% em 2025).
Na carta ao ministro da Fazenda, que o BC é
obrigado a enviar explicando os motivos pelos quais a meta de inflação não foi
atingida, Roberto Campos Neto atribuiu à inércia o fator principal, isto é, à
força da persistência inflacionária passada influenciando os preços no
presente. Os demais fatores da carta são conhecidos: alta das commodities com a
guerra na Ucrânia, descompasso entre oferta e demanda, choques climáticos que
pressionaram os preços dos alimentos e retomada do setor de serviços com o fim
das restrições à mobilidade.
O BC pôs fim ao ciclo de alta e acredita
que o IPCA convergirá para a meta, ainda que mais lentamente do que gostaria. A
alta do juro real, com a Selic projetada um ano à frente menos o IPCA estimado
para o mesmo período, segundo Campos Neto, “é a maior durante o regime de
metas” até hoje. O juro real neste primeiro trimestre é de 7,8% e o BC estima
chegar ao fim do ano com 6,9%, ou seja, taxa nominal acima de 12%. Em 2024, a
política monetária ainda será restritiva, com 5,28% de taxa real para só em
2025 se aproximar da taxa neutra, com 4,5%.
Os efeitos defasados do aperto nos juros
terão de esfriar a economia para que os preços se comportem, mas por enquanto
há ruídos em demasia para se prever que isso vai acontecer. O novo governo
obteve licença extra para gastar mais R$ 90 bilhões a R$ 100 bilhões, o que
significa que, se nada for feito, o déficit primário chegará a 2% do PIB.
Estímulos fiscais vão na contramão da política monetária e essa contradição
poderá perpassar o ano todo.
O ministro Fernando Haddad disse que os
juros estão muito altos, mas não pelos motivos que apontou: a inflação
brasileira é muito menor que a dos países desenvolvidos e os juros domésticos
são o triplo. O fato é que o IPCA caiu porque os juros foram elevados e o BC
começou a empurrá-los para cima bem antes que os BCs dos países ricos, que
parecem distantes do fim do ciclo. Os números de 2022 mostram, porém, que boa
parte dos componentes do IPCA segue ritmo de inflação semelhante ao de EUA e
Europa, na faixa dos 9%. Reduzi-los não será uma tarefa simples.
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