terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A bomba da dívida

O Globo

STF já julgou inconstitucionais outros calotes de precatórios. E o fará novamente, como ressaltam especialistas

No passado, comentei a rebeldia de Paulo Guedes em decidir não pagar precatórios, que levou ao calote chancelado pelo Congresso, vigente até 2026. À época, avisei que postergar o pagamento dos precatórios não teria nenhum sentido econômico ou jurídico. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece ter corretamente chegado à mesma conclusão.

Sob o aspecto econômico, a medida foi tão desastrosa quanto calculei. Descrente na capacidade do Brasil de honrar suas obrigações, o mercado reagiu: já àquela época, a curva de juros longa havia subido 1% — o que nos custa R$ 50 bilhões ao ano —, e o risco Brasil (CDS) chegou ao patamar de 184,5 pontos, um impacto de 6,6%. Em 2026, o Brasil será devedor de quase R$ 300 bilhões aos credores de precatórios — mais que o dobro do valor que a PEC de Transição autorizou a União a gastar.

Quando Inês era morta, a equipe econômica anterior admitiu o erro. A Secretaria do Tesouro Nacional propôs que fosse “excetuada do limite de despesa, simplificando o arcabouço atual, permitindo o pagamento tempestivo das obrigações assumidas pelo governo”. Quer dizer: retirar os precatórios do teto, como fez a gestão Bolsonaro com tantas outras despesas.

A premissa econômica que levou ao calote é errada. Submetidos ao teto de gastos, os precatórios consomem espaço orçamentário cuja grandeza só se conhece ao final de cada ano. Quando a conta não fecha, o Executivo privilegia despesas discricionárias em detrimento de obedecer ao Judiciário e pagar os precatórios. E foi isso que Guedes fez. Já naquela época, contudo, avisei que inexistia o óbice orçamentário que tanto preocupava o ministro. Bastava pagar os precatórios fora do teto, evitando a bola de neve que vemos crescer a cada ano.

Isso se justifica porque os precatórios não são despesa primária. São ordens de pagamento emitidas pelo Judiciário contra o Executivo, que se torna devedor. Assim, precatórios devem ser classificados como dívida, até mesmo para que se possa dimensionar o tamanho do passivo público, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Agora, com o novo governo focado em desenhar um arcabouço fiscal que a um só tempo privilegie a assistência social e promova estabilidade econômica, o tema poderá ser tratado de forma técnica.

Sob o aspecto jurídico, o Supremo Tribunal Federal já julgou inconstitucionais outros calotes de precatórios. E o fará novamente, como ressaltam vários especialistas (Fernando Scaff, Hamilton Dias de Souza, Gustavo Binenbojm e Luís Adams). A razão é simples: o Executivo não pode desrespeitar ordens emitidas pelo Judiciário. Foi justamente a visão de que o Executivo estaria acima dos demais Poderes que culminou nas dantescas cenas do último dia 8. Haddad caminha em sentido oposto, procurando desarmar a bomba, restaurando a credibilidade do país e pacificando a relação entre os Poderes.

*Luiz Gonzaga Belluzzo, doutor em economia e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e de Ciência e Tecnologia de São Paulo

 

2 comentários:

Anônimo disse...

A herança "bendita" do maldito Jegues!

Anônimo disse...

Concordo com o anônimo, desprezível ele, pena que o Bozo não enxergou. Isso foi decisivo para perder o governo por canalhice.