terça-feira, 24 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É fundamental Lula desfazer qualquer crise com militares

O Globo

Desgaste na relação com o poder civil não beneficia o país, muito menos a democracia brasileira

A demissão do general Júlio César de Arruda do comando do Exército foi compreensível diante das notícias de quebra de confiança e de complacência com o golpismo na porta dos quartéis. Para além disso, embora seja necessário punir os participantes dos ataques do 8 de janeiro eventualmente ligados às Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa se esforçar por construir as melhores relações possíveis com os militares. Sobretudo, deve evitar provocar uma crise maior com atitudes que possam ser interpretadas como vingança.

Mesmo que necessária para impor a autoridade do comandante em chefe, a exoneração de Arruda com menos de um mês no cargo causa desgaste para todos. A nomeação para o comando do Exército do general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, cujas declarações de teor legalista o qualificam para o cargo, abre uma excelente oportunidade para contornar a ameaça de crise com os militares que ronda o Planalto desde a eleição.

Lula precisa agora ter a sabedoria de despolitizar as Forças Armadas sem criar atritos desnecessários. Não será fácil conquistar a confiança de corporações majoritariamente antipetistas. A substituição do comandante do Exército por si só não fará desaparecer as divergências. Não devem ser ignoradas a tensão que antecedeu a posse de Lula nem a tolerância com os acampamentos golpistas, onde foram tramados atos terroristas como a tentativa de ataque ao Aeroporto de Brasília e as conspirações que culminaram no 8 de janeiro. Mas não há dúvida de que, a exemplo do novo comandante do Exército, a maioria dos militares está comprometida com a legalidade.

Como quaisquer cidadãos brasileiros, eles têm pleno direito a suas posições políticas pessoais. Como integrantes de instituições de Estado, porém, precisam cumprir sua missão constitucional, independentemente do governante. Isso significa manter fora dos quartéis toda atividade político-partidária. Lula foi eleito para governar o país pelos próximos quatro anos. Profissionalismo é o que se espera dos militares. E é esse o compromisso que ficou explícito nas declarações do novo comandante do Exército.

É evidentemente do interesse das próprias Forças Armadas punir os poucos fardados que participaram dos atos golpistas, por meio de processos com pleno direito de defesa. O Ministério Público Militar já abriu seis investigações, que devem seguir adiante com toda a transparência. Há, neste momento, um alinhamento natural entre esse interesse das instituições militares e os do governo federal em investigar e punir os responsáveis pelo golpismo. Isso pode ajudar a desanuviar a tensão.

Ainda que o governo Jair Bolsonaro tenha frequentemente confundido os papéis que cabem a militares e civis num Estado Democrático, essa página precisa ser virada. As Forças Armadas não podem ser vistas como um foco de resistência a este ou àquele governo. Atos individuais precisam ser investigados e punidos. Mas não devem ser confundidos com a postura de uma instituição de que o país necessita e em que precisa confiar. É possível e necessário desfazer qualquer crise civil-militar. É hora de apaziguar os ânimos. Um desgaste mútuo nessa relação não beneficia o país, muito menos a democracia brasileira.

Viagem à Argentina começa a resgatar papel do Brasil na cena internacional

O Globo

Mas confusão da moeda única e flerte com populismo de esquerda revelam que haverá percalços no caminho

O Itamaraty fez bem ao escolher a Argentina como destino da primeira viagem internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se do maior sócio do Mercosul e terceiro maior destino das exportações brasileiras. Em seguida, estão previstas viagens para Estados Unidos e China. Aos poucos, o Brasil abandona a posição de pária global. Porém, como mostra o caso argentino, não será um caminho sem percalços.

É o que se depreende da confusão armada pelo ministro da Economia local, Sergio Massa, antes da chegada de Lula a Buenos Aires. Em entrevista, Massa deu a entender que Argentina e Brasil dariam os primeiros passos rumo a uma moeda única nos moldes do euro. Não é verdade. Ninguém em Brasília cogita acabar com o real, muito menos criar um Banco Central do Mercosul. O que Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, assinaram ontem foi um memorando para lançar uma moeda específica para transações comerciais — algo totalmente diferente.

Mesmo que defensável no plano teórico, não é o momento de pensar numa moeda única do Mercosul. A economia argentina está em situação bem pior que a brasileira. A inflação fechou 2022 em 95% — ante 5,8% no Brasil. Depois de várias negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para evitar o calote, a Argentina tem US$ 41 bilhões em reservas cambiais, patamar insuficiente para honrar compromissos. Mesmo tendo caído para R$ 344 bilhões, as reservas brasileiras, ao contrário, funcionam como colchão contra intempéries externas.

Não faz sentido unificar as moedas de países que vivem realidades cambial, fiscal e monetária tão distintas. As reservas brasileiras passariam a garantir a incúria crônica dos governos argentinos, que deu origem a câmbios para todos os gostos. A desconfiança é tamanha que, além do paralelo tradicional, o blue, há cotações oficiais para satisfazer a diferentes demandas: o setor de entretenimento usa o dólar Coldplay, quem viaja para o exterior o dólar Catar, exportadores o dólar soja.

A cartilha populista de esquerda adotada em 11 dos últimos 15 anos tornou crônica a crise econômica. Está claro que governo do peronista Fernández não tem sabido resolver os problemas. Ele enfrentará uma eleição presidencial neste ano e tem pouco a apresentar como legado, daí Massa levantar a bola da moeda única. Fernández tem implementado o plano de estabilização do FMI, mas sofre a oposição da própria vice, Cristina Kirchner, que governou o país por dois mandatos.

Lula precisa encarar a Argentina como contraexemplo. O país mostra quanto o Brasil poderia piorar se ele aderisse ao manual populista de esquerda. Por isso mesmo, causa preocupação a reaproximação do ditador Nicolás Maduro, que planejava ir a Buenos Aires, mas desistiu. É evidente que o Brasil pode ajudar na negociação para resgatar a Venezuela do chavismo. Mas um país que acaba de sofrer um ataque violento às instituições democráticas não pode ser condescendente com um regime que fez lá tudo o que Jair Bolsonaro gostaria de ter feito aqui.

Tragédia yanomami

Folha de S. Paulo

Descaso agravado sob Bolsonaro leva a crise de saúde chocante no território

"A pior situação humanitária que já vi." Foi dessa forma que o médico tropicalista André Siqueira, da Fundação Oswaldo Cruz, descreveu o quadro de saúde dos yanomamis em Roraima.

De acordo com a pasta dos Povos Indígenas, contaminação por mercúrio, desnutrição e fome causaram as mortes de 570 crianças da etnia. Segundo o Ministério Público Federal, 52% das crianças sofriam de desnutrição no fim do ano passado —índice que chega a 80% em áreas de difícil acesso.

A fome agrava outros quadros de saúde. A pneumonia gerou um terço das mortes evitáveis de crianças yanomamis em 2022. Na população em geral, o número é bem menor —4,2% medidos em 2021.

Outro aspecto preocupante é que menos de um terço das crianças aptas para tratamento de verminoses o fez, segundo o MPF.

Não se trata de eventos naturais. A condição calamitosa é resultado direto de anos de políticas nefastas contra os indígenas, agravadas em especial durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Se a vulnerabilidade desses territórios não é recente, os níveis de agora são alarmantes. Relatório do Conselho Indigenista Missionário, de agosto de 2022, apontou que invasões e garimpos em áreas indígenas cresceram 180% sob Bolsonaro.

O garimpo aumenta o risco sanitário e nutricional ao permitir a circulação de vírus não comuns na população e diminuir a disponibilidade de terras férteis.

No apagar das luzes do governo anterior, o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, autorizou exploração de ouro em quase 10 mil hectares vizinhos à Terra Indígena Yanomami.

Ademais o acesso a medicamentos e tratamentos tem sido prejudicado. Investigação da Polícia Federal e do MPF aponta suspeitas de desvios de recursos públicos para compra de remédios, em especial vermífugos. Estima-se que o esquema deixou 10 mil crianças yanomamis sem assistência.

Como resposta, o Ministério da Saúde decretou estado de emergência na última sexta-feira (20) para planejar e coordenar ações em conjunto com gestores estaduais e municipais do SUS. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que visitou o território, criou um comitê contra a crise.

A medida mais urgente é fornecer medicamentos e alimentos à comunidade indígena. O combate ao garimpo ilegal deve ser intensificado —sem o qual tragédias humanitárias como essa se repetirão— e os responsáveis por desvios de verbas precisam ser investigados e punidos no rigor da lei.

Tetos transparentes

Folha de S. Paulo

Regras fiscais, como limite para dívida dos EUA, são falíveis mas importantes

Os Estados Unidos atingiram o teto fixado na legislação para sua dívida pública, situação que está longe de ser incomum na história do país. Há peculiaridades a merecer atenção desta vez, entretanto.

A mais evidente é a dimensão dos valores envolvidos. O endividamento atingiu astronômicos US$ 31,4 trilhões, equivalentes a cerca de 120% do Produto Interno Bruto da maior economia global.

O patamar está abaixo do atingido no pico da pandemia (perto de 135% do PIB em 2020), mas, antes disso, só houve percentuais comparáveis ao final da Segunda Guerra.

Momentos em que o passivo governamental chega ao limite máximo em geral são contornados por meio de acordos políticos, que elevam os valores tolerados e evitam a paralisação prolongada de serviços públicos. Sempre é necessário, de todo modo, acionar o Congresso —e isso pode trazer mais dificuldades que o normal agora.

Entre os republicanos, que acabaram de conquistar o comando da Câmara, tende a haver pressões por cortes mais profundos de gastos, algo que o presidente Joe Biden, do Partido Democrata, não estará disposto a fazer. Calcula-se que é necessário um entendimento até junho, a fim de evitar transtornos orçamentários mais graves.

O caso ajuda a entender por que regras fiscais, que limitam despesas e dívidas públicas, geram controvérsia até entre economistas ortodoxos —e também por que são crescentemente adotadas por países desenvolvidos e emergentes.

Nas democracias, em particular, tais normas submetem governantes a exigências de transparência e prestação de contas. Busca-se evitar que o atendimento de demandas da sociedade, potencialmente infinitas, descambe para imprudências e crises econômicas que prejudicarão sobretudo os estratos mais pobres da população.

É claro que os tetos mais bem concebidos podem ser aviltados, se o governo dispõe de força política suficiente. Isso já se viu nos EUA e obviamente não é novidade no Brasil. As leis fiscais precisam conquistar credibilidade para que ajudem a dissipar as incertezas que dificultam o investimento privado e o controle da inflação.

A dívida pública brasileira é menor que a americana (85% do PIB, segundo a metodologia do FMI), mas está sujeita a juros muito maiores, que prejudicam toda a economia, devido a desequilíbrios crônicos do Estado e do país.

A queda das taxas dependerá da confiança geral na gestão do Orçamento ao longo de muitos governos. O país tem alternado avanços e retrocessos nesse sentido.

 O País não sabe lidar com seus indígenas

O Estado de S. Paulo.

O Brasil se choca com a tragédia dos Yanomami, mas há muito os indígenas pedem ajuda sem serem ouvidos, como se não fossem dignos sequer de atenção, apesar de seus direitos constitucionais

A tragédia humanitária que se abateu sobre os habitantes do território Yanomami deveria envergonhar todos os brasileiros. A responsabilidade por seu infortúnio é coletiva. Se sucessivos governos não deram aos indígenas o tratamento digno que merecem, é porque, em boa medida, a sociedade não foi enfática o bastante ao exigir que o Estado se fizesse presente para fazer valer nada além da proteção que a Constituição assegura aos povos originários.

As imagens de nossos concidadãos desnutridos, caídos doentes por fome, malária ou intoxicações, muitos à beira da morte por falta de assistência mínima, chocam pelo horror da situação degradante a que estão submetidos e por confrontar a sociedade com um retrato cruel de seu descaso pelos indígenas.

Há séculos, os povos originários gritam que estão sendo dizimados, mas seu clamor simplesmente não é ouvido. Seus direitos de cidadãos brasileiros foram assegurados pela Constituição de 1988, mas de que valem, afinal, se Estado e sociedade lhes viram as costas? “Queremos ajuda”, implorou ao Estadão Flávio Yanomami, da comunidade de Barcelos, ao relatar a alta dos casos de desnutrição e malária na região.

A desassistência sanitária levou o Ministério da Saúde a declarar emergência nacional em saúde pública no território Yanomami. De acordo com a ministra Nísia Trindade, ao menos três crianças morreram nas comunidades de Keta, Kuniama e Lajahu no final de dezembro. O recém-criado Ministério dos Povos Originários fala em 570 mortes de crianças Yanomami por doenças tratáveis, como desnutrição, malária e diarreia, entre 2019 e 2022.

É verdade que há muito tempo os indígenas vêm sendo tratados como se fossem cidadãos de segunda classe, mas é inquestionável que durante o governo Bolsonaro suas condições de vida se deterioraram substancialmente. Bolsonaro foi leniente no combate aos crimes ambientais, sobretudo o garimpo ilegal, que tanto mal causam às populações indígenas. Só em Roraima, de acordo com o governo estadual, estima-se haver 20 mil garimpeiros ilegais.

No sábado passado, o presidente Lula viajou a Boa Vista para se encontrar com lideranças indígenas locais, que cobraram dele mais empenho do governo federal em enviar médicos, alimentos e remédios para a região, além de implementar ações de combate ao garimpo ilegal. “O que posso dizer é que não vai mais haver garimpo ilegal”, disse Lula. “Sei da dificuldade de tirar o garimpo ilegal (da região), sei que já se tentou outras vezes, mas eles voltam. Mas nós vamos tirar”, prometeu o presidente.

O compromisso assumido por Lula é importante, sobretudo pelo contraste com a atitude de seu antecessor, que deliberadamente enfraqueceu ou desmontou órgãos de proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas, além de, como entusiasta da mineração em reservas, ter estimulado o garimpo ilegal. Mas os Yanomami, entre outros povos, precisam de mais que promessas. Precisam da ação rápida e incisiva do Estado contra os criminosos. Mas Lula não detalhou quais serão as ações de seu governo contra os garimpeiros ilegais.

O garimpo ilegal gera conflitos armados nas reservas indígenas, contamina as águas dos rios com mercúrio e produz lagos artificiais que se transformam em criadouros do mosquito Anopheles, transmissor da malária. Dos cerca de 29 mil habitantes do território Yanomami, 11.530 (40%) tiveram diagnóstico de malária confirmado em 2022, de acordo com o Distrito Sanitário Especial Yanomami, vinculado ao Ministério da Saúde.

Como se não bastasse, os garimpeiros ilegais tomam posse de pistas de pouso e decolagem na Amazônia que deveriam servir ao transporte de mantimentos, remédios e profissionais de saúde, impedindo a chegada de ajuda humanitária.

O foco do governo federal neste momento, em parceria com os governos de Roraima e do Amazonas, deve ser a assistência imediata aos Yanomami. Mas uma ação enérgica do Estado contra o garimpo ilegal se impõe. É inaceitável que porções do território nacional sejam dominadas por criminosos sob o olhar complacente das autoridades.

China, Índia e a nova ordem mundial

O Estado de S. Paulo.

A competição entre uma China poderosa, mas em declínio populacional, e uma Índia em ascensão, mas com graves atrasos a superar, impactará a ordem econômica e geopolítica

Há séculos a China é o país mais populoso do planeta. Na última década se tornou também o maior produtor industrial, maior exportador, com as maiores reservas internacionais e, em poder de compra, a maior economia. Mas, no dia 15, o governo anunciou o primeiro declínio populacional desde os anos 60. Naquela época foi algo episódico – consequência da fome –, mas agora será contínuo: em 2050, a população deverá ser 8% menor. A ONU projeta que a população da Índia ultrapassará a da China em abril, e crescerá até um pico, em 2064, de 1,7 bilhão, 50% maior que a da China. Isso não significa que a Índia conquistará as outras primazias da China. Mas tentará. E essa competição moldará o século 21.

A redução demográfica chinesa foi fabricada. Após a fome causada pelo “Grande Salto Adiante” maoista, o Partido Comunista ativou suas políticas de controle, com a campanha “mais tarde, mais longo, menos” – adiar casamentos, ampliar o intervalo entre os filhos e ter menos filhos. Em 1980, implementou a política “um filho”, envolvendo esterilizações e abortos forçados. O milagre econômico chinês resultou em parte da alteração abrupta na proporção entre adultos em idade de trabalho e crianças. Mas, agora que a população está envelhecendo, o peso dos idosos cobrará seu preço. A força de trabalho encolhe há anos, retesando a economia, e o sistema de seguridade está mal equipado. A mais ambiciosa política populacional da história foi não só um crime, mas está se provando um tiro no pé. O Partido reverteu sua política de natalidade, oferecendo dinheiro por mais filhos, acesso à fertilização in vitro e restringindo o aborto – mas sem sucesso.

No passado, a Índia também implementou controles draconianos, incluindo esterilizações em massa. Mas seu insucesso lhe dá agora vantagens comparativas. Sua população não só está crescendo, como é significativamente mais jovem que a da China. Metade tem menos de 30 anos. Com esse bônus demográfico – mais trabalhadores do que dependentes –, a Índia é uma das economias que cresceram mais rápido nos últimos anos, ultrapassou a do Reino Unido como a quinta maior, e até 2030 deve se tornar a terceira maior.

As tensões entre a China e o Ocidente também trazem oportunidades. Mas, para aproveitá-las e extrair o melhor de seu bônus populacional, a Índia tem um trabalho duro à frente. Cerca de 800 milhões de indianos vivem da comida oferecida pelo governo. A desocupação é alta e, apesar de o país ter desenvolvido um polo de tecnologia da informação, a qualificação da massa de trabalhadores é baixa. A participação da indústria é pequena e deficiências como uma infraestrutura e matriz energética precárias e uma burocracia complicada, que prejudicaram a Índia na onda de industrialização asiática, continuam a oferecer obstáculos. Se esses não forem removidos logo, há o risco de que a população envelheça antes de enriquecer o suficiente para sustentar todos.

A China, por sua vez, tem uma população mais educada e uma infraestrutura muito superior. A economia é cinco vezes maior. Mas já há sinais de que está sendo desacelerada pelas obsessões estatistas de Xi Jinping.

China e Índia, contudo, não são só potências econômicas rivais, mas têm sistemas políticos, ideologias e mesmo civilizações rivais. Os orçamentos militares de ambas têm crescido. As tensões estratégicas também, especialmente nas fronteiras do Himalaia. Há uma tendência de aliança entre o Ocidente e a Índia em uma causa comum contra o totalitarismo chinês. Mas a democracia indiana vem se deteriorando, o Ocidente tem de enfrentar as consequências econômicas e sociais de seu próprio declínio populacional e, como a guerra na Ucrânia mostra, essa aliança pode ser mais frágil e transitória do que parece.

O futuro da economia mundial, em resumo, depende em boa parte de até onde a Índia aumentará sua produtividade e até onde a China se retrairá do livre mercado global. Sobre essas engrenagens, à medida que o poder político e econômico se move para a Ásia, a comunidade internacional precisará arquitetar uma nova ordem mundial.l

Vetos golpistas têm de cair

O Estado de S. Paulo.

Nos vetos à Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, Bolsonaro pavimentou o 8 de janeiro

Em setembro de 2021, o Congresso aprovou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021), que revogou a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983) e alterou o Código Penal, prevendo crimes contra a democracia. Foi uma medida importante do Legislativo. Ao mesmo tempo que excluiu um diploma legal da época da ditadura que estava sendo usado pelo governo Bolsonaro para perseguir opositores, o Congresso instituiu meios para a defesa do regime democrático.

Ao sancionar a Lei 14.197/2021, o presidente Jair Bolsonaro vetou cinco dispositivos. Foram vetos em pontos importantes da lei, que reduziram a proteção da democracia, como advertimos nesta página (ver o editorial Vetos contra o Estado Democrático de Direito, 3/9/2021). Incompreensivelmente, o Congresso ainda não analisou os vetos à Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. É tarefa urgente do Legislativo, especialmente depois dos atos de 8 de janeiro, restaurar os dispositivos vetados por Bolsonaro.

Um dos vetos refere-se ao crime de comunicação enganosa em massa, relativo à disseminação de “fatos que sabe inverídicos e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”. Segundo Bolsonaro, a medida aprovada pelo Congresso inibiria o “debate de ideias” e “enfraqueceria o processo democrático”. O bolsonarismo não tem mesmo pudores, defendendo explicitamente que a difusão de informação que se sabe equivocada sobre as eleições deveria fazer parte da liberdade de expressão.

No capítulo dos crimes contra as eleições, Bolsonaro também vetou um dispositivo contra a impunidade. O Congresso autorizou que, em caso de omissão do Ministério Público, partidos políticos poderiam propor a respectiva ação penal. Bolsonaro excluiu essa possibilidade.

Em consonância com os objetivos da nova lei, o Congresso estabeleceu que os crimes contra o Estado Democrático de Direito deveriam ter pena (i) aumentada de um terço, se cometidos com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo, e (ii) aumentada de um terço e cumulada com perda do cargo, se cometidos por funcionário público. Bolsonaro vetou essas disposições. Para piorar, nem sequer apresentou justificativa para o veto ao aumento de pena por uso de arma de fogo.

Bolsonaro também vetou, vejam só, o aumento de pena para o caso de crime contra o Estado Democrático de Direito cometido por militar. Alegou que, além de supostamente ferir a proporcionalidade, a previsão legislativa seria “uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”. Aqui, uma vez mais, o bolsonarismo escancara seu ideário autoritário. Em sua concepção, crimes contra o Estado Democrático de Direito não deveriam ser punidos rigorosamente porque isso significaria reduzir a liberdade de pensamento.

Nos vetos apostos por Bolsonaro em setembro de 2021, vislumbra-se um roteiro preciso para o que ocorreu nos meses seguintes e culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023. O Congresso não pode pactuar com esse ataque à capacidade de a democracia se defender.

É preciso cuidado para mudar sistema de metas

Valor Econômico

Discussão terá de ser ampla, profunda, distante de voluntarismos que já produziram desastres

O fato de o Banco Central caminhar para o terceiro ano consecutivo em que não conseguirá cumprir a meta de inflação, mesmo com um juro real inusitado, e de o PT voltar ao poder colocaram em questão de novo as balizas da política monetária. O próprio presidente sugeriu que a meta poderia ser de 4,5% e não há consenso a respeito entre os economistas, exceto o de que essa discussão é válida. Resta, porém, o contexto no qual o tema reapareceu e ele indica que pode não se tratar de um ajuste técnico ou de aperfeiçoamento do sistema, hipóteses que justificariam mudanças paulatinas e criteriosas de orientação.

Não há argumentos definitivos a respeito de qual é a “melhor” inflação para o país que o Banco Central deva perseguir. Nos 23 anos do sistema de metas, só em dois anos a inflação se aproximou dos 3,25% atuais - 3,34% em 2006 e 2,95% em 2017. O centro das metas, em ambos os casos, era 4,5%, e os juros básicos para conseguir esses resultados nunca foram menores que 13% - esse nível para o primeiro caso, 17,25% para o segundo. Por outro lado, com uma meta de 4% o BC obteve um IPCA de 4,52% com a menor taxa Selic da história, 2%, em 2020, embora tenha contado em boa parte do ano com o impulso deflacionário da pandemia.

Os problemas ocorreram quando a meta caiu para 3,5%, depois 3,25%, alvos que passaram a conviver com o maior surto inflacionário global em décadas. Nessas circunstâncias, atingir o resultado está sendo muito mais difícil, custoso e prolongado do que antes. A disparada da inflação global sucedeu a maior injeção de liquidez da história pelos BCs desenvolvidos, cuja preocupação, por quase uma década, foi de evitar um outro fantasma ameaçador e de sinal contrário: a deflação. Em suma, a meta em si pode não dizer muito sobre as condições de sua viabilidade, que são dadas pelas diversas conjunturas econômicas.

A mudança de meta pode se justificar quando o sacrifício econômico para obtê-la é muito maior que os benefícios. O resultado dessa equação não está claro no Brasil. A dose forte de juros empurrou a inflação para baixo e poderia fazer o IPCA entrar no limite de variação da meta, mas a deterioração fiscal, iniciada com as jogadas eleitoreiras do então presidente Jair Bolsonaro, e a PEC de Transição aprovada a pedido do novo governo, impedirão isso. Com a política monetária indo para um lado e a fiscal para outro, a meta não deve ser atingida, o que não é prova irrefutável que não o possa ser, e que está acima do limite possível e desejável.

A fragilidade fiscal é um dos argumentos utilizados por economistas que defendem uma meta de inflação mais alta, que não desça abaixo de 4%. Juros bem mais altos para obter um IPCA menor que esse nível fariam estragos nas finanças públicas, que provocariam por seu lado alta da inflação. Outros argumentam com a volatilidade cambial, maior por aqui, que pressiona os preços e os torna menos previsíveis, tornando recomendável que a meta de inflação seja maior, o intervalo de acomodação mais amplo ou uma combinação dos dois. O fato de se usar o ano fiscal para medir o acerto ou erro do BC não ajuda. Outros países que adotam o sistema usam intervalos mais longos.

Por outro lado, a um país com herança de hiperinflação e forte inércia não é recomendável que o alvo do BC seja uma inflação generosa. Em mais de duas décadas do sistema no Brasil (ele vem desde 1999), quando o IPCA alcançou 6%, ele nunca mais voltou a cair sem a ajuda de aperto monetário. As tentativas de contar com todo o intervalo de variação, e não buscar o centro da meta, fracassaram, pois a inflação se desgarrou.

A discussão sobre meta maior de inflação nos países desenvolvidos, que daria maior flexibilidade à política monetária para evitar inflação zero, não cabe aqui. Não houve ainda deflação anual no país neste século, embora uma mudança de meta naqueles países, via condições financeiras, possa abrir espaço para flexibilidade por aqui.

Seria adequado mudar a meta de inflação agora? Não, porque não se conhece toda a política fiscal e macroeconômica do novo governo e há desconfiança de que repita velhos erros do passado, com estímulos em penca a uma economia com inflação ainda fora da meta. A troca imediata traria instabilidade a um sistema que, com todos os percalços, perdura por duas décadas. A inflação mais alta prejudicará como sempre os mais pobres. Para mudar as metas, a discussão terá de ser ampla, profunda, distante de voluntarismos que já produziram desastres.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

É fundamental Lula desfazer qualquer crise com militares
O Globo, hoje

Lula tentou de tudo para não haver crise com os milicos; estes tentaram de tudo pra q houvesse.
O q o Globo quer é q Lula seja condescendente com os milicos q nunca aprendem e continuarão sendo golpistas. Brasileiros yanomamis sendo exterminados - onde estavam os milicos q não viram o genocídio?
Ah, cuidavam das urnas....
Lula sequer pôde confiar no EB pra implantar uma GLO.
Engana-se o Globo. Pra Lula e pro Brasil, esses milicos só criam problemas - não são profissionais posto q não conseguem controlar seu antipetismo.
Aumente a temperatura Lula, e estirpe esse câncer miliquento de uma vez. Aí o Brasil terá paz.

Anônimo disse...

Em tempo: milicos cuidavem de urnas e o relatório q produziram foi de uma falta de caráter, uma canalhice. Lembram da parte q dizia "não foram encontrados problemas MAS não podemos afirmar q não há problemas"?
Não basta Lula ter uma oposição nazifascista endinheirada, ainda tem milicos contra.