terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Andrea Jubé - O Exército não é democrata, é legalista

Valor Econômico

Crises militares são recorrentes desde o início da República

Muito além da singular habilidade política, o presidente Getúlio Vargas (1883-1954) também era reconhecido pelo charme, pelo charuto no canto da boca e pelo estilo galhofeiro. Em carta ao embaixador Azeredo da Silveira, em que lamentou o “tremendo agosto” de 1954 (quando Getúlio deu cabo da própria vida), João Guimarães Rosa comentou que a população logo criou anedotas sobre a chegada do político ao céu. Em uma delas, o mote era o apego dele ao poder. “Getúlio pega um momento de descuido, e senta-se na cadeira de São Pedro. Ao tentarem tirá-lo, profere - ‘Daqui só saio vivo!’”

A propósito da gaiatice de Getúlio, o general Nélson de Melo, morto em 1989, recordou-se de um comentário ladino do então presidente logo após o golpe do Estado Novo, durante uma tarde no Palácio Guanabara.

“Em 1930 eu fiz a revolução com os tenentes e, em 1937, com os generais", disse Getúlio, soltando uma sonora gargalhada. Nélson de Melo fez o relato a historiadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), em uma rodada de depoimentos entre 1978 e 1979. Ele foi chefe da Polícia do Distrito Federal no Estado Novo - cargo equivalente ao de diretor-geral da Polícia Federal.

A declaração de Getúlio ao general ilustra a influência e o poder dos militares em dois episódios capitais da história contemporânea brasileira: a revolução de 1930 e o golpe de 1937. Em 1930, a participação dos militares de média e baixa patente, principalmente de lideranças do “tenentismo”, foi determinante para a vitória da Aliança Liberal, que alçou Getúlio ao poder.

Sete anos depois, a história mostra que o Estado Novo foi viabilizado, principalmente, pela liderança de dois generais: Eurico Gaspar Dutra (sucessor de Getúlio), então ministro da Guerra, e Góes Monteiro, então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Tendo como pano de fundo o Plano Cohen, os generais uniram-se em torno de Getúlio para refrear o suposto avanço do comunismo.

“O golpe de 1937 foi um erro, sob o ponto de vista da democracia. Mas deu prestígio ao Exército, deu unidade ao Brasil, que até então era uma confederação de Estados, e deu força ao governo federal”, analisou Nélson de Melo, que também foi chefe do gabinete militar de Juscelino Kubitschek.

Getúlio viveu na corda bamba com os generais. Em 1945, com o país cansado da ditadura e os militares irritados com o “queremismo”, os generais viram na nomeação de Benjamim Vargas, o irmão fanfarrão do presidente, para a chefia da polícia federal, o estopim para a deposição de Getúlio.

Em 1954, Getúlio viu-se diante de novas crises militares. Em fevereiro daquele ano, o “Manifesto dos Coronéis”, documento em que 82 oficiais (muitos deles, futuros protagonistas do golpe de 1964), protestaram contra “manejos sindicalistas do ministro do Trabalho“, culminou na demissão de João Goulart da pasta. Na ocasião, Jango articulava um reajuste de 100% do salário mínimo. Foi o início do fim do caudilho.

A história mostra que o modo de tensão permanente na relação com os militares não foi exclusividade de Getúlio. A influência dos militares nos rumos do país remonta, pelo menos, há um século e meio, quando Duque de Caxias liderou as tropas brasileiras na Guerra do Paraguai.

Na sequência, em 1889, um golpe militar derrubou a monarquia, abrindo caminho para que dois marechais emergissem como os primeiros presidentes da nova República: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. O primeiro presidente civil, Prudente de Morais, assumiria o cargo cinco anos após a fundação da República.

A história brasileira é permeada por capítulos onde os militares tomam para si as rédeas do poder. No sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se viu compelido a demitir o comandante do Exército, Júlio César de Arruda, depois que este se negou a cumprir a determinação de suspender a promoção do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid para chefiar o 1º Batalhão de Ações de Comandos, uma “tropa de elite” da força terrestre.

Com o gesto, Lula deflagrou uma crise militar com apenas três semanas no poder.

Aliados do presidente observam que ele não poderia proceder de maneira distinta. No cargo de presidente da República, Lula exerce, por força constitucional, a função de comandante-em-chefe das Forças Armadas. Recusar uma determinação presidencial, como fez Arruda, é incorrer em quebra de hierarquia.

Para citar um capítulo mais recente da história, o presidente Fernando Henrique Cardoso se viu diante de dilema semelhante no segundo mandato. Ao abrir um novo capítulo da reabertura democrática, ele criou o Ministério da Defesa em 1999 para permitir que um civil representasse as Forças Armadas no primeiro escalão.

Mas o primeiro ministro da Defesa, Élcio Álvares, não completou um ano no cargo. Com quatro meses na função, entrou em rota de colisão com o comando da Aeronáutica. O então comandante da força, Walter Bräuer, perdeu o cargo no meio da crise. Mas sob pressão dos militares, FHC também teve que demitir o titular da Defesa dias depois.

A nomeação do general Tomás Ribeiro Paiva não vai colocar um ponto final na crise de Lula com os militares. Mas o ex-comandante Militar do Sudeste falou a língua do governo ao se comprometer com a democracia antes de ser escolhido para a função. Por isso, os sinais são promissores. “Nós vamos continuar íntegros, respeitosos, coesos e garantindo a democracia (...) Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna”, exortou o general Tomás em discurso para a tropa no dia 18.

Segundo o general Nélson de Melo, no depoimento à FGV, um erro que se atribuiu a Getúlio quando foi deposto pelos generais em 1945 foi o mesmo de Napoleão: “Pode-se fazer tudo com as baionetas, menos sentar-se sobre elas. E Getúlio sentou”, disse Melo.

O general alegou que o Exército não traiu o regime ao depor Getúlio porque eram os militares quem o sustentavam e o país exigia eleições. “O Exército não é democrata, é legalista, pela própria missão”, definiu.

Fica o alerta para Lula: não sentar sobre as baionetas.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Deixa essa estória de sentar na baioneta pro Mourão.
Fora a história familiar dele de golpismo, e na terra dele é moda, parece...

Anônimo disse...

Jubé, não seja inocente. O EB não é legalista. Ele é golpista.

Sabes porque o Lula exonerou o comandante do EB?
Respondo: porque o comandante insubordinou-se.
O co-man-dan-te.
Pazzuello foi legalista? Não.
O exército puniu o pazzuello adequadamente? Não.
O EB proibiu q terroristas planejassem terrorismo nas suas áreas? Não.
Onde o EB no caso yanomami? Nada. E nas urnas? Vergonha.
Etc.? Chega, né?

Como pode dizer q o EB, q as FA, são legalistas?

Escrever assim é fácil.
Sem compromisso com a verdade dos fatos é facílimo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Andrea Jubé entende do riscado.