Difícil, improvável, e além do mais desconforme com nossas tradições em matéria de campanhas eleitorais na medida em que não foi suportada pela presença de um programa de governo. Essa foi uma disputa presidencial em que o tema da economia, em sua acepção tradicional, passou ao largo dos holofotes. Na verdade, ela foi balizada pelos resultados das pesquisas eleitorais, tomando forma enquanto avançava, tendo como alicerces as políticas sociais do candidato Lula e suas pretéritas administrações. Com esse inusual procedimento, logo os temas dominantes foram se impondo, como o da pobreza, o da mulher e o das regiões desfavorecidas pelo capitalismo brasileiro e foram eles a pavimentar o caminho da apertada vitória eleitoral.
Nesse sentido, a campanha presidencial
assumiu o rumo inesperado de pôr em xeque as traves de sustentação da nossa
desastrada formação, assentada na exclusão, no patrimonialismo e no
patriarcalismo a que o governo Bolsonaro intentava por suas práticas conferir
permanência legítima, tal como explícito em suas intervenções sobre o mundo
agrário de favorecimento da monopolização da propriedade em detrimento do meio
ambiente, quando facultou a devastação da Amazônia, e na sua pregação em favor
da família tradicional sob chefia masculina.
Com essa orientação, derrotar no tempo
presente o seu governo se investia do significado de uma denúncia da
modernização autoritária que presidiu desde sempre o transcurso da nossa
história. Consciente ou não, a leitura dos resultados e dos seus efeitos
encontrou plena inteligibilidade na forma em que foi procedida nas comemorações
da vitória, especialmente nos atos de subida da rampa do palácio e na
transferência da faixa presidencial, com a participação dos excluídos, negros,
mulheres e indígenas, manifestações simbólicas referendadas na prática pela
composição dos ministérios com membros representativos de suas origens sociais.
Sem dúvida, é benfazejo esse acerto de
contas com o pesado legado do nosso passado, mas resta apresentar os rumos
novos para o desenvolvimento do país que tenha como norte a inovação do seu
sistema produtivo, principalmente nas atividades industriais. Para essa direção
não nos faltam centros de pesquisa científica e quadros qualificados capazes de
liderar nosso ingresso no mundo fechado dos países desenvolvidos, especialmente
se soubermos explorar as vantagens com que contamos na questão ambiental e na
área da saúde em que dispomos do SUS e de centros de excelência, como o
instituto Butantan e a Fiocruz.
Reativar a indústria e animar o mundo do
trabalho importa em reavivar o sindicalismo cujas lideranças devem ser alçadas
a posições fortes nas direções das empresas a que servem, a exemplo do que
ocorre na Alemanha. A valorização do trabalho e do trabalhador depende
igualmente de uma cultura que atente para essa dimensão chave no mundo
contemporâneo, contemplando em sua reflexão e na sua percepção sociológica do
mundo os problemas e os impasses com que ela se defronta na cena contemporânea,
afligida por mudanças em ritmo cada vez mais veloz.
Contamos para esses fins com um conjunto de
instituições tanto no ensino técnico, como o Sesi e o Senai, entre tantas
outras. Falta, no caso, uma agência de coordenação que atue segundo um plano
orientado para essa finalidade. Vale lembrar que, nos anos 1930, deixamos para
trás a primazia do mundo agrário e acessamos a indústria por meio de uma
política concertada que considerou múltiplas intervenções, inclusive as
culturais. Verdade que tal empreendimento, na época vitorioso, foi realizado
pela ação de um estado autoritário. Nada impede, porém, nessa hora em que
vicejam ideais democráticos, que se abra com inspirações novas um largo caminho
para a moderna indústria no país.
*Sociólogo, PUC-Rio
3 comentários:
Werneck Vianna, grande figura da intelectualidade democrática brasileira e sul-americana. Boa lembrança da retomada da organização sindical, fragilizada pela crise econômica e desemprego dos governos de Dilma, Temer e Bolsonaro.
Pena que o Werneck não falou sobre o que ele entende por moderna indústria. Lula já errou quanto a isso quando deu força a três "campeões nacionais": um açougueiro (Friboi), um pedreiro (Odebrecht) e os agiotas (banqueiros). Nós temos a Amazônia e a química do futuro é a do verde. A petroquímica já deu o que tinha que dar. A tal cloroquina do Dr Bolsonaro foi achada na Amazônia peruana. FHC, pra não dizer que só Lula cometeu burradas, vendeu para a multinacional farmacêutica Sanofi, dez mil micro-organismos diferentes colhidos na Amazônia, por 40 mil dólares. Um pesquisador disse em entrevista ao finado Jô Soares que na Amazônia só é bem recebido farmacêuticas estrangeiras. Quando o Brasil devia se apropriar da Amazônia sintetizar e registrar (patentear) todos os venenos amazônicos para vender para os gringos. O Brasil logo, logo entraria para o time do Primeiro Mundo. Além disso devia dar força às novas tecnologias de robótica, tecnologia 5G, tecnologia da informação, biotecnologia e por aí vai.
Fernando Carvalho sabe das coisas.
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