Folha de S. Paulo
Enquanto golpistas viram 'descontentes',
militares nem sequer são alvos de investigação
Antes o revisionismo histórico demorava um
bom tempo —uma, duas, cinco décadas?— para começar a ser divulgado. A ação hoje
é imediata. A história mal acabou de acontecer diante de nossos olhos e já tem
início sua reelaboração ou "ressignificação", para usar uma palavra
da moda.
Os golpistas do Oito de Janeiro não são golpistas. São jovens e velhos descontentes. A invasão das sedes dos três Poderes não foi uma etapa do golpe —combinada com a tentativa de explodir bombas no aeroporto de Brasília e de fazer bloqueios em rodovias e refinarias, a presença de fanáticos financiados e acampados na porta dos quartéis e a existência do documento de ruptura inconstitucional escondido no armário do ex-ministro da Justiça— e sim um movimento natural de quem não concordava com a eleição do novo governo e queria, apenas, expressar sua opinião.
Com tanta gente inocente, não haveria razão
para prender 1.420 patriotas em flagrante ou nas operações da Polícia Federal.
Tampouco a possibilidade de a Advocacia-Geral da União pedir a condenação
definitiva de 54 pessoas por sua participação na trama. Menos ainda
bloquear, a pedido da AGU, R$ 20,7 milhões de indivíduos, empresas e entidades
investigadas por financiar atos de vandalismo. Célere, a revisão histórica
classifica as decisões como revanchismo e abuso de poder.
Curioso é que os que têm influência de
verdade no poder dispensam as narrativas. Até agora nenhum membro das Forças
Armadas foi alvo de denúncias do Ministério Público ou de operações da PF,
embora oito militares da ativa lotados na Presidência durante o governo
Bolsonaro tenham se infiltrado nos acampamentos.
O ministro Francisco Joseli Parente Camelo,
futuro presidente do Superior Tribunal Militar, afirmou que atuará com
"toda a Justiça" caso receba processos envolvendo militares no Oito
de Janeiro. Aguardemos mais essa interpretação da história.
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