terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Jorge J. Okubaro* - O mundo real é maior do que a Selic

O Estado de S. Paulo.

O que deveria ocupar o centro das preocupações, e dos discursos, de Lula e de quem o apoia é que os problemas sociais voltaram a mostrar sua gravidade

A inflação de 0,53% em janeiro, que levou a alta acumulada de preços em 12 meses para 5,77%, foi puxada por alimentos e combustíveis. É uma variação muito alta. Problemas que nos assombraram há pouco podem estar voltando. Mas ninguém no governo parece estar preocupado com isso. Também não há preocupação com os sinais de desaceleração da economia, o que antecipa problemas de emprego e renda. Indicações mais sombrias sobre a economia mundial começam a esmaecer, mas é pouco para desenhar um cenário colorido. Intencionalmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está longe de ser um aprendiz em política, parece disposto a tornar ainda mais turvo um quadro preocupante com sua insistência, e sua veemência típica de palanque, em criticar o Banco Central (BC).

São críticas que agradam à base do PT, que nunca aceitou bem a ideia de autonomia do BC. Foi à sua base que Lula pareceu estar se dirigindo quando se referiu ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, como “esse sujeito”, ou quando citou a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) para afirmar que “é uma vergonha esse aumento de juros” (embora o Copom tivesse mantido inalterada a taxa básica Selic em 13,75% ao ano, que de fato é alta). A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi além ao dizer que Campos Neto está do lado do ex-presidente Jair Bolsonaro. Campos, de fato, deve ter votado no ex-presidente em outubro do ano passado e participou de grupos de conversa de ministros do governo anterior, o que, segundo Gleisi, mostrou que, ao tempo de Bolsonaro, não tinha autonomia nem independência política.

O fato de pesquisas regulares do BC com analistas financeiros de 130 instituições privadas balizarem algumas das mais importantes decisões de política monetária, sem que outras áreas do poder público e outros segmentos sociais sejam igualmente auscultados quanto a suas expectativas, talvez possa fortalecer argumentos de apoiadores de Lula de que a autoridade monetária só ouve o mercado financeiro. Críticas ácidas de operadores desse mercado a toda ação ou decisão do governo que não lhes agradem reforçam a resistência de apoiadores de Lula.

Campos, de fato, apoiou Bolsonaro. Mas o Banco Central, como instituição do Estado, não apoia candidatos nem pode fazer escolhas políticoeleitorais. Sua autonomia, tão criticada por Lula e por parte de seus apoiadores, tem justamente o objetivo de evitar que suas decisões venham a ser contaminadas por interferência política. E o combate à inflação – qualquer que seja a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional, no qual o governo tem maioria – destina-se a assegurar condições mais adequadas para que as decisões sobre investimentos sejam tomadas com mais segurança, ajudem a atividade econômica e gerem emprego. Inflação em alta, de sua parte, prejudica mais os pobres, os que menos podem se defender da aceleração dos preços.

E aqui, sim, está a questão que deveria ocupar o centro das preocupações, e dos discursos, de Lula e dos que o apoiam. Problemas sociais que estiveram no foco das atenções de gestões anteriores do PT, e que por isso registraram melhora expressiva naquele período, voltaram a mostrar sua gravidade. O País registra novamente altos índices de pobreza, de deficiência alimentar, de carência de atendimento em saúde, de mau desempenho escolar, de atraso nos programas de saneamento básico, de despreparo na formação de mão de obra capaz de enfrentar os novos desafios do mercado de trabalho, de perda de competitividade. Há mais de 1 milhão de brasileiros na fila esperando a aposentadoria. A indústria se esvai em crise, sem que, além de uma ou outra referência, o governo apresente diagnósticos ou propostas para enfrentar um dos problemas mais perturbadores para os que pensam na economia brasileira nos próximos anos. A reforma tributária precisa andar. E há muitas outras urgências.

Um mês e meio após sua posse, Lula tem um saldo favorável, que lhe assegura confiabilidade e preserva a confiança que milhões de brasileiros nele depositaram. A diversidade simbolizada nas pessoas que com ele subiram a rampa do Palácio do Planalto na sua posse é um retrato de seu governo. A derrota dos golpistas de 8 de janeiro e, no dia seguinte, a caminhada de Lula ao lado dos presidentes das duas Casas do Congresso, da presidente Rosa Weber e de outros ministros do Supremo Tribunal Federal e de mais de 20 governadores na Praça dos Três Poderes, de sua parte, demonstraram unidade institucional no repúdio aos ataques de bolsonaristas contra a democracia. A firme posição pessoal de Lula, seguida de ações concretas de seu governo, em defesa da população Yanomami deixou claro de que lado ele está e como sabe agir em emergências de natureza social.

Por que, nesse quadro, investir tão duramente contra o Banco Central e gerar turbulências? Isso não ajuda o País. Seu governo não pode ser só para petistas. Deve ser para todos os brasileiros.

*Jornalista, é autor, entre outros, do livro ‘O súdito (Banzai, Massateru!)’ (Editora Terceiro Nome)

Um comentário:

Anônimo disse...

Discordo, um país tão rico quanto o Brasil e tão desigual, o economista Lara Resende já alertou, em um artigo de semana passada.