Folha de S. Paulo
O Legislativo eleito em 2022 é
consideravelmente de direita, mas, felizmente para o governo Lula, também
bastante fisiologista
Até mesmo partidos que compõem formalmente
a base do PT neste governo —como PSD, MDB e Solidariedade—
votaram contrariamente ao PT ao longo dos últimos anos, conforme
revela matéria na Folha desta segunda. Ou seja, ainda
que estejam do lado do governo, não necessariamente votarão com ele em todas as
pautas; especialmente nas econômicas, que mais inspiram o temor de afundar o
Brasil numa nova crise como a de 2015.
Mesmo supondo —o que é bastante improvável— que essa base vote como um bloco coeso a favor do governo em todas as pautas, isso somaria apenas 223 votos, ou seja, nem mesmo o bastante para se aprovar um simples projeto de lei, que requer 257 votos. Isso para não falar de uma PEC, que exige três quintos da Câmara.
O Congresso
eleito em 2022 é consideravelmente de direita, com o PL tendo a
maior bancada. Felizmente para o governo, ele é também bastante fisiologista
—ou seja, negocia propostas com base em recursos e cargos para os partidos. E é
isso que o governo se dispõe a fazer.
Sabemos bem os termos dessa negociação, e
mesmo membros do PT não o escondem. O governo trabalha para liberar R$ 3
bilhões do Orçamento —decidido ano passado—, parte significativa dos
investimentos dos ministérios, para novos deputados. Bilhões de reais do
Orçamento federal indo para projetos espalhados pelo país, destinados a
prefeituras selecionadas por critérios puramente políticos, coalhados de
corrupção e mal planejados.
Esse tipo de negociação inspira os piores
sentimentos junto à população, mas cabe pontuar que há jeitos e jeitos de
levá-la adiante. O pior jeito é conseguir apoio de modo ilegal. Era o
caso do mensalão,
no primeiro governo Lula, em que deputados recebiam uma mesada
para votar com o governo. Próximo disso —muito maior em valores mas não
claramente ilegal— foi o orçamento secreto, proibido no finzinho do ano pelo
STF, em que dinheiro de emendas
era distribuído pelo país sem clareza sobre quem havia
direcionado o quê.
Outra pergunta é a finalidade dessa
negociação. Nos anos Bolsonaro, o orçamento secreto —bem como a entrega de
fundos bilionários e da Casa Civil— serviu basicamente para manter o governo
vivo, sem grandes avanços programáticos. No novo governo
Lula, é certo que a reforma tributária exigirá toda a dedicação
do governo neste primeiro ano. Se for bem-feita e aprovada, será uma conquista
real para o Brasil.
É ilusório pensar numa política desprovida
de interesses pessoais, partidários e de categorias sociais. Na verdade, a
democracia serve também como arena dos embates pelos recursos escassos —seja
dinheiro ou poder de decisão— entre diferentes grupos organizados. Em vez de
disputar na bala, usamos a palavra dentro das regras do jogo. A ambição é
regrada, e não suprimida.
Um partido, por exemplo, que, em nome de
votar pensando única e exclusivamente no bem comum e não em seu interesse
privado, abra mão de qualquer raciocínio fisiológico —que deixe, por exemplo,
de pleitear posições no governo—, logo estará limado das posições de
influência. E ao ficar sem influência, não terá a capacidade levar adiante a
agenda do bem comum pela qual luta.
O problema não é a existência da negociação
por recursos e cargos, e sim que ela exclua a discussão programática e que
sirva apenas aos participantes do jogo. Mudar esse equilíbrio entre
considerações fisiológicas e programáticas, contudo, está fora do escopo de
qualquer governo que enfrente um Congresso pulverizado. Podemos, se tanto,
fiscalizar para que ocorra dentro da lei e que tenha algum objetivo além do
próprio poder.
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