terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Raphael Di Cunto - Demora do governo alonga incertezas

Valor Econômico

Lua de mel será curta, mas Lula parece não perceber

Governo não é corrida de 100 metros, é maratona. Há três ou quatro anos para apresentar resultados. Isto posto, a velocidade de largada do governo Lula 3, e em especial a forma atabalhoada deste início, causam preocupação. Ministros escolhidos a dois dias da posse sem qualquer critério técnico, desorganização da base no Legislativo, cargos de chefia ainda a preencher depois de 45 dias de governo, falta de assertividade sobre o que é prioridade de fato na agenda e os ataques do presidente da República ao chefe do Banco Central são más notícias de um governo que, em sua terceira versão, se esperava mais experiente e gabaritado para enfrentar os desafios de gestão.

Um consultor que trabalha para investidores japoneses circulou em Brasília na semana passada para conversar com autoridades, estreitar laços e conhecer as possibilidades de negócios. Elogiou a reinserção do Brasil no cenário mundial e levou a mensagem de que há dinheiro e vontade de investir no país, mas também a preocupação com a falta de clareza sobre os rumos do novo governo, o que faz com que os interessados segurem aportes neste início de ano. “Terá reforma tributária, a gente não sabe qual é. O teto caiu, haverá uma nova regra fiscal. A gente não sabe qual é. O presidente da República briga com o presidente do Banco Central. Isso não é bom”, resumiu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tem agido para diminuir essas incertezas. Em uma semana, avisou que levará a privatização da Eletrobras à Justiça, intensificou os ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro do Trabalho, que é um de seus principais auxiliares, virou piada ao sugerir trocar o Uber pelos Correios. A agenda antipática ao setor privado assusta aqueles que o elegeram para afastar os riscos à democracia, mas esperavam que fosse cumprida a promessa de um governo mais ao centro, e coloca uma dúvida na cabeça de todos: a prioridade é melhorar o ambiente de negócios (reforma tributária, âncora fiscal e renegociação de dívidas) ou descontruir as políticas liberais recentes?

Com todo seu histórico de confusões e falta de articulação política, o governo Bolsonaro (PL) foi mais ágil para mostrar trabalho. O ex-presidente entregou a reforma da Previdência ao Congresso no dia 20 de fevereiro. A Câmara dos Deputados passou uma semana sem votar nada após reeleger Rodrigo Maia seu presidente, mas no dia 12 já se reunia para rejeitar medida provisória (MP) do governo Temer e aprovar projeto de lei com ações antiterrorismo.

O país terá se recuperado da ressaca de Carnaval antes de saber os detalhes da reforma tributária do governo Lula. O secretário Bernard Appy almoçou com parlamentares na quarta-feira e se limitou a explicar quais são as propostas de emenda constitucional (PECs) em debate no Congresso. Quis dar o protagonismo da discussão ao Legislativo, mas deixou frustrados os que foram na expectativa de soluções para entraves já conhecidos. O setor de serviços não parece satisfeito com o discurso de que pagar mais impostos será bom porque a economia crescerá mais e, no fim, mais pessoas terão dinheiro para irem à academia, terem plano de saúde ou colocarem o filho na escolha privada. Tampouco convence os prefeitos o argumento de que o ISS é ineficiente e precisa acabar.

O deputado Amom Mandel (Cidadania-AM), por exemplo, o questionou sobre como será resolvida a questão da Zona Franca de Manaus, extinta pelos projetos em debate. Ouviu que o governo está aberto a debater com a bancada do Amazonas as soluções. “Sabemos que não dá para fazer essa mudança do dia para a noite”, disse Appy. O parlamentar o abordou após o fim do evento, para marcar uma reunião, e em troca recebeu o contato de uma assessora do secretário e não do próprio.

Também ficará para março, depois da folia, a retomada dos trabalhos no Congresso. A base de sustentação do governo Lula é instável, longe do apoio de 320 deputados e 50 senadores desejado pelo Palácio do Planalto, e os presidentes da Câmara e Senado deram mais tempo para que o Executivo se organize antes da votação de projetos com alguma polêmica. Justiça seja feita, Lula largou em desvantagem em relação a Bolsonaro neste ponto porque o perfil direitista do Congresso era mais alinhado às pautas bolsonaristas do que às do PT.

Talvez seja exagerado cobrar do governo soluções e agenda positiva tão depressa. A tradição manda esperar 100 dias. O ambiente polarizado, a vitória apertada na eleição e o mundo imediatista das redes digitais, contudo, desautorizam que o governo dê a impressão de letargia ou se fie na reciclagem de programas antigos. Falta pressa. A lua de mel de Lula, se é que existirá, tende a ser mais curta do que no passado (e pode-se até culpar Bolsonaro por isso, que ele abandonou o governo logo após perder, “antecipou” a posse e deixou os petistas já ditando parte dos rumos do país desde novembro).

O desarranjo deste início de gestão, porém, admite críticas. Um mês e meio depois da posse, há secretarias, autarquias e empresas públicas sem chefia por disputa política, como a Secretaria Nacional de Habitação (em queda de braço dentro do próprio MDB) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). No terceiro escalão, servidores de carreira que trabalharam na gestão passada seguem nos cargos sem saber se continuarão e novos contratados não têm acesso nem ao e-mail funcional porque a nomeação não saiu no “Diário Oficial”. Já foram editadas quatro MPs diferentes para reestruturar os órgãos governamentais. Replicou-se ainda a péssima prática de escolher os ministros por composição política, sem exigir qualquer conhecimento das áreas em que vão atuar.

Lula repetiu à exaustão na campanha o mote de que queria voltar à Brasília para “fazer mais e melhor”, promessa que tinha o apelo de um ex-presidente que deixou o cargo com aprovação de mais de 80% dos brasileiros. O maior respeito às minorias, retomada da agenda de proteção do meio ambiente e a volta do Brasil à política internacional são boas medidas deste início de governo, mas insuficientes diante do risco de retração da economia no segundo semestre.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Tadinho do Lula...
Três vezes Presidente do Brasil (único) e não sabe o quê, quando ou como fazer...
Quem sabe tudo é o Raphael Di Cunto, do Valor Econômico, 'por supuesto'...
Vá te catar, ô!