Sem surpresas
Folha de S. Paulo
Pacheco e Lira vencem disputa, mas isso não
significa tranquilidade para Lula
Terminou sem surpresas a eleição para as
presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, com Arthur Lira (PP-AL) e
Rodrigo Pacheco (PSD-MG) reconduzidos aos respectivos postos de comando.
Prevaleceu o pragmatismo de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), que optou por uma estratégia de baixo risco. Escaldado com
fracassos do passado, o presidente da República abriu mão de apoiar
candidaturas petistas em ambas as Casas legislativas e aderiu aos dois
favoritos.
Por motivos distintos, contudo, o resultado
não garante a Lula vida tranquila no Congresso: não se dará de forma automática
a aprovação de pautas relevantes para o Executivo, assim como o presidente não
pode se considerar a salvo de surpresas oriundas do Legislativo.
Não que tenha sido uma vitória de Pirro.
Mas a reeleição de Pacheco, obtida por 49 a 32, mostra que subsiste no Senado
uma parcela expressiva interessada em atrapalhar os projetos do Planalto.
Sobretudo porque o segundo colocado, Rogério Marinho (PL-RN), apoiado pelo bolsonarismo, só não amealhou mais simpatizantes porque o governo Lula atuou para estancar a sangria, com tradicionais promessas de espaço —cargos e verbas— na administração.
Na Câmara, em contrapartida, a disputa não
demandou do Planalto nenhum tipo de intervenção. Lira alcançou
o placar recorde de 464 dos 508 votos registrados, superando com
folga seu próprio resultado anterior (302), ou o do famigerado Eduardo Cunha
(267) em 2015, à época no MDB-RJ.
Mas Lira, um dos melhores resumos da geleia
fisiológica conhecida como centrão, está longe de ter com o PT alguma afinidade
ideológica. Sua base, construída sobre os pilares das emendas ao Orçamento,
fala por si: começa entre os aliados de Lula e termina entre os do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nada há de confortável para Lula nesse
arranjo. No Senado, Pacheco somou a quantia exata de votos necessários para
aprovar uma proposta de emenda à Constituição; na Câmara, a maioria folgada de
Lira é antes dele do que do governo.
Se o Executivo quiser aprovar sua agenda no
Legislativo, precisará negociá-la —o que é bem-vindo, desde que os termos desse
acordo sejam republicanos.
Num gesto positivo, Lula telefonou a
Pacheco e Lira e os parabenizou pela vitória, enquanto os dois, em seus
discursos, admoestaram
os golpistas que depredaram Brasília. Essa cordialidade e o respeito
à democracia é o mínimo que se deseja dos chefes dos Poderes.
Espera-se agora que, com o início dos
trabalhos legislativos, o governo dê andamento a uma agenda que tem como
prioridades mais evidentes a reforma tributária e o controle da dívida pública.
Bola fora
Folha de S. Paulo
Não cabe à AGU tentar banir o jogador de
voleibol Wallace da profissão
Em suas redes sociais, o jogador de vôlei
Wallace de Souza promoveu "enquete" odiosa contra o presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Perguntou a seguidores se alguém
daria um tiro de espingarda no chefe do governo.
Além de ter sido uma brincadeira de péssimo
gosto, há quem argumente, não sem plausibilidade, que houve também incitação ao
crime, uma conduta punida pelo Código Penal com detenção de três a seis meses
ou multa.
Foi essa a interpretação da Advocacia-Geral
da União, que, não obstante
ter havido um pedido de desculpas do jogador e a retirada do conteúdo do ar,
fez representações contra Wallace à Confederação Brasileira de Vôlei e ao
Comitê Olímpico Brasileiro —este último já suspendeu o atleta das atividades
esportivas sob controle da entidade, de maneira preventiva.
Nas petições, a AGU requer
às entidades punições severas ao atleta, incluindo o seu banimento do esporte.
A advocacia pública também pede para atuar como parte num dos procedimentos.
Se Wallace fosse um servidor público lotado
em órgão federal, haveria pouco estranhamento na atuação de advogados do Estado
num processo administrativo com vista a sua expulsão da carreira. Mas a situação
é bem outra.
O jogador é um profissional do setor
privado, assim como privados são o comitê e a confederação nas quais a
advocacia pública da União pretende se meter.
O Executivo federal deveria se abster de
usar o seu enorme poderio de pressão e influência em questões que competem a
organizações da sociedade. Colocar tamanha carga para impedir que um indivíduo
continue a exercer sua profissão desequilibra profundamente o processo, que
deveria supor paridade de forças.
Imagine-se o risco de retaliações —de
devassas do Fisco a discriminação na distribuição de apoios federais— que essas
entidades correrão se contrariarem a vontade do Palácio do Planalto.
O governo, ao contrário da Justiça, não é
um Poder neutro. É por natureza conduzido por interesses político-partidários e
não tem a obrigação de ser imparcial em seus julgamentos e ações.
A AGU —que sob Jair Bolsonaro (PL) também
foi usada para defender o então presidente, em casos como o que envolvia sua
ex-funcionária Wal do Açaí— deve conter o ímpeto punitivista na reação a
ataques ao mandatário.
Lula não mede palavras, mas deveria
O Estado de S. Paulo.
Em entrevista, Lula lançou mão de
generalizações, simplismos e inferências levianas como se estivesse sentado
numa mesa de bar, e não na cadeira mais relevante para os destinos do País
Sem incorrer em crime, um cidadão comum
pode falar o que bem entender sobre o que bem entender, um militante pode
lançar acusações hiperbólicas, um político de oposição pode propor medidas das
mais extravagantes. Já um chefe de Estado precisa medir suas palavras, sob o
risco de precipitar agitações no mínimo contraproducentes nos mercados, nas
arenas políticas e no debate público. Mas o presidente Lula não tem pruridos em
colocar seu ego acima do cargo que ocupa. Em entrevista à RedeTV!, Lula
especulou sobre política como se estivesse numa bancada de oposição; sobre
economia como se estivesse numa assembleia sindical; sobre geopolítica como se
estivesse numa conversa de bar; e, claro, sobre eleições como se estivesse no
palanque.
Para não perder a viagem, começou repetindo
vacuidades sobre a “paz” na Ucrânia, insinuando mais uma vez uma equiparação
torpe entre a vítima e seu algoz. Sobre Cuba e Venezuela, tudo se passa como se
a única causa da miséria e da opressão que fustigam seus povos fossem os
embargos dos EUA. Não é que Lula critique esses bloqueios por serem ineficazes
para debilitar ditaduras. Para ele, simplesmente não há ditaduras: “O Fidel
Castro já morreu, Raúl Castro já fez a transição tranquilamente para o civil”.
A propósito, Lula desmereceu, como
ignorância ou má-fé, a desconfiança em relação à retomada dos empréstimos do
BNDES para obras em países companheiros. Recentemente, a propaganda governista
veio a público dizer que o BNDES não financia outros países e que não há risco
de prejuízo. De fato, os contratos são celebrados com empresas brasileiras e o
banco tem garantias. Mas, como os produtos são entregues a outros países e as
garantias, ao menos nos projetos encampados pela gestão petista, ficaram todas
na conta do Tesouro, quando há calote, como houve de Cuba ou Venezuela, o banco
é ressarcido com dinheiro do contribuinte.
Lula não só voltou a falar em termos
maniqueístas da relação entre Estado e mercado, como usou o caso das Americanas
para maldizer investidores que, com razão, manifestam apreensão com o futuro
ante a perspectiva de gastança lulopetista. Depois de acusar um dos sócios das
Americanas de fraude, algo que ainda é objeto de investigação, Lula disse que
esse empresário “jogou fora R$ 40 bilhões de uma empresa” ao mesmo tempo que o
mercado “fica muito nervoso” quando se fala em “melhorar a vida dos pobres”. É
impressionante a capacidade de Lula de juntar alhos e bugalhos para justificar
sua demagogia.
Como se suas palavras não afetassem as
expectativas de todo o País, Lula voltou a atacar o Banco Central por ter
mantido a taxa de juros em 13,75% e, cúmulo da irresponsabilidade, tornou a
questionar a autonomia do BC. Disse que vai esperar o fim do mandato “desse
cidadão”, referindo-se ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, para “fazer
uma avaliação do que significou o Banco Central independente”.
Antes Lula tivesse se limitado a reiterar
que o impeachment constitucional de Dilma Rousseff foi um “golpe”, pois, a esta
altura, os brasileiros já se acostumaram à tentativa lulopetista de reescrever
a história, agora que Lula voltou ao poder. Mas Lula não resistiu, na
entrevista, a flertar com a heterodoxia econômica em nome da salvação nacional
– e isso sim preocupa.
Primeiro, Lula afetou escândalo com o fato
de que um país que já foi a sexta economia do mundo tenha despencado para fora
do grupo das dez, como se as políticas econômicas gestadas em seu governo e
consumadas por sua criatura Dilma Rousseff não tivessem nada a ver com a pior
recessão da história recente do Brasil. Depois, voltou a recorrer, sem matizes,
ao expediente da herança maldita do governo anterior, apesar dos indicadores
razoáveis.
Por fim, mas não menos significativo, Lula
da Silva foi imprudente a ponto de, com menos de um mês no cargo, admitir que é
candidato à reeleição. Lula parece gostar de ouvir a própria voz falando sobre
sua suposta indispensabilidade e sugeriu que pode concorrer se a situação
estiver “delicada”. Ou seja, Lula já se apresenta como salvador da pátria. Ora,
se depois de quatro anos de Lula a pátria precisar ser salva, não será por
Lula.
Bolsonaro deve explicações
O Estado de S. Paulo.
Multiplicam-se os indícios de que
bolsonaristas tramavam para tentar impedir a posse de Lula; o ex-presidente
precisa esclarecer qual foi seu papel nessas conspirações extravagantes
O ex-presidente Jair Bolsonaro deve muitas
explicações ao País. E antes fossem apenas, digamos assim, sobre a natureza de
sua ligação com milicianos do Rio de Janeiro, a prática de “rachadinha” nos
gabinetes parlamentares do clã Bolsonaro, a compra de dezenas de imóveis em
dinheiro vivo, o pagamento de contas pessoais de alguns de seus familiares com
o cartão corporativo da Presidência da República e o abuso de poder político e
econômico para tentar se reeleger.
Após sua derrota nas urnas, têm surgido
indícios aos borbotões de que Bolsonaro estaria no centro de uma conspirata
para impedir a diplomação e posse de seu adversário na eleição, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Tratase de suspeita muito grave, sobre a qual
Bolsonaro não pode se furtar a prestar os devidos esclarecimentos.
O País precisa saber se houve participação
do ex-presidente da República, direta ou indireta, na preparação e execução do
assalto às sedes dos Poderes em Brasília, no infame dia 8 de janeiro. Não resta
a menor dúvida de que a razia promovida pelos golpistas foi realizada em nome
de Bolsonaro, mas é preciso apurar o seu grau de responsabilidade por aquele
desfecho trágico. Algum há, é evidente. Bolsonaro sempre estimulou a reação
agressiva de seus apoiadores a todo e qualquer revés político e jurídico, tal
como ele sempre fez ao longo de quase 30 anos de vida parlamentar.
O País também precisa saber qual é a
relação de Bolsonaro com a infame “minuta do golpe” – o rascunho de um decreto
que punha o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob intervenção para mudar o
resultado da eleição presidencial. Esse documento foi encontrado pela Polícia
Federal na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça e homem de
confiança de Bolsonaro. Ademais, se é verdade que havia cópias de documentos
desse tipo “na casa de todo mundo”, como disse candidamente Valdemar Costa Neto,
chefão do PL, partido de Bolsonaro, é lícito inferir que o ex-presidente tinha,
no mínimo, conhecimento da urdidura.
Por fim, o País precisa saber qual foi o
papel de Bolsonaro na preparação de um plano mambembe – mas não menos grave por
isso – para induzir o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, a dizer
que, em algumas decisões, “extrapolou as linhas da Constituição”, gravá-lo
sorrateiramente e, pasme o leitor, levar à sua prisão e suspeição, o que, no
delírio dos que conceberam tal plano, anularia o resultado da eleição
presidencial de 2022 e manteria Bolsonaro no cargo.
Fruto de uma das mais perigosas
combinações, burrice com audácia, o plano mirabolante acaba de ser trazido a
público pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES). Do Val disse, primeiro, que
teria sido “coagido” por Bolsonaro a participar do complô; depois de conversar
com o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, passou a atribuir a
autoria do plano ao notório ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), agora preso
por violar medidas cautelares determinadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Em se tratando de um senador da República,
é lamentável constatar, mas a palavra de Marcos do Val não vale o papel em que
está escrita. O parlamentar já apresentou, num intervalo de poucas horas, ao
menos três versões diferentes para um mesmo fato. De qualquer modo, o senador
Flávio Bolsonaro já admitiu, da tribuna do Senado, que o pai se reuniu com
Marcos do Val e com Daniel Silveira em meados de dezembro, no Palácio da
Alvorada, mas, segundo ele, nenhuma atividade criminosa teria sido discutida na
ocasião. Sobre o que, então, conversaram?
Antes mesmo de terminar o mandato,
Bolsonaro refugiou-se na Flórida, decerto acreditando que essa espécie de
exílio autoimposto o livraria, ao menos por ora, de prestar esclarecimentos às
autoridades brasileiras sobre os muitos malfeitos durante seu governo e, agora,
sobre seu suposto envolvimento em conchavos para subverter o resultado da
eleição. Em nome da moralidade pública, está na hora de Bolsonaro ser ouvido
pela polícia. Até para negar, se for o caso, as graves suspeitas que pairam
sobre ele.
Bom senso venceu o preconceito
O Estado de S. Paulo.
Tarcísio sobrepõe o interesse público ao
obscurantismo ao garantir acesso a remédios à base de canabidiol
O governador Tarcísio Gomes de Freitas
(Republicanos) tomou a decisão correta ao sancionar, com vetos que não
alteraram sua essência, a Lei no 17.618/23, que institui a política de
fornecimento de medicamentos à base de canabidiol pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) em São Paulo. O projeto, de autoria do deputado Caio França (PSB), havia
sido aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no dia 13 de
janeiro.
O uso medicinal do canabidiol, uma das
substâncias extraídas da Cannabis sativa, é cercado de preconceito e
desinformação. Por erro ou má-fé, muitos ainda associam a liberação do
canabidiol à descriminalização da maconha, droga cuja produção, tráfico e
consumo são proibidos por lei no País. Uma coisa não tem nada a ver com a
outra. Malgrado serem derivadas da mesma planta, as substâncias têm ações
totalmente diferentes no organismo.
Os benefícios do canabidiol para a saúde e
o bem-estar de pessoas acometidas pelo transtorno do espectro autista, por
Parkinson, Alzheimer, epilepsia e algumas doenças raras são cientificamente
comprovados. E há um bom tempo. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) já aprovou a comercialização, mediante apresentação de
receita, de cerca de 20 produtos à base de canabidiol.
O custo elevado do tratamento, no entanto,
impede que muitas famílias tenham acesso aos medicamentos que contêm canabidiol
em sua formulação. Não raro elas acorrem à Justiça para obtê-los. Isso gera
desigualdade entre os cidadãos, pois muitos nem sequer sabem como procurar seus
direitos, e impõe custos imprevisíveis à administração pública, que se vê
obrigada a fornecer os medicamentos à medida que é intimada por decisões
judiciais, sem qualquer planejamento.
Tarcísio de Freitas contribuiu para a
resolução dos dois problemas ao assegurar a todos os paulistas que precisam de
medicamentos à base de canabidiol o acesso por meio do SUS. Em parceria com a
Assembleia paulista e com o Ministério da Saúde, nos casos cabíveis, deve agora
dotar a Secretaria Estadual da Saúde dos recursos financeiros necessários ao
fornecimento desses medicamentos.
O governador paulista teve o bom senso de
sobrepor o interesse público e o conhecimento científico às mentiras e
mistificações que impedem uma compreensão mais ampla dos benefícios do
canabidiol. Trata-se de uma questão rigorosamente técnica, não moral,
ideológica ou religiosa. Muitas abordagens equivocadas do tema servem mais a
propósitos políticos de ocasião do que ao “resguardo da família”, como, em
geral, apregoam muitos dos que se põem contrários à liberação do fármaco. É o
exato oposto.
Na cerimônia de sanção da lei, na qual
estiveram presentes, além de autoridades estaduais, muitos pacientes e
familiares que serão beneficiados pela vitória do bom senso sobre o
obscurantismo, Tarcísio de Freitas se emocionou ao falar de sua experiência
familiar com o canabidiol. Um sobrinho do governador, com síndrome de Dravet,
melhorou sua qualidade de vida depois de começar o tratamento com a substância.
A realidade se impõe.
Mudança na Lei das Estatais é inoportuna
O Globo
Governo e parlamentares de todas as cores
ideológicas querem afrouxar exigências que inibem uso político
Mesmo que o governo tenha conseguido seus
objetivos imediatos — nomear Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES e
aprovar o nome do ex-senador petista Jean Paul Prates para presidir a Petrobras
—, PT e aliados não desistiram de alterar a Lei das Estatais, aprovada em 2016
para impedir o uso político das empresas públicas. O movimento une
parlamentares de todos os matizes ideológicos, da esquerda à direita, passando
naturalmente pelo Centrão.
Se tiverem êxito, haverá um retrocesso na
governança dessas empresas, que perderão valor e poderão voltar a ser
instrumentos de barganha política, como no passado. A lei não surgiu do nada.
Decorreu da constatação de que o aparelhamento de conselhos administrativos e
diretorias de estatais representa um ônus para a sociedade, forçada a arcar com
os custos de empresas mal administradas, seja por incompetência, seja pela
má-fé de gestões corrompidas. Caso as mudanças prosperem, o mais prejudicado
com o retrocesso será o principal acionista das estatais: o Tesouro Nacional.
A Lei das Estatais impõe requisitos a seus
dirigentes que não agradaram ao meio político, antes acostumado a usar seus
cargos como “boquinhas” para os apaniguados do poder. Exige dos indicados
formação acadêmica compatível com os cargos e dez anos de experiência no setor
público ou privado na área de atuação da estatal — nada diferente das melhores
empresas do mercado.
A exigência que os parlamentares mais
querem remover da lei é a quarentena de 36 meses, cumprida por indicados a
assentos no conselho e na diretoria de estatais que tenham feito parte da
“estrutura decisória de partidos políticos” ou trabalhado na “organização,
estruturação e realização de campanha eleitoral”. Era um empecilho evidente à
nomeação de Mercadante e Prates, que tiveram destaque na campanha de Lula (o
primeiro foi o coordenador).
Depois de anunciada a escolha, o
vice-presidente Geraldo Alckmin encaminhou consulta ao Tribunal de Contas na
União (TCU) argumentando que Mercadante coordenou a campanha “de forma
voluntária”. O relator, ministro Vital do Rêgo, deu parecer favorável a Mercadante,
e o mesmo entendimento valeu para Prates. Reeleito senador, Prates renunciou ao
mandato e se desfez de participações societárias que configurariam conflitos de
interesse, para assumir a Petrobras formalmente depois da assembleia de
acionistas em abril. Mas ter ocupado BNDES e Petrobras não deu tranquilidade ao
Planalto e à classe política. Nem governo nem oposição querem conviver com
interpretações da lei que possam prejudicar a barganha de cargos na máquina
pública em troca de apoio.
Em dezembro, com o governo Jair Bolsonaro
inerte, a Câmara aprovou em tempo recorde um projeto sob medida. Relatado por
Margarete Coelho (PP-PI), aliada do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL),
ele reduz a quarentena exigida pela lei de 36 meses para apenas 30 dias. Pelo
projeto, a regra valerá também para as agências reguladoras. Na prática, seria
o fim da quarentena para indicações de políticos.
O projeto está parado no Senado, enquanto a
Casa Civil e a Advocacia-Geral da União (AGU) analisam uma proposta mais ampla
de alterações na lei. Qualquer mudança na Lei das Estatais é desnecessária e
seria prejudicial ao país. Os parlamentares têm o dever de abortar a
iniciativa.
Sucessão de acidentes de ônibus não pode
ser considerada normal
O Globo
Maior demanda por transporte rodoviário
deveria significar mais fiscalização e infraestrutura melhor
Em apenas três dias nesta semana, três
ônibus se envolveram em acidentes graves nas rodovias brasileiras, deixando
pelo menos 11 passageiros mortos e 77 feridos. Não é normal tal sucessão de
tragédias. É preciso investigar os acidentes para conhecer suas causas, mas já
ficou claro que algo não vai bem.
Na madrugada da última terça-feira, no
Paraná, um veículo de dois andares da Viação Catarinense, que partira de
Florianópolis (SC) com destino a Foz do Iguaçu (PR), tombou numa ribanceira
depois de sair da pista da BR-277. Morreram sete passageiros, entre eles uma
criança argentina e sua mãe, e 22 ficaram feridos. As circunstâncias ainda
estão sendo apuradas.
Um dia antes, tragédia semelhante comoveu o
país. Na madrugada de segunda, um ônibus da LG Turismo que transportava o time
de futebol da base do Vila Maria Helena, de Duque de Caxias (RJ), despencou de
uma ponte de dez metros de altura na BR-116, perto de Além Paraíba (MG).
Morreram três adolescentes e um adulto, e 29 ficaram feridos, alguns em estado
grave.
Embora as causas do acidente ainda estejam
em investigação, o pai de um dos garotos mortos disse que o veículo apresentara
problemas já antes da viagem de ida. “Falaram que só podia botar para circular
à noite”, disse ao portal g1. Um dos sobreviventes contou que o condutor
“estava correndo muito em todas as curvas”. A empresa alegou que a viagem
estava registrada na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Na madrugada de domingo, um ônibus de
turismo tombou na Serra de Petrópolis, deixando 26 passageiros feridos, dois em
estado grave. O veículo saíra de Juiz de Fora (MG) e rumava para a praia de
Grumari, no Rio. O motorista alegou que o ônibus perdera o freio.
Quem compra uma passagem ou freta um ônibus
confia em que chegará a seu destino. Não cabe ao passageiro inspecionar a
conservação e segurança dos veículos, questionar se os condutores estão
habilitados, se fazem jornadas excessivas, se tomam drogas proibidas para se
manter acordados ou se a empresa tem permissão dos órgãos competentes para
transportar passageiros. Isso é papel das autoridades, que têm obrigação de
fiscalizar.
Nos últimos anos, o preço alto das
passagens aéreas incentivou o transporte rodoviário, especialmente para
deslocamentos de média distância. Muita gente trocou o avião pelo ônibus. A
maior demanda deveria ser acompanhada por melhoria na infraestrutura e na
fiscalização. Estradas malconservadas e mal sinalizadas são uma realidade, mas
não são as únicas responsáveis. Profissionais mal treinados, imprudentes,
ônibus sem condição de rodar e empresas que desprezam as regras mínimas de
segurança são um risco constante.
ANTT e Polícia Rodoviária Federal (PRF) precisam se dar conta dessa realidade e melhorar urgentemente a fiscalização dos veículos, em especial nos horários de menor movimento, para que as viagens cumpram seu papel óbvio: levar o passageiro, em segurança, até seu destino.
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