sábado, 4 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Sem surpresas

Folha de S. Paulo

Pacheco e Lira vencem disputa, mas isso não significa tranquilidade para Lula

Terminou sem surpresas a eleição para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, com Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) reconduzidos aos respectivos postos de comando.

Prevaleceu o pragmatismo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que optou por uma estratégia de baixo risco. Escaldado com fracassos do passado, o presidente da República abriu mão de apoiar candidaturas petistas em ambas as Casas legislativas e aderiu aos dois favoritos.

Por motivos distintos, contudo, o resultado não garante a Lula vida tranquila no Congresso: não se dará de forma automática a aprovação de pautas relevantes para o Executivo, assim como o presidente não pode se considerar a salvo de surpresas oriundas do Legislativo.

Não que tenha sido uma vitória de Pirro. Mas a reeleição de Pacheco, obtida por 49 a 32, mostra que subsiste no Senado uma parcela expressiva interessada em atrapalhar os projetos do Planalto.

Sobretudo porque o segundo colocado, Rogério Marinho (PL-RN), apoiado pelo bolsonarismo, só não amealhou mais simpatizantes porque o governo Lula atuou para estancar a sangria, com tradicionais promessas de espaço —cargos e verbas— na administração.

Na Câmara, em contrapartida, a disputa não demandou do Planalto nenhum tipo de intervenção. Lira alcançou o placar recorde de 464 dos 508 votos registrados, superando com folga seu próprio resultado anterior (302), ou o do famigerado Eduardo Cunha (267) em 2015, à época no MDB-RJ.

Mas Lira, um dos melhores resumos da geleia fisiológica conhecida como centrão, está longe de ter com o PT alguma afinidade ideológica. Sua base, construída sobre os pilares das emendas ao Orçamento, fala por si: começa entre os aliados de Lula e termina entre os do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Nada há de confortável para Lula nesse arranjo. No Senado, Pacheco somou a quantia exata de votos necessários para aprovar uma proposta de emenda à Constituição; na Câmara, a maioria folgada de Lira é antes dele do que do governo.

Se o Executivo quiser aprovar sua agenda no Legislativo, precisará negociá-la —o que é bem-vindo, desde que os termos desse acordo sejam republicanos.

Num gesto positivo, Lula telefonou a Pacheco e Lira e os parabenizou pela vitória, enquanto os dois, em seus discursos, admoestaram os golpistas que depredaram Brasília. Essa cordialidade e o respeito à democracia é o mínimo que se deseja dos chefes dos Poderes.

Espera-se agora que, com o início dos trabalhos legislativos, o governo dê andamento a uma agenda que tem como prioridades mais evidentes a reforma tributária e o controle da dívida pública.

Bola fora

Folha de S. Paulo

Não cabe à AGU tentar banir o jogador de voleibol Wallace da profissão

Em suas redes sociais, o jogador de vôlei Wallace de Souza promoveu "enquete" odiosa contra o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Perguntou a seguidores se alguém daria um tiro de espingarda no chefe do governo.

Além de ter sido uma brincadeira de péssimo gosto, há quem argumente, não sem plausibilidade, que houve também incitação ao crime, uma conduta punida pelo Código Penal com detenção de três a seis meses ou multa.

Foi essa a interpretação da Advocacia-Geral da União, que, não obstante ter havido um pedido de desculpas do jogador e a retirada do conteúdo do ar, fez representações contra Wallace à Confederação Brasileira de Vôlei e ao Comitê Olímpico Brasileiro —este último já suspendeu o atleta das atividades esportivas sob controle da entidade, de maneira preventiva.

Nas petições, a AGU requer às entidades punições severas ao atleta, incluindo o seu banimento do esporte. A advocacia pública também pede para atuar como parte num dos procedimentos.

Se Wallace fosse um servidor público lotado em órgão federal, haveria pouco estranhamento na atuação de advogados do Estado num processo administrativo com vista a sua expulsão da carreira. Mas a situação é bem outra.

O jogador é um profissional do setor privado, assim como privados são o comitê e a confederação nas quais a advocacia pública da União pretende se meter.

O Executivo federal deveria se abster de usar o seu enorme poderio de pressão e influência em questões que competem a organizações da sociedade. Colocar tamanha carga para impedir que um indivíduo continue a exercer sua profissão desequilibra profundamente o processo, que deveria supor paridade de forças.

Imagine-se o risco de retaliações —de devassas do Fisco a discriminação na distribuição de apoios federais— que essas entidades correrão se contrariarem a vontade do Palácio do Planalto.

O governo, ao contrário da Justiça, não é um Poder neutro. É por natureza conduzido por interesses político-partidários e não tem a obrigação de ser imparcial em seus julgamentos e ações.

A AGU —que sob Jair Bolsonaro (PL) também foi usada para defender o então presidente, em casos como o que envolvia sua ex-funcionária Wal do Açaí— deve conter o ímpeto punitivista na reação a ataques ao mandatário.

Lula não mede palavras, mas deveria

O Estado de S. Paulo.

Em entrevista, Lula lançou mão de generalizações, simplismos e inferências levianas como se estivesse sentado numa mesa de bar, e não na cadeira mais relevante para os destinos do País

Sem incorrer em crime, um cidadão comum pode falar o que bem entender sobre o que bem entender, um militante pode lançar acusações hiperbólicas, um político de oposição pode propor medidas das mais extravagantes. Já um chefe de Estado precisa medir suas palavras, sob o risco de precipitar agitações no mínimo contraproducentes nos mercados, nas arenas políticas e no debate público. Mas o presidente Lula não tem pruridos em colocar seu ego acima do cargo que ocupa. Em entrevista à RedeTV!, Lula especulou sobre política como se estivesse numa bancada de oposição; sobre economia como se estivesse numa assembleia sindical; sobre geopolítica como se estivesse numa conversa de bar; e, claro, sobre eleições como se estivesse no palanque.

Para não perder a viagem, começou repetindo vacuidades sobre a “paz” na Ucrânia, insinuando mais uma vez uma equiparação torpe entre a vítima e seu algoz. Sobre Cuba e Venezuela, tudo se passa como se a única causa da miséria e da opressão que fustigam seus povos fossem os embargos dos EUA. Não é que Lula critique esses bloqueios por serem ineficazes para debilitar ditaduras. Para ele, simplesmente não há ditaduras: “O Fidel Castro já morreu, Raúl Castro já fez a transição tranquilamente para o civil”.

A propósito, Lula desmereceu, como ignorância ou má-fé, a desconfiança em relação à retomada dos empréstimos do BNDES para obras em países companheiros. Recentemente, a propaganda governista veio a público dizer que o BNDES não financia outros países e que não há risco de prejuízo. De fato, os contratos são celebrados com empresas brasileiras e o banco tem garantias. Mas, como os produtos são entregues a outros países e as garantias, ao menos nos projetos encampados pela gestão petista, ficaram todas na conta do Tesouro, quando há calote, como houve de Cuba ou Venezuela, o banco é ressarcido com dinheiro do contribuinte.

Lula não só voltou a falar em termos maniqueístas da relação entre Estado e mercado, como usou o caso das Americanas para maldizer investidores que, com razão, manifestam apreensão com o futuro ante a perspectiva de gastança lulopetista. Depois de acusar um dos sócios das Americanas de fraude, algo que ainda é objeto de investigação, Lula disse que esse empresário “jogou fora R$ 40 bilhões de uma empresa” ao mesmo tempo que o mercado “fica muito nervoso” quando se fala em “melhorar a vida dos pobres”. É impressionante a capacidade de Lula de juntar alhos e bugalhos para justificar sua demagogia.

Como se suas palavras não afetassem as expectativas de todo o País, Lula voltou a atacar o Banco Central por ter mantido a taxa de juros em 13,75% e, cúmulo da irresponsabilidade, tornou a questionar a autonomia do BC. Disse que vai esperar o fim do mandato “desse cidadão”, referindo-se ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, para “fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”.

Antes Lula tivesse se limitado a reiterar que o impeachment constitucional de Dilma Rousseff foi um “golpe”, pois, a esta altura, os brasileiros já se acostumaram à tentativa lulopetista de reescrever a história, agora que Lula voltou ao poder. Mas Lula não resistiu, na entrevista, a flertar com a heterodoxia econômica em nome da salvação nacional – e isso sim preocupa.

Primeiro, Lula afetou escândalo com o fato de que um país que já foi a sexta economia do mundo tenha despencado para fora do grupo das dez, como se as políticas econômicas gestadas em seu governo e consumadas por sua criatura Dilma Rousseff não tivessem nada a ver com a pior recessão da história recente do Brasil. Depois, voltou a recorrer, sem matizes, ao expediente da herança maldita do governo anterior, apesar dos indicadores razoáveis.

Por fim, mas não menos significativo, Lula da Silva foi imprudente a ponto de, com menos de um mês no cargo, admitir que é candidato à reeleição. Lula parece gostar de ouvir a própria voz falando sobre sua suposta indispensabilidade e sugeriu que pode concorrer se a situação estiver “delicada”. Ou seja, Lula já se apresenta como salvador da pátria. Ora, se depois de quatro anos de Lula a pátria precisar ser salva, não será por Lula.

Bolsonaro deve explicações

O Estado de S. Paulo.

Multiplicam-se os indícios de que bolsonaristas tramavam para tentar impedir a posse de Lula; o ex-presidente precisa esclarecer qual foi seu papel nessas conspirações extravagantes

O ex-presidente Jair Bolsonaro deve muitas explicações ao País. E antes fossem apenas, digamos assim, sobre a natureza de sua ligação com milicianos do Rio de Janeiro, a prática de “rachadinha” nos gabinetes parlamentares do clã Bolsonaro, a compra de dezenas de imóveis em dinheiro vivo, o pagamento de contas pessoais de alguns de seus familiares com o cartão corporativo da Presidência da República e o abuso de poder político e econômico para tentar se reeleger.

Após sua derrota nas urnas, têm surgido indícios aos borbotões de que Bolsonaro estaria no centro de uma conspirata para impedir a diplomação e posse de seu adversário na eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tratase de suspeita muito grave, sobre a qual Bolsonaro não pode se furtar a prestar os devidos esclarecimentos.

O País precisa saber se houve participação do ex-presidente da República, direta ou indireta, na preparação e execução do assalto às sedes dos Poderes em Brasília, no infame dia 8 de janeiro. Não resta a menor dúvida de que a razia promovida pelos golpistas foi realizada em nome de Bolsonaro, mas é preciso apurar o seu grau de responsabilidade por aquele desfecho trágico. Algum há, é evidente. Bolsonaro sempre estimulou a reação agressiva de seus apoiadores a todo e qualquer revés político e jurídico, tal como ele sempre fez ao longo de quase 30 anos de vida parlamentar.

O País também precisa saber qual é a relação de Bolsonaro com a infame “minuta do golpe” – o rascunho de um decreto que punha o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob intervenção para mudar o resultado da eleição presidencial. Esse documento foi encontrado pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça e homem de confiança de Bolsonaro. Ademais, se é verdade que havia cópias de documentos desse tipo “na casa de todo mundo”, como disse candidamente Valdemar Costa Neto, chefão do PL, partido de Bolsonaro, é lícito inferir que o ex-presidente tinha, no mínimo, conhecimento da urdidura.

Por fim, o País precisa saber qual foi o papel de Bolsonaro na preparação de um plano mambembe – mas não menos grave por isso – para induzir o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, a dizer que, em algumas decisões, “extrapolou as linhas da Constituição”, gravá-lo sorrateiramente e, pasme o leitor, levar à sua prisão e suspeição, o que, no delírio dos que conceberam tal plano, anularia o resultado da eleição presidencial de 2022 e manteria Bolsonaro no cargo.

Fruto de uma das mais perigosas combinações, burrice com audácia, o plano mirabolante acaba de ser trazido a público pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES). Do Val disse, primeiro, que teria sido “coagido” por Bolsonaro a participar do complô; depois de conversar com o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, passou a atribuir a autoria do plano ao notório ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), agora preso por violar medidas cautelares determinadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Em se tratando de um senador da República, é lamentável constatar, mas a palavra de Marcos do Val não vale o papel em que está escrita. O parlamentar já apresentou, num intervalo de poucas horas, ao menos três versões diferentes para um mesmo fato. De qualquer modo, o senador Flávio Bolsonaro já admitiu, da tribuna do Senado, que o pai se reuniu com Marcos do Val e com Daniel Silveira em meados de dezembro, no Palácio da Alvorada, mas, segundo ele, nenhuma atividade criminosa teria sido discutida na ocasião. Sobre o que, então, conversaram?

Antes mesmo de terminar o mandato, Bolsonaro refugiou-se na Flórida, decerto acreditando que essa espécie de exílio autoimposto o livraria, ao menos por ora, de prestar esclarecimentos às autoridades brasileiras sobre os muitos malfeitos durante seu governo e, agora, sobre seu suposto envolvimento em conchavos para subverter o resultado da eleição. Em nome da moralidade pública, está na hora de Bolsonaro ser ouvido pela polícia. Até para negar, se for o caso, as graves suspeitas que pairam sobre ele.

Bom senso venceu o preconceito

O Estado de S. Paulo.

Tarcísio sobrepõe o interesse público ao obscurantismo ao garantir acesso a remédios à base de canabidiol

O governador Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) tomou a decisão correta ao sancionar, com vetos que não alteraram sua essência, a Lei no 17.618/23, que institui a política de fornecimento de medicamentos à base de canabidiol pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo. O projeto, de autoria do deputado Caio França (PSB), havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no dia 13 de janeiro.

O uso medicinal do canabidiol, uma das substâncias extraídas da Cannabis sativa, é cercado de preconceito e desinformação. Por erro ou má-fé, muitos ainda associam a liberação do canabidiol à descriminalização da maconha, droga cuja produção, tráfico e consumo são proibidos por lei no País. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Malgrado serem derivadas da mesma planta, as substâncias têm ações totalmente diferentes no organismo.

Os benefícios do canabidiol para a saúde e o bem-estar de pessoas acometidas pelo transtorno do espectro autista, por Parkinson, Alzheimer, epilepsia e algumas doenças raras são cientificamente comprovados. E há um bom tempo. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou a comercialização, mediante apresentação de receita, de cerca de 20 produtos à base de canabidiol.

O custo elevado do tratamento, no entanto, impede que muitas famílias tenham acesso aos medicamentos que contêm canabidiol em sua formulação. Não raro elas acorrem à Justiça para obtê-los. Isso gera desigualdade entre os cidadãos, pois muitos nem sequer sabem como procurar seus direitos, e impõe custos imprevisíveis à administração pública, que se vê obrigada a fornecer os medicamentos à medida que é intimada por decisões judiciais, sem qualquer planejamento.

Tarcísio de Freitas contribuiu para a resolução dos dois problemas ao assegurar a todos os paulistas que precisam de medicamentos à base de canabidiol o acesso por meio do SUS. Em parceria com a Assembleia paulista e com o Ministério da Saúde, nos casos cabíveis, deve agora dotar a Secretaria Estadual da Saúde dos recursos financeiros necessários ao fornecimento desses medicamentos.

O governador paulista teve o bom senso de sobrepor o interesse público e o conhecimento científico às mentiras e mistificações que impedem uma compreensão mais ampla dos benefícios do canabidiol. Trata-se de uma questão rigorosamente técnica, não moral, ideológica ou religiosa. Muitas abordagens equivocadas do tema servem mais a propósitos políticos de ocasião do que ao “resguardo da família”, como, em geral, apregoam muitos dos que se põem contrários à liberação do fármaco. É o exato oposto.

Na cerimônia de sanção da lei, na qual estiveram presentes, além de autoridades estaduais, muitos pacientes e familiares que serão beneficiados pela vitória do bom senso sobre o obscurantismo, Tarcísio de Freitas se emocionou ao falar de sua experiência familiar com o canabidiol. Um sobrinho do governador, com síndrome de Dravet, melhorou sua qualidade de vida depois de começar o tratamento com a substância. A realidade se impõe.

 Mudança na Lei das Estatais é inoportuna

O Globo

Governo e parlamentares de todas as cores ideológicas querem afrouxar exigências que inibem uso político

Mesmo que o governo tenha conseguido seus objetivos imediatos — nomear Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES e aprovar o nome do ex-senador petista Jean Paul Prates para presidir a Petrobras —, PT e aliados não desistiram de alterar a Lei das Estatais, aprovada em 2016 para impedir o uso político das empresas públicas. O movimento une parlamentares de todos os matizes ideológicos, da esquerda à direita, passando naturalmente pelo Centrão.

Se tiverem êxito, haverá um retrocesso na governança dessas empresas, que perderão valor e poderão voltar a ser instrumentos de barganha política, como no passado. A lei não surgiu do nada. Decorreu da constatação de que o aparelhamento de conselhos administrativos e diretorias de estatais representa um ônus para a sociedade, forçada a arcar com os custos de empresas mal administradas, seja por incompetência, seja pela má-fé de gestões corrompidas. Caso as mudanças prosperem, o mais prejudicado com o retrocesso será o principal acionista das estatais: o Tesouro Nacional.

A Lei das Estatais impõe requisitos a seus dirigentes que não agradaram ao meio político, antes acostumado a usar seus cargos como “boquinhas” para os apaniguados do poder. Exige dos indicados formação acadêmica compatível com os cargos e dez anos de experiência no setor público ou privado na área de atuação da estatal — nada diferente das melhores empresas do mercado.

A exigência que os parlamentares mais querem remover da lei é a quarentena de 36 meses, cumprida por indicados a assentos no conselho e na diretoria de estatais que tenham feito parte da “estrutura decisória de partidos políticos” ou trabalhado na “organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”. Era um empecilho evidente à nomeação de Mercadante e Prates, que tiveram destaque na campanha de Lula (o primeiro foi o coordenador).

Depois de anunciada a escolha, o vice-presidente Geraldo Alckmin encaminhou consulta ao Tribunal de Contas na União (TCU) argumentando que Mercadante coordenou a campanha “de forma voluntária”. O relator, ministro Vital do Rêgo, deu parecer favorável a Mercadante, e o mesmo entendimento valeu para Prates. Reeleito senador, Prates renunciou ao mandato e se desfez de participações societárias que configurariam conflitos de interesse, para assumir a Petrobras formalmente depois da assembleia de acionistas em abril. Mas ter ocupado BNDES e Petrobras não deu tranquilidade ao Planalto e à classe política. Nem governo nem oposição querem conviver com interpretações da lei que possam prejudicar a barganha de cargos na máquina pública em troca de apoio.

Em dezembro, com o governo Jair Bolsonaro inerte, a Câmara aprovou em tempo recorde um projeto sob medida. Relatado por Margarete Coelho (PP-PI), aliada do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), ele reduz a quarentena exigida pela lei de 36 meses para apenas 30 dias. Pelo projeto, a regra valerá também para as agências reguladoras. Na prática, seria o fim da quarentena para indicações de políticos.

O projeto está parado no Senado, enquanto a Casa Civil e a Advocacia-Geral da União (AGU) analisam uma proposta mais ampla de alterações na lei. Qualquer mudança na Lei das Estatais é desnecessária e seria prejudicial ao país. Os parlamentares têm o dever de abortar a iniciativa.

Sucessão de acidentes de ônibus não pode ser considerada normal

O Globo

Maior demanda por transporte rodoviário deveria significar mais fiscalização e infraestrutura melhor

Em apenas três dias nesta semana, três ônibus se envolveram em acidentes graves nas rodovias brasileiras, deixando pelo menos 11 passageiros mortos e 77 feridos. Não é normal tal sucessão de tragédias. É preciso investigar os acidentes para conhecer suas causas, mas já ficou claro que algo não vai bem.

Na madrugada da última terça-feira, no Paraná, um veículo de dois andares da Viação Catarinense, que partira de Florianópolis (SC) com destino a Foz do Iguaçu (PR), tombou numa ribanceira depois de sair da pista da BR-277. Morreram sete passageiros, entre eles uma criança argentina e sua mãe, e 22 ficaram feridos. As circunstâncias ainda estão sendo apuradas.

Um dia antes, tragédia semelhante comoveu o país. Na madrugada de segunda, um ônibus da LG Turismo que transportava o time de futebol da base do Vila Maria Helena, de Duque de Caxias (RJ), despencou de uma ponte de dez metros de altura na BR-116, perto de Além Paraíba (MG). Morreram três adolescentes e um adulto, e 29 ficaram feridos, alguns em estado grave.

Embora as causas do acidente ainda estejam em investigação, o pai de um dos garotos mortos disse que o veículo apresentara problemas já antes da viagem de ida. “Falaram que só podia botar para circular à noite”, disse ao portal g1. Um dos sobreviventes contou que o condutor “estava correndo muito em todas as curvas”. A empresa alegou que a viagem estava registrada na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Na madrugada de domingo, um ônibus de turismo tombou na Serra de Petrópolis, deixando 26 passageiros feridos, dois em estado grave. O veículo saíra de Juiz de Fora (MG) e rumava para a praia de Grumari, no Rio. O motorista alegou que o ônibus perdera o freio.

Quem compra uma passagem ou freta um ônibus confia em que chegará a seu destino. Não cabe ao passageiro inspecionar a conservação e segurança dos veículos, questionar se os condutores estão habilitados, se fazem jornadas excessivas, se tomam drogas proibidas para se manter acordados ou se a empresa tem permissão dos órgãos competentes para transportar passageiros. Isso é papel das autoridades, que têm obrigação de fiscalizar.

Nos últimos anos, o preço alto das passagens aéreas incentivou o transporte rodoviário, especialmente para deslocamentos de média distância. Muita gente trocou o avião pelo ônibus. A maior demanda deveria ser acompanhada por melhoria na infraestrutura e na fiscalização. Estradas malconservadas e mal sinalizadas são uma realidade, mas não são as únicas responsáveis. Profissionais mal treinados, imprudentes, ônibus sem condição de rodar e empresas que desprezam as regras mínimas de segurança são um risco constante.

ANTT e Polícia Rodoviária Federal (PRF) precisam se dar conta dessa realidade e melhorar urgentemente a fiscalização dos veículos, em especial nos horários de menor movimento, para que as viagens cumpram seu papel óbvio: levar o passageiro, em segurança, até seu destino.

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