O Globo
Sumir com um déficit de 2,3% do PIB em dois
anos é uma proeza que só pode ser realizada com forte corte de gastos
Existem várias maneiras para controlar as
contas públicas, mas, ao final, trata-se de uma combinação de receitas e
despesas. Tem-se falado recentemente em controle pela dívida. Ocorre que o
tamanho e a evolução da dívida dependem da relação entre receita e despesas. Se
o gasto excede a arrecadação, surge um déficit que logo se torna dívida.
Também se pode avaliar a dívida não pelo
tamanho absoluto, mas pela relação com o Produto Interno Bruto. Se a dívida
permanece estável, e o PIB cresce, é claro
que o quadro fiscal ganha equilíbrio. Mas a outra variável — a equação de
receita e despesa — continua dominante.
Dirão:
— Mas que monte de obviedades!
Com razão.
Então por que estamos insistindo nisso?
Porque toda essa conversa sobre o novo arcabouço fiscal parece caminhar em
busca de algum truque para escapar daquelas obviedades.
O que se sabe?
O orçamento do governo federal prevê para
este ano um déficit em torno de R$ 230 bilhões, cerca de 2,3% do PIB. O
ministro Fernando
Haddad já falou em reduzi-lo para menos da metade — R$ 100
bilhões —, podendo zerá-lo em 2024.
Gente, trata-se de um ajuste fiscal brutal.
Sumir com um déficit de 2,3% do PIB em apenas dois anos é uma proeza que só
pode ser realizada com forte corte de gastos e ganhos expressivos na
arrecadação. Dá para desconfiar. Ou, pelo menos, dá para levantar dúvidas
razoáveis.
Considere o corte de gastos. Ainda nesta
semana, o presidente Lula cobrou
serviço de seus ministros, que apresentassem planos e obras. Antecipadamente,
desconsiderou a desculpa da falta de dinheiro. Os ministros devem é buscar o
dinheiro com os ministérios da Fazenda e do Planejamento. A nenhum ministro foi
pedido um orçamento equilibrado ou algum esforço fiscal. A ordem implícita é
gastar.
Considere agora o lado da receita. Haddad
parece confiar bastante nos ganhos de arrecadação. O problema é que a carga
tributária já é muito alta no Brasil — em torno dos 35% do PIB, calculando por
baixo.
Um exemplo: fala-se em cobrar impostos
pesados sobre dividendos que acionistas recebem, hoje isentos. Fazer com que os
ricos paguem — é a versão ideológica. Ora, é verdade que o imposto sobre
dividendos é pesado na maior parte dos países capitalistas. Mas isso porque o imposto
de renda sobre as empresas é mais baixo. Isso, aliás, é o correto. Taxar menos
as empresas, favorecendo sua operação, e taxar mais os acionistas, pessoas
físicas que embolsam os lucros e dividendos.
Não se está falando por aqui em reduzir
imposto das empresas, só em cobrar mais dos acionistas. Somando as duas
taxações, na jurídica e na física, o imposto ficaria muito pesado e certamente
afastaria investimentos.
Integrantes do governo também desconfiam de
que haja muita sonegação e, digamos, desvios tributários— manobras que grandes
empresas e os mais ricos fariam para fugir do pagamento dos impostos. Todos os
governos falam isso, que não elevarão as alíquotas de impostos, mas cobrarão
efetivamente de quem deve e não paga. Duvidoso. Do jeito que os políticos — de
qualquer ideologia ou sem ideologia — gostam de gastar, já teriam descoberto
esse filão.
Tudo considerado, o ministro Haddad tem uma
tarefa hercúlea pela frente, se é que pretende mesmo zerar o déficit em dois
anos. Tarefa econômica e política, pois o ambiente geral do governo Lula está
muito claro: o Estado puxará o crescimento, e não se faz isso com ajuste fiscal
tão rigoroso.
Daí as dúvidas em relação ao prometido novo
arcabouço fiscal. Sobretudo porque existe outra forma de zerar déficits: chamá-los
de outro nome. Mais exatamente, chamar as despesas de outro nome. Como diz
Lula, gastar com o social e a infraestrutura não é despesa, mas investimento.
Logo, sai da conta do déficit. Mais ou menos como se fez para furar o teto de
gastos sem dizer que se estava furando. Basta excluir tais e tais despesas do
teto.
Só que o extrateto não sai de graça. Do
mesmo modo, seja investimento, seja despesa, o governo tem de gastar o mesmo
dinheiro. Com truque ou sem truque.
3 comentários:
Perfeito.
Se não tem arcabouço fiscal acaba o assunto pro Sarda escrever contra e justificar o soldo
Um dos meus jornalistas preferidos, muito experiente e sensato.
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