quarta-feira, 1 de março de 2023

Lu Aiko Otta - Após tiroteio, Haddad reafirma sua estratégia

Valor Econômico

Ninguém sairá vendendo ações da Petrobras por causa da taxação das exportações, o que foi, portanto, uma boa solução, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator

Depois de dias de intenso tiroteio da ala política do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, obteve uma vitória sofrida e cheia de condicionantes em torno da tributação de combustíveis.

Mas venceu. De quebra, reafirmou sua estratégia de retomada do crescimento econômico. E colocou pressão sobre o Banco Central, ao apontar para as nuvens no horizonte alimentadas pelos juros altos: o risco de recessão e as dificuldades de crédito enfrentadas pelas empresas.

A senha do desfecho favorável a Haddad no caso dos combustíveis estava dada no final da manhã de segunda-feira, quando ele convenceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a lhe garantir os R$ 28,8 bilhões esperados com a volta da cobrança dos tributos federais sobre gasolina e etanol. O próprio presidente resistia à ideia de elevar os preços nas bombas. Seus conselheiros políticos defendiam uma volta gradual dos impostos.

Ao decidir que o Ministério da Fazenda não perderia um só centavo do que planejava receber, o presidente não tratou só de combustíveis e tributos. Deu um sinal de apoio à estratégia traçada por Haddad. Isso foi percebido pelo mercado, que reduziu juros futuros na segunda-feira - mas voltou a elevá-los nessa terça-feira, 28, na falta de detalhes sobre como a medida seria implementada.

Haddad levou o que queria dentro de uma conciliação. O impacto para o consumidor foi o menor possível, como exigia Lula; a taxação sobre gasolina e etanol voltou apenas em parte, como demandava o entorno do presidente.

Para preservar a arrecadação, decidiu-se taxar as exportações de óleo cru pelo período de quatro meses. Essa solução, proposta por Haddad e bancada por Lula, não está livre de polêmica.

“Copia a Argentina”, sentencia a economista Elena Landau, que durante a campanha de 2022 elaborou o programa econômico da candidata Simone Tebet (MDB). Era melhor, acrescentou ela, voltar a cobrar os tributos integralmente, como era antes.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, acredita que ninguém sairá vendendo ações da Petrobras por causa da taxação das exportações. Assim, considera que foi uma boa solução. E acha também que essa medida não deverá virar precedente.

Haddad ainda introduziu, na reoneração dos combustíveis, uma pegada ambiental. Essa é uma vertente que escolheu para integrar seu programa. Instituiu uma tributação mais pesada na gasolina do que no álcool, para desestimular o uso de combustíveis fósseis. E disse que os órgãos de defesa do consumidor precisarão entrar em campo para garantir que essa diferenciação se reflita nas bombas.

Não perder receitas federais, como foi feito, é condição colocada pelo Banco Central para iniciar a queda dos juros, comentou o ministro. Ele disse esperar a harmonização entre as políticas fiscal e monetária em torno de um projeto de desenvolvimento.

Essa diplomacia que Haddad usou no caso dos combustíveis já foi vista em outra discussão espinhosa, a mudança da meta de inflação e seu impacto na taxa de juros. O ministro conseguiu evitar que o tema fosse pautado na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de fevereiro, como queriam os conselheiros políticos de Lula.

Ao mesmo tempo, afirmou que anteciparia para este mês o anúncio do arcabouço fiscal. Um plano que dê à dívida pública uma trajetória de sustentabilidade criará condições para que a redução dos juros ocorra de forma crível.

Evitou outro tema espinhoso. A indicação de um novo diretor de Política Monetária para o Banco Central, que deveria ter sido feita até ontem, não ocorrerá nesta semana.

Assim, aos trancos e barrancos, o ministro vai consolidando sua estratégia. O lançamento do Desenrola, prometido para a próxima semana, deverá contribuir para dar visibilidade ao programa de Haddad. O mesmo ocorre a partir dos primeiros movimentos no Congresso para a apreciação da reforma tributária.

Avaliação de resultados

A ser apresentada este mês, a proposta do novo arcabouço fiscal deverá privilegiar a qualidade dos gastos como um critério. No poderoso Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que movimentará R$ 84 bilhões em 2023, o trabalho no momento é de construção de indicadores que apontarão os resultados das politicas públicas, disse a esta coluna a presidente do fundo, Fernanda Pacobahyba.

Passam por suas mãos os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), por exemplo.

A medição de resultados é particularmente difícil após anos de dependência de emendas do orçamento secreto, comentou. Por causa desse mecanismo, políticas públicas foram executadas conforme o desejo de quem enviou a verba, e não necessariamente por priorizarem os municípios mais carentes do apoio federal. “Emenda parlamentar é bem-vinda, mas não pode ser a sustentação da política”, argumenta.

Nos últimos anos, a União abdicou de seu papel coordenador de políticas públicas em educação, afirma a presidente. A retomada de um relacionamento construtivo com Estados e municípios está no centro de seu trabalho.

Pacobahyba falará sobre qualidade nos gastos com educação no I Seminário Internacional de Finanças dos Entes Subnacionais, promovido pelo Tesouro Nacional e pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), nos dias 6 a 8 de março.

A fragilidade fiscal de algumas unidades da federação é um dos problemas herdados pelo atual governo. Eles têm consumido cerca de 70% do tempo da equipe econômica, queixou-se Haddad.

Está em fase final a negociação na qual a União recomporá as perdas sofridas em 2022 pelos Estados, devido ao corte do ICMS sobre combustíveis, energia, transportes e comunicações.

Isso resolve o orçamento dos Estados apenas em 2023. Ainda resta o futuro a equacionar.

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