quarta-feira, 1 de março de 2023

Vera Magalhães - Haddad ganhou o round, mas não terá trégua

O Globo

Ministro precisa aproveitar o fôlego para articular a aprovação de suas propostas de longo prazo no Congresso

Fernando Haddad ganhou um round com a reoneração dos combustíveis. Depois de ser contrariado com a demora da volta da cobrança dos tributos, que pretendia restabelecer no início do ano, e com a forma como Lula e o PT passaram a travar a discussão sobre política de juros, autonomia do Banco Central e metas de inflação em cima do caixote, desta vez ele conseguiu defender o território do novo ataque especulativo vindo da ala política do governo e do partido.

Por mais que tenham sido anunciadas atenuantes para o impacto da volta dos impostos sobre o bolso dos consumidores/eleitores, e, consequentemente, sobre a popularidade de Lula, prevaleceu a visão do ministro da Fazenda de que é preciso começar a recompor a arrecadação e de que seria um erro chancelar uma política eleitoreira de Jair Bolsonaro tão criticada pelo próprio presidente e pelo PT na campanha. Ponto para ele.

Agora, Haddad precisa aproveitar o fôlego para articular a aprovação de suas propostas de longo prazo no Congresso. E, para isso, precisará contar com a ajuda, e não o boicote, da ala política. Conta a favor dessa nova fase o fato de Alexandre Padilha, responsável por construir a governabilidade de Lula, não fazer parte do fogo amigo contra ele. Pelo contrário: atuou como bombeiro. Tem de ser “cooptado” como aliado da equipe econômica no Planalto contra a narrativa que ganha espaço em setores do PT começando a pintar o titular da Fazenda como “um aliado do rentismo” no governo, como cheguei a ouvir de um correligionário dele.

Essa fritura tem o objetivo de substituir Haddad por alguém mais afinado com a visão de que os juros precisam cair rapidamente e a política de metas de inflação mudar radicalmente, bem como a política de preços da Petrobras. Haddad é defensor de um gradualismo responsável nessas mudanças, quando não contrário a algumas das fórmulas desse receituário desenvolvimentista.

Para ser vencedor ao final da partida, e não só num lance, precisará mostrar que o caminho que traçou para retomar o crescimento, dissipar as desconfianças e permitir uma queda consistente dos juros terá respaldo de quem tem voto, deputados e senadores.

Esse caminho inclui o minipacote de aumento da arrecadação apresentado no início do ano, o novo marco fiscal e a reforma tributária. Aprovar tudo isso exigirá, forçosamente, que o governo conquiste a parcela do Centrão que não é bolsonarista, e não mais acenos à esquerda, como vem buscando de forma estridente o comando do PT, com ecos em integrantes da ala palaciana do Executivo.

Haddad tem dito a aliados que o substituto do teto de gastos já está desenhado em sua equipe e será apresentado no mês que agora se inicia. A reforma tributária seria mais fácil, por estar relativamente madura junto aos congressistas e demais atores e porque Bernard Appy, um dos “pais da matéria”, integra seu time.

Acontece que ainda está muito difícil ler a correlação de forças no Congresso. Flopou a tentativa de agregar o União Brasil à base. Os três ministros da sigla não contam como um em termos de aval das bancadas da Câmara e do Senado, além de estarem sob ataque de todo lado e balançando nos galhos.

O pior do episódio da fritura de Haddad na questão dos combustíveis foi ter deixado no ar a impressão de que Lula, se não incentivou, ao menos deixou correr solto o tensionamento público feito pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Se se importar com o sobe e desce das pesquisas de popularidade numa largada tão complexa como a deste governo, Lula tem grande chance de “dilmar”.

Os afoitos que esquentam a orelha do presidente contra o ministro, que — não custa lembrar — ele escolheu pessoalmente, não levam em conta todas as variáveis complexas, a começar pelo bolsonarismo nem tão latente da sociedade e do Congresso.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

É,o perigo ronda.