Folha de S. Paulo
Quebra ocorreu à moda antiga, o que pode
afetar menos o restante da economia, lá e aqui
A quebra do
Banco do Vale do Silício (SVB) foi má notícia também para o
Brasil, que começava a discutir baixas nas
taxas de juros. O impacto, até agora muito pequeno, vai passar logo?
Pode ser uma espuma azeda que se dissipe em
dias. Outras quebras de bancos médios podem azedar o caldo. Mesmo que não
sobrevenham mais falências, pode haver impacto na confiança econômica e efeitos
negativos extras na rentabilidade dos bancos americanos. Para uma economia que
raspa no risco de recessão, não é boa coisa. Mas era esperado. Altas de juros
costumam provocar acidentes.
Até agora, analistas razoáveis não acreditam em crise relevante. Podem estar errados, o que não é raro. No entanto, o modo pelo qual o SVB foi à breca sugere que o problema pode ser limitado, ainda que muito banco esteja perdendo dinheiro pelos mesmos motivos do colega da Califórnia.
O SVB quebrou à moda antiga. Não afundou
por causa de engenharias financeiras complicadas, malucas ou fraudulentas, em
rede, incentivadas pela cumplicidade do sistema de regulação, supervisão e
avaliação de riscos, público e privado, como em 2008.
Os depositantes do SVB eram startups e
firmas ("venture capital") que investem no desenvolvimento dessas
empresas inovadoras, talvez um futuro Google, como eles gostam de dizer.
Durante a segunda onda de juros baixíssimos
deste século, na epidemia, startups levantaram muito capital, que depositavam
no SVB, banco tradicional do setor. Desde fins de 2022, com o refluxo da mania
"tech" e juros em alta,
empresas passaram a sacar do SVB ou a exigir rendimento maior para seus
depósitos.
Não precisa ser um drama. Mas a base de
clientes do SVB era pouco variada: afetados pelo mesmo problema, ao mesmo
tempo. Para piorar, o SVB mantinha mais de metade de seus haveres, ativos,
investidos em títulos do governo (ou em títulos que rendem pagamentos de
financiamento imobiliário, hipotecas, garantidas pelo governo), de longo prazo.
Muito banco americano tem ativos desse tipo. Mas não colocou tantos ovos na
mesma cesta, tem rendimentos de outras fontes, base de clientes diversa etc. O
SVB era um exagero em várias frentes.
O banco comprara os títulos quando os juros
eram muito baixos (o que significa exatamente dizer que seus preços estavam
altos). Com a alta das taxas, esses títulos perderam valor. Se não precisasse
vendê-los, não haveria prejuízo na prática (embora o valor de mercado desses
títulos fosse sinal de problema no balanço).
O SVB teve de vender, a fim de cobrir
saques. O prejuízo, embora relativamente pequeno, e a notícia de que o banco
tentaria levantar mais capital (vender ações) enervou depositantes. Uma firma
de "venture capital" recomendou que seus sócios, startups, sacassem
do SVB. Da quinta para a sexta-feira, o banco perdeu um quarto dos depósitos,
dizem relatos da mídia americana. Fim.
Ainda não se sabe o tamanho do calote. Por
ora, quem tem mais de US$ 250 mil em depósitos (que não é coberto pelo fundo
garantidor, a grande maioria dos depósitos) vai ficar com seus dinheiros
congelados. Não têm como pagar empregados e fornecedores. Talvez nunca mais
vejam a cor de parte do dinheiro. Startups irão à breca. Uma grande firma
de criptomoeda com depósito no SVB (que ironia) vai sofrer.
Talvez o SVB seja vendido para um banco
maior, um alívio. Gente do mundo "tech" já pede ajuda do governo.
Bidu.
A desconfiança causada pela quebra do SVB
pode provocar corridas contra outros bancos pequenos e médios. Juros subiram
nos EUA (e aqui, por tabela). Os próprios analistas americanos não conseguem
chutar o tamanho do contágio. Aqui e lá fora, vamos ter pelo menos dias de
tensão.
Um comentário:
Ficar de olho.
Essas coisas acontecem como a pandemia da Covid: um dia só ali, pouco depois em todo lugar...
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