O Globo
Não é razoável que perfis incentivem
atentados em escolas, e a plataforma que os hospeda lave as mãos
A tentativa de golpe no 8 de Janeiro e a
recente onda de violência nas escolas intensificaram na opinião pública o
debate sobre a necessidade de regulação das plataformas digitais para evitar ou
diminuir os riscos de propagação de conteúdos ilegais por meio da internet. A
urgência de uma legislação que responda a esse desafio se justifica e encontra
no Congresso Nacional uma proposta que tramita há três anos, com ampla oitiva dos
atores envolvidos, seja o segmento econômico, seja a sociedade civil ou a
academia.
O Projeto de Lei 2.630, chamado de Lei de Combate às Fake News, cria um conjunto normativo que se inspira nas melhores experiências internacionais — entre as quais o Ato dos Serviços Digitais editado pela União Europeia — e se baseia no tripé liberdade, transparência e responsabilidade na internet. A proposta valoriza a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, assegura direitos para os usuários ao obrigar os provedores a ser mais transparentes quanto a seus algoritmos e códigos de conduta e ao responsabilizá-los civilmente por danos causados por conteúdos ilegais patrocinados.
As empresas terão de observar o “dever de
cuidado”: identificar conteúdos ilícitos, tais como apologia ao crime, indução
ao suicídio, injúria racial, ataques ao Estado Democrático de Direito, entre
outros, para evitar sua promoção e circulação, assim como já fazem em casos de
pedofilia ou de direitos autorais. Quando alertadas sobre um conteúdo ilegal,
deverão agir com diligência na moderação para diminuir potenciais riscos. O
usuário terá, em contrapartida, o direito de questionar a moderação quando
achar que foi injustamente cerceado.
Tais medidas são necessárias para enfrentar
a pandemia de desinformação e discurso de ódio que tem crescido nas redes
sociais, algo que se tornou um desafio para democracias de todo o mundo. Em
grande medida, isso ocorre pelo modelo de negócios das plataformas, que promove
extremismos para gerar engajamento.
O jornalista americano Max Fisher, autor do
livro “A máquina do caos”, fruto de anos de investigações sobre o assunto,
afirmou em entrevista que “ao desenhar sistemas que buscam o que mais engaja a
atenção, o mais eficaz é o ódio, o nós versus eles, as conspirações
paranoicas”. Se a assertiva é verdadeira, o poder público, por meio do
Legislativo, está obrigado a regular tal atividade para mitigar os riscos de
lesão a direitos individuais e coletivos dela decorrentes.
Não é razoável que pessoas ou empresas
lucrem com a difusão em massa de desinformação sobre vacinas, causando danos
inestimáveis à saúde pública, algo que vimos acontecer durante a pandemia. Nem
que grupos criminosos se organizem para tentar um golpe de Estado, tendo por
base uma campanha de mentiras para desacreditar o sistema eleitoral veiculada
nas redes e grupos de mensagem. Ou, ainda mais grave, que perfis incentivem
atentados em escolas, e a plataforma que os hospeda lave as mãos.
Não existe um mundo virtual e outro real,
como alguns querem acreditar. Os avanços tecnológicos já criaram quase a
simbiose entre eles, numa marcha que tende a acelerar ainda mais com a
introdução da inteligência
artificial. A esfera digital faz parte da vida em sociedade, e seus
efeitos importam na realidade de cada um de nós. E, definitivamente, não há
liberdade para o cometimento de crimes, seja nas ruas ou nas redes!
A internet e as redes sociais são
maravilhas contemporâneas que encurtaram distâncias, proporcionaram encontros e
reencontros antes impensáveis, uma economia digital pujante e criativa,
soluções tecnológicas que revolucionam e impactam todas as áreas de atuação.
Impedir o uso destrutivo dessas ferramentas e reverter toda essa potência para
o bem da humanidade é uma questão civilizatória, um dos maiores desafios do
nosso tempo. Mãos à obra!
*Orlando Silva, deputado federal
(PCdoB-SP), é o relator do PL das Fake News
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