CPI deve centrar o foco nos fatos, não nas narrativas
O Globo
Comissão era desnecessária, mas, já que foi
instalada, precisa se dedicar a apurar o essencial, não a fantasias
Era desnecessário criar uma CPI para apurar os ataques golpistas de 8 de Janeiro. Todos os fatos já estão sob investigação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público, que têm feito trabalho competente. Apesar disso, foi instalada na semana passada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Antidemocráticos. Uma vez que o país será submetido ao espetáculo que cerca toda CPI, é fundamental que ela se concentre em seu objetivo primordial: investigar mentores, organizadores, financiadores e executores dos ataques golpistas que culminaram com a invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, num dos episódios mais infames da História do Brasil.
Ao todo, 1.390 presos foram denunciados, os
primeiros 300 acusados se tornaram réus no Supremo. Tudo corre da forma
esperada. Enquanto a Justiça fazia seu trabalho, o vazamento de imagens do
general Gonçalves Dias, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI), vagando atônito entre golpistas e de integrantes do GSI interagindo com
invasores deflagrou a previsível guerra de narrativas. O governo, que resistia
à CPI, acabou por apoiá-la.
A oposição bolsonarista aproveitou as
imagens para acusar o Planalto de ter facilitado os atos golpistas, numa trama
maquiavélica para figurar como vítima. Claro que as imagens demandam apuração
para saber se houve conivência de Gonçalves Dias e de seus subordinados, mas
essa teoria da conspiração não tem o menor cabimento. A tentativa de
transformar golpistas em vítimas é ridícula.
Está claro que os ataques não foram
espontâneos. Evidências mostram o planejamento para promover um golpe de Estado
que mantivesse Jair Bolsonaro no poder, com apoio de militares. Tudo deu
errado, mas as mensagens que circularam nas redes convidando para a “festa da
Selma” não deixam dúvidas sobre a intenção. Outras dúvidas, porém, ainda
persistem.
De onde partiu a ordem para invadir as
sedes dos Três Poderes? Quem financiou os acampamentos onde os golpistas
ficaram concentrados semanas a fio? Houve envolvimento de militares no
movimento? Quais e em que grau? Houve tentativa de obter apoio do Alto-Comando?
Qual o grau de participação do ex-presidente Jair Bolsonaro, do ex-ministro
Anderson Torres — em cuja casa foi encontrada a minuta de um decreto golpista —
e das demais autoridades do Planalto? Por que a polícia do Distrito Federal e
os integrantes do GSI foram tão lenientes? Por que a Guarda Presidencial foi
dispensada? Nenhuma dessas questões recebeu até agora resposta satisfatória.
Manter o foco nelas será um desafio. A CPI
nem começou e já está armado o ringue para que governo e oposição duelem. Na
batalha por protagonismo, o governo manobrou para ganhar mais uma vaga na
comissão. A oposição estrilou. A manobra é uma prévia do que serão as sessões.
O clima conflagrado favorece os extremos, não o país.
Espera-se que parlamentares coniventes com
os atos criminosos não integrem a CPI. Seria o cúmulo. É preciso também
rechaçar as versões fantasiosas que tentam transformar algozes em vítimas. Se a
CPI é inevitável num momento em que o país tem prioridades mais urgentes, que
pelo menos se concentre nos fatos, não nas narrativas — no essencial, e não no
acessório.
Uso indiscriminado do Ozempic para
emagrecimento desperta preocupação
O Globo
Ministério da Saúde, secretarias e
associações médicas devem esclarecer população sobre riscos e benefícios
Autoridades de saúde precisam combater o
uso indiscriminado para emagrecimento da droga semaglutida, vendida com o nome
comercial Ozempic. Eficaz no tratamento da diabetes tipo 2, o medicamento virou
uma febre no Brasil e noutros países, devido aos festejados efeitos na perda de
peso. Trata-se de uso off-label, não recomendado na bula, em geral sem
prescrição médica nem acompanhamento profissional.
A despeito do preço alto — a caixa com
quatro canetas para um mês custa R$ 850 —, a demanda só faz aumentar. No ano
passado, as vendas cresceram 77% em relação ao ano anterior, segundo a
fabricante, a empresa farmacêutica Novo Nordisk. Nos últimos meses houve
aumento de quase 40% nas vendas para uso off-label. A procura é tanta que a
Novo Nordisk alertou sobre o risco de desabastecimento, em prejuízo dos
pacientes diabéticos.
Outro termômetro da febre do Ozempic são os
dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar. As negativas das operadoras de
planos de saúde em oferecer o remédio subiram 550% entre 2021 e 2022. No
primeiro trimestre, foram registradas 24 reclamações, ante seis no mesmo
período do ano passado. Pacientes têm apelado à Justiça para conseguir o
remédio.
É verdade que a semaglutida também pode ser
prescrita para perda de peso. O Wegovy é aprovado tanto nos Estados Unidos
quanto no Brasil para tratar obesidade. Pode levar a queda de 15% no peso
quando combinado com dieta e exercícios físicos. Mas o Wegovy é usado em dose
de 2,4 mg, ante 0,5 mg a 2 mg para o Ozempic, e recomendado apenas para obesos
com índice de massa corporal acima de 30 kg/m2. Não se aplica a tratamentos
estéticos.
A perda de peso acontece porque a
semaglutida retarda o esvaziamento gástrico, prolongando o sentimento de
saciedade. Também funciona como inibidor do apetite por agir em áreas do
cérebro responsáveis pela fome. Mas os efeitos só duram enquanto se usa o remédio.
Um estudo na revista científica da Associação Médica Americana (Jama) mostra
que pacientes tratados com 2,4 mg voltaram a ganhar peso um ano depois de parar
o tratamento.
Os efeitos adversos mais comuns são
problemas gastrointestinais, náuseas, vômitos, diarreia e constipação. Há
relatos também de pancreatite, falência dos rins e câncer de tireoide.
“Precisamos de mais pesquisas e de mudanças nas políticas para ajudar as
pessoas a não desenvolver obesidade. Medicamentos contra a obesidade não são uma
bala de prata”, disse à Jama Susan Yanovski, codiretora do Departamento de
Pesquisa sobre Obesidade do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas
e Renais dos Estados Unidos.
Ministério da Saúde, secretarias e associações médicas deveriam fazer campanhas para esclarecer a população sobre benefícios e riscos do Ozempic, especialmente se usado de forma distinta da recomendada, sem acompanhamento médico. A automedicação baseada em propaganda nas redes sociais costuma ser mais nociva do que o problema que pretende resolver.
Mais erros que acertos
Folha de S. Paulo
Opção de Lula por evitar ajustes econômicos
eleva riscos para o país e o governo
Reconheça-se que Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) iniciou seu terceiro mandato de presidente da República em uma situação
difícil. Eleito por margem minúscula de votos, governa um país polarizado.
Seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), não
deixou como legado somente uma legião de seguidores dispostos a abraçar a causa
golpista. Na administração federal o descalabro espalhava-se por áreas como
educação, saúde, ambiente, relações exteriores, direitos humanos, cultura. As
Forças Armadas viveram perigosa politização.
O Congresso Nacional, que acostumou-se a
mais poder e autonomia nos últimos anos, caminhou para a direita no pleito de
2022. O preço do dominante centrão elevou-se, e a oposição ganha agressividade
com o bolsonarismo.
A seu favor, Lula contou com amplo apoio
doméstico e internacional em reação aos ataques infames de 8 de janeiro às
sedes dos três Poderes. O petista restaurou a normalidade das relações
institucionais, aí incluídos os militares.
Soube também aproveitar as boas
expectativas globais para reinserir o Brasil no debate sobre o clima —ainda que a
imagem do país seja prejudicada pela dubiedade quanto à Guerra da Ucrânia.
O PT resiste a dividir o poder, mas ao
menos o governo atraiu nomes de partidos ao centro, como MDB e PSD. O Planalto
também tem sido cauteloso e pragmático nas relações com a Câmara e o Senado.
Com não mais
de 38% de aprovação, segundo o Datafolha, ante 29% que consideram
sua gestão ruim ou péssima, Lula evita medidas que ameacem sua popularidade.
Além disso, busca fidelizar seus eleitores com o relançamento de programas
sociais e, sobretudo, com mais gasto público.
A vinculação da política econômica a essa
lógica de curto prazo e ao revanchismo ideológico é a maior ameaça ao sucesso
do governo.
Se Bolsonaro já havia estourado os limites
orçamentários ao final de seu mandato, na tentativa de reeleger-se, Lula nem
mesmo esperou a posse para elevar a despesa pública em mais de R$ 100 bilhões.
O Tesouro desembolsou pouco mais de R$ 1,9
trilhão no ano passado, em valores corrigidos —um recorde histórico,
excetuando-se os dispêndios extraordinários da pandemia. Neste início de
governo, que deveria ser de ajustes, a conta passará dos R$ 2 trilhões.
Para o comando da Fazenda foi escolhido um
quadro fiel do partido e candidato potencial à sucessão presidencial, Fernando
Haddad, ao qual cabe a ingrata tarefa de reequilibrar o Orçamento e conter a
escalada da dívida pública.
Os primeiros passos merecem o ceticismo com
que foram recebidos. A regra fiscal proposta por Haddad revela que Brasília
pretende continuar elevando gastos continuamente, num ritmo entre 0,6% e 2,5%
ao ano acima da inflação.
Assim, a eliminação do gigantesco déficit
público dependerá de um salto da arrecadação de impostos —o que, além de muito
duvidoso, será provavelmente nocivo para a economia se materializado.
O mecanismo incentiva o aumento de uma
carga tributária já excessiva para um país de renda média, na casa de 33% do
Produto Interno Bruto, o que torna a missão técnica e politicamente intrincada.
Enquanto isso, mais despesas permanentes vão sendo contratadas.
Só na semana que passou, aprovou-se o
reajuste salarial dos servidores públicos e anunciou-se a
correção da tabela do Imposto de Renda, que reduzirá a receita.
Também desde antes da posse, Lula turvou o
ambiente econômico ao iniciar uma ofensiva demagógica contra os juros do Banco
Central. Embora amplamente aprovada pelo eleitorado, a campanha
apenas dificultou a queda das taxas ao elevar as expectativas para a inflação
de 2023 de 4,9%, no início de novembro, para 6% agora.
Por fim, o Planalto patrocina retrocessos
em reformas importantes dos últimos anos, como o marco do saneamento e a Lei
das Estatais. Ensaia-se ainda a volta do crédito subsidiado do BNDES para
setores favorecidos.
Passaram-se apenas quatro meses, é verdade.
Entretanto é nessa etapa inicial que se devem fazer as escolhas capazes de
definir o sucesso do mandato.
A opção por evitar ajustes econômicos e orçamentários, se não for revista, eleva sobremaneira os riscos que pairam sobre o governo e o país. Lula teve méritos e sorte em seus dois primeiros mandatos —e não deveria depender demais da segunda desta vez.
Redes sociais não podem ser terra sem lei
O Estado de S. Paulo
O espírito do PL de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência da Internet é bom e sua tramitação é urgente.
Se for preciso aprimorá-lo, a democracia tem os meios para tanto
Desde o telégrafo, a comunicação humana vem
dissolvendo as barreiras naturais de tempo e espaço. A internet consumou essa
aventura. Ao toque de um botão, qualquer indivíduo pode transmitir suas
mensagens a todo lugar ao mesmo tempo – obviamente, não só as verdadeiras e
benéficas, mas também as fraudulentas e danosas.
Notícias falsas são tão velhas quanto as
notícias. Até mais. A manipulação da informação é antiga como a humanidade, mas
os padrões de integridade do jornalismo datam de algumas décadas. Nosso cérebro
é excitável por tudo aquilo que é extraordinário, e por isso os humanos são
atraídos à falsidade como moscas à luz. “Uma mentira pode correr o mundo,
enquanto a verdade está calçando suas botas”, teria dito Mark Twain. A
diferença é que hoje ela é impulsionada por batalhões de robôs.
Há amplas evidências, anedóticas e
científicas, de que as redes contribuem para a deterioração mental de
adolescentes e para a polarização política. Não que sejam como veneno de rato,
sempre tóxicas. São mais como o álcool: consumido com temperança, dá sabor à
vida. Em excesso, é destrutivo para si e os outros.
A digitalização acelerada pela pandemia
potencializou os benefícios, mas também os danos das redes. Por isso,
autoridades no mundo inteiro respondem à ansiedade dos cidadãos buscando
regulá-las. A Unesco divisou cinco diretrizes: as plataformas devem conter
políticas de governança e práticas consistentes com os direitos humanos; ser
transparentes; empoderar os usuários; ser responsabilizáveis; e contar com uma
supervisão independente. São princípios irretocáveis. A questão é como
implementá-los.
No Brasil, o Marco Civil da Internet
(2014), apoiando-se em três pilares – a neutralidade, a liberdade de expressão
e a proteção à privacidade –, deu um passo histórico rumo a uma rede, nas
palavras de Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web, “aberta, neutra e
descentralizada, em que os usuários são o motor para a colaboração e inovação”.
Desde 2020, o Congresso busca aprimorar
esse arcabouço por meio do Projeto de Lei (PL) de Liberdade, Responsabilidade e
Transparência na Internet. Apelidado PL das “Fake News”, ele vai além delas,
abordando questões como o status jurídico das redes, veiculação e remuneração
de conteúdo jornalístico, publicidade digital, privacidade e compartilhamento
de dados e moderação de conteúdo. Aprovado no Senado, o PL passou por
modificações na Câmara, e agora tramita em regime de urgência.
Boa parte do projeto foca em mecanismos
elementares de transparência e responsabilização. As plataformas, por exemplo,
serão obrigadas a ter representantes no Brasil e publicar relatórios divulgando
métodos e procedimentos.
As redes terão a obrigação de remover e
notificar conteúdos manifestamente ilegais, mas em relação a conteúdos tóxicos,
porém ambíguos, como “desinformação” ou “discurso de ódio”, o projeto tem o
mérito de focar mais na punição de comportamentos abusivos (como o uso de robôs
e disparos em massa) do que na supressão de publicações. Também estabelece
restrições para o uso por crianças e dá poder aos pais. De um modo geral, o
projeto privilegia a autorregulação das redes, supervisionada por uma agência
independente.
Os críticos acusam uma tramitação açodada
em dispositivos que comportariam riscos à liberdade de expressão e aos modelos
de negócios das plataformas. É possível que esses riscos existam. Mas, de um
modo geral, o espírito do projeto é sadio e a urgência é justificada – vide o
papel das redes nos atentados do 8 de Janeiro ou a escolas. Muitos problemas já
foram solucionados ao longo de três anos; outros podem ser discutidos agora
(depois da Câmara, o projeto voltará ao Senado); e certamente outros surgirão
após a implementação da lei. Mas a urgência não elimina as discussões, ela
preserva as que já ocorreram até agora e intensifica as que precisam ser
feitas. Se a lei vier a pecar por excessos, a democracia tem todos os
instrumentos para repará-los. O que não é tolerável é que as redes sociais
continuem a ser uma terra sem lei.
A formidável participação da cultura no PIB
O Estado de S. Paulo
A cultura, tratada por muitos como
secundária, tem peso na economia equivalente ao do setor automotivo; por isso,
merece políticas públicas sérias, não ideológicas
A área cultural, uma das grandes expressões
da identidade nacional e fonte de imenso orgulho para os brasileiros, foi
severamente desprezada pelo governo passado. Mas esse desprezo não significou
apenas uma afronta ao sentimento da população por sua arte, sua música e sua
literatura. Ele revelou também incompreensão a respeito do papel do setor na
economia do País.
Lançada recentemente pelo Observatório Itaú
Cultural, a plataforma de mensuração do PIB da Economia da Cultura e das
Indústrias Criativas (Ecic) no Brasil constatou participação significativa do
setor na economia nacional. Respeitando as especificidades da área, o cálculo
leva em conta os salários dos profissionais, os lucros das empresas, os
rendimentos diversos de empresas e indivíduos, o que inclui trabalhadores sem
carteira assinada, e a renda gerada por meio da Lei Rouanet.
Em 2020, ano mais recente com dados
disponíveis, os setores de produção artística, patrimônio e economia criativa
movimentaram R$ 230,14 bilhões, representando 3,11% do PIB (de R$ 7,4
trilhões). Naquele ano, a participação foi maior, por exemplo, do que a do
setor automotivo (2,06%). Em 2020, os setores criativos empregaram cerca de 7,4
milhões de trabalhadores.
No período entre 2012 e 2020, o PIB da Ecic
apresentou certa volatilidade, com uma média de participação de 2,63% na
economia nacional. Os números indicam que o setor segue uma tendência cíclica,
acompanhando, entre outros fatores, o patamar de investimento público e a
própria dinâmica do PIB nacional. De toda forma, “o setor parece apresentar
certa estabilidade em termos de contribuição para a economia do País”, afirmou
o Observatório Itaú Cultural, destacando o crescimento nos últimos anos, com
média de aumento de participação no PIB brasileiro de 0,26% por ano. Segundo as
evidências disponíveis, o fortalecimento do setor vincula-se à tendência de
valorização do conhecimento, à maior demanda por criatividade e a alterações no
padrão de consumo das famílias.
O levantamento detectou também diferenças
na contribuição da Ecic para o PIB por Estado, com destaque para São Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina.
Na comparação internacional, feita a partir
de dados da Unesco, a Ecic do Brasil oferece uma contribuição maior para a
economia nacional do que a verificada em países de nível similar de
desenvolvimento. No México, o setor contribui com 2,9% do PIB. Na África do
Sul, com 2,97%.
A medição e o acompanhamento de PIB
setoriais são importantes instrumentos para a formulação de políticas públicas,
possibilitando, entre outros aspectos, identificar áreas em crescimento que se
mostram aptas a gerar dinamismo sobre toda a economia de um país. Como lembra o
Observatório Itaú Cultural, políticas públicas bem desenhadas podem estimular a
atividade econômica total por meio desses setores, ao prover, por exemplo,
condições para mais investimentos em infraestrutura.
Além dos possíveis impactos positivos sobre
toda a atividade econômica, o estudo do setor da cultura e criatividade sob a
perspectiva econômica é oportunidade para compreender novos padrões de consumo
e paradigmas tecnológicos; por exemplo, a tendência observada em muitos países
de uma crescente valorização do consumo de bens e serviços intangíveis (de
valor subjetivo) em relação ao consumo de produtos.
De forma cada vez mais intensa, a área da
cultura e criatividade é alternativa potente e sustentável para a geração de
renda, emprego e riqueza. Seria um imenso erro o poder público olhar o setor
com lentes político-ideológicas, sejam quais forem suas cores. A cultura tem
evidente caráter estratégico para o País, merecendo políticas públicas sérias,
baseadas em evidências, e não em preconceitos. Naturalmente, não é questão de
promover bandeiras ideológicas nem muito menos guerras culturais – ações que
fogem aos limites e às finalidades de um Estado Democrático de Direito. É
oportunidade de cuidar, de forma concreta, do interesse público no curto, médio
e longo prazos.
O resultado de uma boa reforma
O Estado de S. Paulo
Mudança na Previdência de São Paulo,
negociada a duras penas, abre espaço para investimentos
O Regime Próprio de Previdência Social
(RPPS) do Município de São Paulo é hoje o exemplo mais bem acabado para o País
de como a gestão eficiente de um sistema previdenciário, pelas três esferas de
governo, pode produzir impactos positivos diretos na vida das pessoas.
Desde que as mudanças no RPPS-SP foram
aprovadas pela Câmara Municipal, em 2021, a Prefeitura conseguiu reduzir o
déficit atuarial do sistema (projetado para 75 anos) em impressionantes R$ 100
bilhões. Em valores anuais, o rombo caiu de R$ 5,6 bilhões em 2020 para R$ 2,9
bilhões em 2022. Na prática, isso significa mais dinheiro disponível no Tesouro
municipal para que o governo invista em projetos de saúde, educação, zeladoria
e infraestrutura, entre outros.
Os resultados positivos do RPPS-SP mostram
que a boa administração do sistema previdenciário não só é exequível, modulando
suas regras de acordo com os imperativos demográficos de seu tempo, entre
outros fatores socioeconômicos, como é primordial para garantir a assistência
aos beneficiários de hoje e do futuro, além de assegurar que o Poder Executivo
tenha condições de investir recursos em políticas públicas que melhorem a
qualidade de vida da população – objetivo fundamental de todo governo que se
preze.
Os números que mostram um caminho
pavimentado para o equilíbrio do sistema previdenciário da cidade de São Paulo
consagram a coragem e a determinação da Prefeitura – ainda na gestão de Bruno
Covas, seguida quase integralmente por seu sucessor, Ricardo Nunes – para
enfrentar resistências ao projeto de reforma do RPPS-SP, sempre por meio do
diálogo político no âmbito da Câmara Municipal, principalmente, e entidades
representativas dos servidores públicos. O que esteve em debate não foram
mudanças triviais, tampouco populares. Uma das novas regras aprovadas, por
exemplo, foi o aumento da base de contribuição de aposentados e pensionistas,
questão para lá de espinhosa.
Por mais duras que tenham sido, as
negociações em torno dessas mudanças agora geram resultados reconhecidos por
especialistas, entre os quais Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos
Econômicos do Ministério do Planejamento. “A Prefeitura de São Paulo está
fazendo o dever de casa e seu equacionamento previdenciário é o mais avançado
do País”, disse Velloso ao
Estadão. Não fosse a reforma, afirmou
Velloso, “a Prefeitura de São Paulo poderia passar 14 anos com investimentos
abaixo de R$ 2 bilhões, até zerar em 2036”. Seria um desastre, pois a
Prefeitura não teria meios de acompanhar pari passu os constantes desafios que
as transformações de uma metrópole como São Paulo impõem àqueles que se dispõem
a administrá-la.
Por fim, é imperioso ressaltar que os auspiciosos resultados alcançados pela administração da capital paulista no gerenciamento do RPPS-SP até agora não vieram sem uma grande cota de sacrifício dos contribuintes. É mais do que justo – é um imperativo moral – que esses esforços sejam recompensados pela Prefeitura com investimentos à altura para melhorar a oferta e, sobretudo, a qualidade dos serviços aos paulistanos, precários em algumas áreas.
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