domingo, 30 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

CPI deve centrar o foco nos fatos, não nas narrativas

O Globo

Comissão era desnecessária, mas, já que foi instalada, precisa se dedicar a apurar o essencial, não a fantasias

Era desnecessário criar uma CPI para apurar os ataques golpistas de 8 de Janeiro. Todos os fatos já estão sob investigação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público, que têm feito trabalho competente. Apesar disso, foi instalada na semana passada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Antidemocráticos. Uma vez que o país será submetido ao espetáculo que cerca toda CPI, é fundamental que ela se concentre em seu objetivo primordial: investigar mentores, organizadores, financiadores e executores dos ataques golpistas que culminaram com a invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, num dos episódios mais infames da História do Brasil.

Ao todo, 1.390 presos foram denunciados, os primeiros 300 acusados se tornaram réus no Supremo. Tudo corre da forma esperada. Enquanto a Justiça fazia seu trabalho, o vazamento de imagens do general Gonçalves Dias, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), vagando atônito entre golpistas e de integrantes do GSI interagindo com invasores deflagrou a previsível guerra de narrativas. O governo, que resistia à CPI, acabou por apoiá-la.

A oposição bolsonarista aproveitou as imagens para acusar o Planalto de ter facilitado os atos golpistas, numa trama maquiavélica para figurar como vítima. Claro que as imagens demandam apuração para saber se houve conivência de Gonçalves Dias e de seus subordinados, mas essa teoria da conspiração não tem o menor cabimento. A tentativa de transformar golpistas em vítimas é ridícula.

Está claro que os ataques não foram espontâneos. Evidências mostram o planejamento para promover um golpe de Estado que mantivesse Jair Bolsonaro no poder, com apoio de militares. Tudo deu errado, mas as mensagens que circularam nas redes convidando para a “festa da Selma” não deixam dúvidas sobre a intenção. Outras dúvidas, porém, ainda persistem.

De onde partiu a ordem para invadir as sedes dos Três Poderes? Quem financiou os acampamentos onde os golpistas ficaram concentrados semanas a fio? Houve envolvimento de militares no movimento? Quais e em que grau? Houve tentativa de obter apoio do Alto-Comando? Qual o grau de participação do ex-presidente Jair Bolsonaro, do ex-ministro Anderson Torres — em cuja casa foi encontrada a minuta de um decreto golpista — e das demais autoridades do Planalto? Por que a polícia do Distrito Federal e os integrantes do GSI foram tão lenientes? Por que a Guarda Presidencial foi dispensada? Nenhuma dessas questões recebeu até agora resposta satisfatória.

Manter o foco nelas será um desafio. A CPI nem começou e já está armado o ringue para que governo e oposição duelem. Na batalha por protagonismo, o governo manobrou para ganhar mais uma vaga na comissão. A oposição estrilou. A manobra é uma prévia do que serão as sessões. O clima conflagrado favorece os extremos, não o país.

Espera-se que parlamentares coniventes com os atos criminosos não integrem a CPI. Seria o cúmulo. É preciso também rechaçar as versões fantasiosas que tentam transformar algozes em vítimas. Se a CPI é inevitável num momento em que o país tem prioridades mais urgentes, que pelo menos se concentre nos fatos, não nas narrativas — no essencial, e não no acessório.

Uso indiscriminado do Ozempic para emagrecimento desperta preocupação

O Globo

Ministério da Saúde, secretarias e associações médicas devem esclarecer população sobre riscos e benefícios

Autoridades de saúde precisam combater o uso indiscriminado para emagrecimento da droga semaglutida, vendida com o nome comercial Ozempic. Eficaz no tratamento da diabetes tipo 2, o medicamento virou uma febre no Brasil e noutros países, devido aos festejados efeitos na perda de peso. Trata-se de uso off-label, não recomendado na bula, em geral sem prescrição médica nem acompanhamento profissional.

A despeito do preço alto — a caixa com quatro canetas para um mês custa R$ 850 —, a demanda só faz aumentar. No ano passado, as vendas cresceram 77% em relação ao ano anterior, segundo a fabricante, a empresa farmacêutica Novo Nordisk. Nos últimos meses houve aumento de quase 40% nas vendas para uso off-label. A procura é tanta que a Novo Nordisk alertou sobre o risco de desabastecimento, em prejuízo dos pacientes diabéticos.

Outro termômetro da febre do Ozempic são os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar. As negativas das operadoras de planos de saúde em oferecer o remédio subiram 550% entre 2021 e 2022. No primeiro trimestre, foram registradas 24 reclamações, ante seis no mesmo período do ano passado. Pacientes têm apelado à Justiça para conseguir o remédio.

É verdade que a semaglutida também pode ser prescrita para perda de peso. O Wegovy é aprovado tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil para tratar obesidade. Pode levar a queda de 15% no peso quando combinado com dieta e exercícios físicos. Mas o Wegovy é usado em dose de 2,4 mg, ante 0,5 mg a 2 mg para o Ozempic, e recomendado apenas para obesos com índice de massa corporal acima de 30 kg/m2. Não se aplica a tratamentos estéticos.

A perda de peso acontece porque a semaglutida retarda o esvaziamento gástrico, prolongando o sentimento de saciedade. Também funciona como inibidor do apetite por agir em áreas do cérebro responsáveis pela fome. Mas os efeitos só duram enquanto se usa o remédio. Um estudo na revista científica da Associação Médica Americana (Jama) mostra que pacientes tratados com 2,4 mg voltaram a ganhar peso um ano depois de parar o tratamento.

Os efeitos adversos mais comuns são problemas gastrointestinais, náuseas, vômitos, diarreia e constipação. Há relatos também de pancreatite, falência dos rins e câncer de tireoide. “Precisamos de mais pesquisas e de mudanças nas políticas para ajudar as pessoas a não desenvolver obesidade. Medicamentos contra a obesidade não são uma bala de prata”, disse à Jama Susan Yanovski, codiretora do Departamento de Pesquisa sobre Obesidade do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais dos Estados Unidos.

Ministério da Saúde, secretarias e associações médicas deveriam fazer campanhas para esclarecer a população sobre benefícios e riscos do Ozempic, especialmente se usado de forma distinta da recomendada, sem acompanhamento médico. A automedicação baseada em propaganda nas redes sociais costuma ser mais nociva do que o problema que pretende resolver.

Mais erros que acertos

Folha de S. Paulo

Opção de Lula por evitar ajustes econômicos eleva riscos para o país e o governo

Reconheça-se que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou seu terceiro mandato de presidente da República em uma situação difícil. Eleito por margem minúscula de votos, governa um país polarizado.

Seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), não deixou como legado somente uma legião de seguidores dispostos a abraçar a causa golpista. Na administração federal o descalabro espalhava-se por áreas como educação, saúde, ambiente, relações exteriores, direitos humanos, cultura. As Forças Armadas viveram perigosa politização.

O Congresso Nacional, que acostumou-se a mais poder e autonomia nos últimos anos, caminhou para a direita no pleito de 2022. O preço do dominante centrão elevou-se, e a oposição ganha agressividade com o bolsonarismo.

A seu favor, Lula contou com amplo apoio doméstico e internacional em reação aos ataques infames de 8 de janeiro às sedes dos três Poderes. O petista restaurou a normalidade das relações institucionais, aí incluídos os militares.

Soube também aproveitar as boas expectativas globais para reinserir o Brasil no debate sobre o clima —ainda que a imagem do país seja prejudicada pela dubiedade quanto à Guerra da Ucrânia.

O PT resiste a dividir o poder, mas ao menos o governo atraiu nomes de partidos ao centro, como MDB e PSD. O Planalto também tem sido cauteloso e pragmático nas relações com a Câmara e o Senado.

Com não mais de 38% de aprovação, segundo o Datafolha, ante 29% que consideram sua gestão ruim ou péssima, Lula evita medidas que ameacem sua popularidade. Além disso, busca fidelizar seus eleitores com o relançamento de programas sociais e, sobretudo, com mais gasto público.

A vinculação da política econômica a essa lógica de curto prazo e ao revanchismo ideológico é a maior ameaça ao sucesso do governo.

Se Bolsonaro já havia estourado os limites orçamentários ao final de seu mandato, na tentativa de reeleger-se, Lula nem mesmo esperou a posse para elevar a despesa pública em mais de R$ 100 bilhões.

O Tesouro desembolsou pouco mais de R$ 1,9 trilhão no ano passado, em valores corrigidos —um recorde histórico, excetuando-se os dispêndios extraordinários da pandemia. Neste início de governo, que deveria ser de ajustes, a conta passará dos R$ 2 trilhões.

Para o comando da Fazenda foi escolhido um quadro fiel do partido e candidato potencial à sucessão presidencial, Fernando Haddad, ao qual cabe a ingrata tarefa de reequilibrar o Orçamento e conter a escalada da dívida pública.

Os primeiros passos merecem o ceticismo com que foram recebidos. A regra fiscal proposta por Haddad revela que Brasília pretende continuar elevando gastos continuamente, num ritmo entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.

Assim, a eliminação do gigantesco déficit público dependerá de um salto da arrecadação de impostos —o que, além de muito duvidoso, será provavelmente nocivo para a economia se materializado.

O mecanismo incentiva o aumento de uma carga tributária já excessiva para um país de renda média, na casa de 33% do Produto Interno Bruto, o que torna a missão técnica e politicamente intrincada. Enquanto isso, mais despesas permanentes vão sendo contratadas.

Só na semana que passou, aprovou-se o reajuste salarial dos servidores públicos e anunciou-se a correção da tabela do Imposto de Renda, que reduzirá a receita.

Também desde antes da posse, Lula turvou o ambiente econômico ao iniciar uma ofensiva demagógica contra os juros do Banco Central. Embora amplamente aprovada pelo eleitorado, a campanha apenas dificultou a queda das taxas ao elevar as expectativas para a inflação de 2023 de 4,9%, no início de novembro, para 6% agora.

Por fim, o Planalto patrocina retrocessos em reformas importantes dos últimos anos, como o marco do saneamento e a Lei das Estatais. Ensaia-se ainda a volta do crédito subsidiado do BNDES para setores favorecidos.

Passaram-se apenas quatro meses, é verdade. Entretanto é nessa etapa inicial que se devem fazer as escolhas capazes de definir o sucesso do mandato.

A opção por evitar ajustes econômicos e orçamentários, se não for revista, eleva sobremaneira os riscos que pairam sobre o governo e o país. Lula teve méritos e sorte em seus dois primeiros mandatos —e não deveria depender demais da segunda desta vez.

Redes sociais não podem ser terra sem lei

O Estado de S. Paulo

O espírito do PL de Liberdade, Responsabilidade e Transparência da Internet é bom e sua tramitação é urgente. Se for preciso aprimorá-lo, a democracia tem os meios para tanto

Desde o telégrafo, a comunicação humana vem dissolvendo as barreiras naturais de tempo e espaço. A internet consumou essa aventura. Ao toque de um botão, qualquer indivíduo pode transmitir suas mensagens a todo lugar ao mesmo tempo – obviamente, não só as verdadeiras e benéficas, mas também as fraudulentas e danosas.

Notícias falsas são tão velhas quanto as notícias. Até mais. A manipulação da informação é antiga como a humanidade, mas os padrões de integridade do jornalismo datam de algumas décadas. Nosso cérebro é excitável por tudo aquilo que é extraordinário, e por isso os humanos são atraídos à falsidade como moscas à luz. “Uma mentira pode correr o mundo, enquanto a verdade está calçando suas botas”, teria dito Mark Twain. A diferença é que hoje ela é impulsionada por batalhões de robôs.

Há amplas evidências, anedóticas e científicas, de que as redes contribuem para a deterioração mental de adolescentes e para a polarização política. Não que sejam como veneno de rato, sempre tóxicas. São mais como o álcool: consumido com temperança, dá sabor à vida. Em excesso, é destrutivo para si e os outros.

A digitalização acelerada pela pandemia potencializou os benefícios, mas também os danos das redes. Por isso, autoridades no mundo inteiro respondem à ansiedade dos cidadãos buscando regulá-las. A Unesco divisou cinco diretrizes: as plataformas devem conter políticas de governança e práticas consistentes com os direitos humanos; ser transparentes; empoderar os usuários; ser responsabilizáveis; e contar com uma supervisão independente. São princípios irretocáveis. A questão é como implementá-los.

No Brasil, o Marco Civil da Internet (2014), apoiando-se em três pilares – a neutralidade, a liberdade de expressão e a proteção à privacidade –, deu um passo histórico rumo a uma rede, nas palavras de Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web, “aberta, neutra e descentralizada, em que os usuários são o motor para a colaboração e inovação”.

Desde 2020, o Congresso busca aprimorar esse arcabouço por meio do Projeto de Lei (PL) de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Apelidado PL das “Fake News”, ele vai além delas, abordando questões como o status jurídico das redes, veiculação e remuneração de conteúdo jornalístico, publicidade digital, privacidade e compartilhamento de dados e moderação de conteúdo. Aprovado no Senado, o PL passou por modificações na Câmara, e agora tramita em regime de urgência.

Boa parte do projeto foca em mecanismos elementares de transparência e responsabilização. As plataformas, por exemplo, serão obrigadas a ter representantes no Brasil e publicar relatórios divulgando métodos e procedimentos.

As redes terão a obrigação de remover e notificar conteúdos manifestamente ilegais, mas em relação a conteúdos tóxicos, porém ambíguos, como “desinformação” ou “discurso de ódio”, o projeto tem o mérito de focar mais na punição de comportamentos abusivos (como o uso de robôs e disparos em massa) do que na supressão de publicações. Também estabelece restrições para o uso por crianças e dá poder aos pais. De um modo geral, o projeto privilegia a autorregulação das redes, supervisionada por uma agência independente.

Os críticos acusam uma tramitação açodada em dispositivos que comportariam riscos à liberdade de expressão e aos modelos de negócios das plataformas. É possível que esses riscos existam. Mas, de um modo geral, o espírito do projeto é sadio e a urgência é justificada – vide o papel das redes nos atentados do 8 de Janeiro ou a escolas. Muitos problemas já foram solucionados ao longo de três anos; outros podem ser discutidos agora (depois da Câmara, o projeto voltará ao Senado); e certamente outros surgirão após a implementação da lei. Mas a urgência não elimina as discussões, ela preserva as que já ocorreram até agora e intensifica as que precisam ser feitas. Se a lei vier a pecar por excessos, a democracia tem todos os instrumentos para repará-los. O que não é tolerável é que as redes sociais continuem a ser uma terra sem lei.

A formidável participação da cultura no PIB

O Estado de S. Paulo

A cultura, tratada por muitos como secundária, tem peso na economia equivalente ao do setor automotivo; por isso, merece políticas públicas sérias, não ideológicas

A área cultural, uma das grandes expressões da identidade nacional e fonte de imenso orgulho para os brasileiros, foi severamente desprezada pelo governo passado. Mas esse desprezo não significou apenas uma afronta ao sentimento da população por sua arte, sua música e sua literatura. Ele revelou também incompreensão a respeito do papel do setor na economia do País.

Lançada recentemente pelo Observatório Itaú Cultural, a plataforma de mensuração do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) no Brasil constatou participação significativa do setor na economia nacional. Respeitando as especificidades da área, o cálculo leva em conta os salários dos profissionais, os lucros das empresas, os rendimentos diversos de empresas e indivíduos, o que inclui trabalhadores sem carteira assinada, e a renda gerada por meio da Lei Rouanet.

Em 2020, ano mais recente com dados disponíveis, os setores de produção artística, patrimônio e economia criativa movimentaram R$ 230,14 bilhões, representando 3,11% do PIB (de R$ 7,4 trilhões). Naquele ano, a participação foi maior, por exemplo, do que a do setor automotivo (2,06%). Em 2020, os setores criativos empregaram cerca de 7,4 milhões de trabalhadores.

No período entre 2012 e 2020, o PIB da Ecic apresentou certa volatilidade, com uma média de participação de 2,63% na economia nacional. Os números indicam que o setor segue uma tendência cíclica, acompanhando, entre outros fatores, o patamar de investimento público e a própria dinâmica do PIB nacional. De toda forma, “o setor parece apresentar certa estabilidade em termos de contribuição para a economia do País”, afirmou o Observatório Itaú Cultural, destacando o crescimento nos últimos anos, com média de aumento de participação no PIB brasileiro de 0,26% por ano. Segundo as evidências disponíveis, o fortalecimento do setor vincula-se à tendência de valorização do conhecimento, à maior demanda por criatividade e a alterações no padrão de consumo das famílias.

O levantamento detectou também diferenças na contribuição da Ecic para o PIB por Estado, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina.

Na comparação internacional, feita a partir de dados da Unesco, a Ecic do Brasil oferece uma contribuição maior para a economia nacional do que a verificada em países de nível similar de desenvolvimento. No México, o setor contribui com 2,9% do PIB. Na África do Sul, com 2,97%.

A medição e o acompanhamento de PIB setoriais são importantes instrumentos para a formulação de políticas públicas, possibilitando, entre outros aspectos, identificar áreas em crescimento que se mostram aptas a gerar dinamismo sobre toda a economia de um país. Como lembra o Observatório Itaú Cultural, políticas públicas bem desenhadas podem estimular a atividade econômica total por meio desses setores, ao prover, por exemplo, condições para mais investimentos em infraestrutura.

Além dos possíveis impactos positivos sobre toda a atividade econômica, o estudo do setor da cultura e criatividade sob a perspectiva econômica é oportunidade para compreender novos padrões de consumo e paradigmas tecnológicos; por exemplo, a tendência observada em muitos países de uma crescente valorização do consumo de bens e serviços intangíveis (de valor subjetivo) em relação ao consumo de produtos.

De forma cada vez mais intensa, a área da cultura e criatividade é alternativa potente e sustentável para a geração de renda, emprego e riqueza. Seria um imenso erro o poder público olhar o setor com lentes político-ideológicas, sejam quais forem suas cores. A cultura tem evidente caráter estratégico para o País, merecendo políticas públicas sérias, baseadas em evidências, e não em preconceitos. Naturalmente, não é questão de promover bandeiras ideológicas nem muito menos guerras culturais – ações que fogem aos limites e às finalidades de um Estado Democrático de Direito. É oportunidade de cuidar, de forma concreta, do interesse público no curto, médio e longo prazos.

O resultado de uma boa reforma

O Estado de S. Paulo

Mudança na Previdência de São Paulo, negociada a duras penas, abre espaço para investimentos

O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Município de São Paulo é hoje o exemplo mais bem acabado para o País de como a gestão eficiente de um sistema previdenciário, pelas três esferas de governo, pode produzir impactos positivos diretos na vida das pessoas.

Desde que as mudanças no RPPS-SP foram aprovadas pela Câmara Municipal, em 2021, a Prefeitura conseguiu reduzir o déficit atuarial do sistema (projetado para 75 anos) em impressionantes R$ 100 bilhões. Em valores anuais, o rombo caiu de R$ 5,6 bilhões em 2020 para R$ 2,9 bilhões em 2022. Na prática, isso significa mais dinheiro disponível no Tesouro municipal para que o governo invista em projetos de saúde, educação, zeladoria e infraestrutura, entre outros.

Os resultados positivos do RPPS-SP mostram que a boa administração do sistema previdenciário não só é exequível, modulando suas regras de acordo com os imperativos demográficos de seu tempo, entre outros fatores socioeconômicos, como é primordial para garantir a assistência aos beneficiários de hoje e do futuro, além de assegurar que o Poder Executivo tenha condições de investir recursos em políticas públicas que melhorem a qualidade de vida da população – objetivo fundamental de todo governo que se preze.

Os números que mostram um caminho pavimentado para o equilíbrio do sistema previdenciário da cidade de São Paulo consagram a coragem e a determinação da Prefeitura – ainda na gestão de Bruno Covas, seguida quase integralmente por seu sucessor, Ricardo Nunes – para enfrentar resistências ao projeto de reforma do RPPS-SP, sempre por meio do diálogo político no âmbito da Câmara Municipal, principalmente, e entidades representativas dos servidores públicos. O que esteve em debate não foram mudanças triviais, tampouco populares. Uma das novas regras aprovadas, por exemplo, foi o aumento da base de contribuição de aposentados e pensionistas, questão para lá de espinhosa.

Por mais duras que tenham sido, as negociações em torno dessas mudanças agora geram resultados reconhecidos por especialistas, entre os quais Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. “A Prefeitura de São Paulo está fazendo o dever de casa e seu equacionamento previdenciário é o mais avançado do País”, disse Velloso ao

Estadão. Não fosse a reforma, afirmou Velloso, “a Prefeitura de São Paulo poderia passar 14 anos com investimentos abaixo de R$ 2 bilhões, até zerar em 2036”. Seria um desastre, pois a Prefeitura não teria meios de acompanhar pari passu os constantes desafios que as transformações de uma metrópole como São Paulo impõem àqueles que se dispõem a administrá-la.

Por fim, é imperioso ressaltar que os auspiciosos resultados alcançados pela administração da capital paulista no gerenciamento do RPPS-SP até agora não vieram sem uma grande cota de sacrifício dos contribuintes. É mais do que justo – é um imperativo moral – que esses esforços sejam recompensados pela Prefeitura com investimentos à altura para melhorar a oferta e, sobretudo, a qualidade dos serviços aos paulistanos, precários em algumas áreas.

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