sexta-feira, 5 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Bolsonaro começa longa prestação de contas à Justiça

Valor Econômico

Enquanto presidente, Jair Bolsonaro perseguiu as vacinas contra a covid-19, negou seus efeitos, retardou sua compra em doses necessárias para a população brasileira e jurou que nunca seria imunizado. Fora da Presidência, vacinas passaram a perseguir Bolsonaro. O ex-presidente foi alvo nesta semana de uma operação de busca e apreensão em um de seus endereços pela Polícia Federal, assim como 15 pessoas. Seu ex-ajudante de ordens, faz-tudo e conselheiro, o tenente-coronel Mauro Cid, foi preso. A acusação: falsificação de dados sobre vacinação contra covid-19, com inserção indevida nos registros públicos.

É irônico que vacinas sejam fonte da primeira investida da Justiça contra o ex-presidente. A falsificação, pela qual Cid é o principal suspeito, é um problema menor diante das ações e omissões de Bolsonaro, que lhe renderam 16 processos na Justiça Eleitoral, vários deles com um arsenal de provas explícitas, que dispensam investigação e que podem condená-lo, no mínimo, à inelegibilidade e, no máximo, à prisão. Os atos de Bolsonaro que o levam ao radar da Justiça costumam arrastar consigo um bando de gente que tem, quase sempre, um pé no sub-mundo do crime e das milícias.

O ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, já esteve envolvido em uma série de operações suspeitas, como saques no cartão corporativo da Presidência para pagar contas da ex-primeira dama, Michelle. A mais recente, e talvez principal peripécia de Cid, foi a tentativa de trazer para o arquivo pessoal (bolso) de Bolsonaro joias das Arábias no valor de R$ 16,5 milhões. Os rastros de ilegalidades de Cid haviam chamado a atenção da Justiça muito antes, por sua suposta ligação com as milícias digitais, e suas conversas nada republicanas com o blogueiro golpista Allan dos Santos, sobre a necessidade de intervenção das Forças Armadas para manter Bolsonaro no poder.

No inquérito sobre milícias digitais, Cid apareceu fortuitamente como ator principal da inclusão ilegítima de familiares de Bolsonaro, seus e de outras pessoas no registro oficial de vacinação contra a covid-19.

A tentativa para registrar ilegalmente a imunização de sua própria esposa, Gabriela, de Bolsonaro e sua filha Laura, levaram Cid a pedir a ajuda do advogado e militar da reserva, Ailton Barros, para conseguir que todos pudessem viajar com o então presidente, para Miami, antes da posse do presidente eleito Lula. Um favor leva a outro e Ailton pediu a intercessão de Cid para quebrar um galho para o ex-vereador Marcelo Siciliano em problemas com o consulado americano no Rio. Marcelo foi acusado de ser o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco. A investigação foi arquivada. Barros, em conversas gravadas pela Polícia Federal, afirmou saber quem mandou matá-la.

Bolsonaro é acusado, pela suposta participação em falsificação da carteira de vacinação, de seis crimes inscritos no Código Penal. Ele pode escapar de punição, mas foi surpreendido pela natureza da investida policial, que veio de um assunto que não constava de nenhuma das investigações correntes e cuja gravidade é menor, se considerados os processos em que está envolvido - 16 deles correndo apenas no TSE. Um dos fatores, talvez o principal, que o levou a ser derrotado na tentativa de reeleição foi sua atuação criminosa durante a pandemia, que matou mais de 700 mil brasileiros.

Sua assombrosa campanha contra as vacinas, e sua zombaria aos que buscavam se proteger da covid-19 com o imunizante, em vez da cloroquina por ele receitada, foi o principal capítulo da maior tragédia sanitária da história nacional. O sigilo de 100 anos que impôs sobre sua carteira de vacinação chamou a atenção como uma medida protetiva dispensável, e estranha, de um propagandista tão radical contra a medicação. A obtenção da comprovação da vacina por meios ilegais, se comprovada, seria uma mais demonstração de sua pusilanimidade, já exibida em muitas outras ocasiões.

A estratégia de Bolsonaro deverá ser a mesma que sempre usou, eximir-se de responsabilidade e deixar a culpa recair nos auxiliares diretos, que lhe são fiéis, como o tenente-coronel Mauro Cid, e Anderson Torres, que não o incriminam. O ex-presidente a empregou também para tentar se desvencilhar da ligação com os ataques anti-democráticos de 8 de janeiro, quando já tinha partido para os EUA sem transmitir o cargo. Sobre os participantes da fuzarca, disse, em entrevista: “Tinha baderneiro lá, tinha marginal... Mas a grande maioria estava lá de bobo”.

A operação da PF de terça-feira foi a avant- première da longa prestação de contas de acusações crimes cometidos, plenamente documentados, como a reunião com embaixadores de vários países para pôr em dúvida o sistema eleitoral brasileiro, e a inação diante da tentativa de atravessadores obterem comissões de intermediação de compra de vacinas sobre a qual foi informado pessoalmente. A CPI da Covid reuniu mais 10 infrações cometidas pelo então presidente. A Justiça, respeitado o devido processo legal, tem o dever de julgar inúmeros atos contra a democracia e as leis que ele cometeu em seu mandato.

Restaurar controles da LRF é crítico no arcabouço fiscal

O Globo

Sem contingenciamento, haverá incentivo para o governo descumprir as metas agressivas que anunciou

É feliz e desejável a intenção do deputado Cláudio Cajado (PP-BA), relator do projeto do novo arcabouço fiscal, de restaurar as obrigações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), deixadas de lado na versão encaminhada ao Congresso pelo governo. O texto que ele deverá levar adiante para discussão ainda não veio a público, mas o caminho apontado em reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece ser o melhor possível para aperfeiçoar as lacunas da proposta.

Pelos termos da LRF em vigor, há uma avaliação bimestral do cumprimento das metas. Caso elas estejam em risco, o governo tem a obrigação de bloquear gastos por meio do mecanismo conhecido como “contingenciamento”. Trata-se de uma garantia de que o Estado fará o melhor possível para cumprir o compromisso de resultado primário. O texto do arcabouço entregue pelo governo prevê três relatórios anuais de acompanhamento, mas o desobriga de bloquear gastos se a meta estiver ameaçada. Na prática, acaba funcionando como incentivo à incúria fiscal.

Restaurar o bloqueio é medida essencial para que haja alguma chance de o novo arcabouço funcionar. Outra medida fundamental é manter, em caso de descumprimento da meta fiscal, a punição ao presidente por crime de responsabilidade, no limite sujeito a impeachment. O texto encaminhado ao Congresso apenas impõe que ele assine uma carta enviada ao Parlamento com suas justificativas. É o equivalente a trocar a ameaça de uma sanção grave por uma obrigação burocrática. Mais um incentivo à incúria fiscal.

A mecânica do arcabouço apresentado ao Congresso já é, por si só, objeto de críticas consistentes de economistas respeitados e dos maiores especialistas em contas públicas. Ao imporem às despesas um crescimento anual acima da inflação entre 0,6% e 2,5%, sem criar ajuste equivalente nas rubricas vinculadas constitucionalmente às receitas (como saúde e educação), as novas regras acabarão por comprimir os recursos disponíveis para os demais gastos ao longo do tempo. Fora isso, o impacto na Previdência do reajuste real do salário mínimo, o piso salarial da enfermagem e outras obrigações criadas pelas PECs da Transição e dos Precatórios estabelecem um ponto de partida elevado para os gastos em relação ao PIB, gerando uma situação em que será necessário um aumento brutal na arrecadação para o governo cumprir as metas.

Esse risco é intrínseco ao arcabouço e parece incontornável. Dificilmente a mecânica das regras apresentadas pelo Executivo mudará no Congresso, a não ser que se resolva recriar um teto para os gastos sob uma nova roupagem. Com o enfraquecimento dos controles e sanções da LRF, porém, não haverá apenas probabilidade alta, mas incentivo ao descumprimento das metas. Seria inaceitável.

O governo não pode criar uma regra apenas para fingir que está fazendo algo em nome das contas públicas, sabendo que no final ela será descumprida e nada acontecerá. Restaurar os controles e sanções da LRF, como sugere o relator, é o mínimo para garantir que haverá algum esforço do governo em nome da austeridade e que o novo arcabouço não será apenas um jogo de faz de conta.

Câmara corrige retrocesso promovido por Lula no Marco do Saneamento

O Globo

Cabe ao Senado referendar decisão, para que o Brasil tenha chance de levar água e esgoto aos miseráveis

A Câmara dos Deputados teve o bom senso de corrigir um dos maiores retrocessos promovidos pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva nos seus primeiros cem dias. Por 295 votos a 136, os deputados derrubaram na quarta-feira trechos de decretos assinados por Lula no começo de abril alterando o marco regulatório do saneamento, aprovado pelo Congresso há três anos. Espera-se que os senadores confirmem o reparo feito na Câmara.

No Brasil, quase 35 milhões não têm acesso à água tratada, e 100 milhões vivem sem coleta de esgoto. É uma tragédia com consequências nefastas na saúde da população. Dados do Banco Mundial mostram que, em saneamento, o Brasil está atrás de países com renda bem inferior, como Honduras, Bolívia, Peru ou Mongólia.

A principal causa dessa vergonha nacional foi o modelo baseado em empresas estatais, municipais e estaduais. Na maioria dos casos, elas servem de cabides de empregos para correligionários de prefeitos e governadores, sem prestar serviços satisfatórios, cobrar tarifas justas ou investir o necessário para suprir a deficiência crônica de água e esgoto que mantém boa parte da população em condições insalubres. Quem tem saneamento paga um preço baixo. Quem não tem está jogado à própria sorte.

Aprovado em 2020, o Novo Marco do Saneamento Básico criou regras para aumentar a competição entre empresas públicas e privadas com um objetivo: levar, até 2033, água potável a 99% da população e tratamento de esgoto a 90%. O prazo ainda está três anos além das metas das Nações Unidas, mesmo assim era o possível. Em pouco tempo, as mudanças se fizeram sentir. Além da venda da Cedae no Rio de Janeiro, houve licitações em Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Amapá, Ceará e Goiás. Os investimentos garantidos pelas concessionárias somam R$ 72,2 bilhões. A população atendida pelo setor privado pulou de 14% para 23%.

Há cerca de um mês, apesar de ter sido eleito empunhando a bandeira do combate à miséria, Lula assinou decretos cujo único objetivo era atender à demanda de corporações sindicais e prefeituras interessadas na sobrevida de empresas municipais e estaduais, as maiores responsáveis pelo atraso no saneamento. Uma das medidas reduziu exigências para que as estatais comprovassem sua capacidade de investir. Outra permitiu que companhias estaduais prestassem serviço sem licitação em microrregiões, regiões metropolitanas e aglomerações urbanas mediante autorização de entidade representativa.

Nos últimos 30 dias, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pressionou o governo para que fizesse as correções cabíveis, mas nada aconteceu. Na quarta-feira, a resposta veio na votação que derrubou as medidas mais retrógradas do decreto presidencial. A questão agora será analisada pelo Senado, que precisa referendar a decisão para manter a essência do marco do saneamento. O Legislativo merece aplauso quando corrige erros do Executivo.

O PIB resiste

Folha de S. Paulo

Sobem projeções para este ano, mas é preciso corrigir rumos para um melhor 2024

A atividade econômica no Brasil está em desaceleração, mas em ritmo bem menor do que o esperado. Os números do desempenho de emprego, varejo e serviços de fevereiro e março foram uma surpresa positiva, assim como o indicador de atividade do Banco Central.

Economistas do setor privado passaram a revisar suas previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto neste 2023, alguns para a cercania de 2%. O Ministério da Fazenda também deve revisar suas estimativas para cima.

Tal estado de ânimo ainda não é evidente nas projeções do Boletim Focus, publicação do BC que compila projeções do mercado. No último boletim, com dados de 28 de abril, a expectativa mediana de crescimento do PIB é de 1%.

Os motivos dos resultados em certa medida surpreendentes são, provavelmente, um nível de emprego e rendimento do trabalho ainda crescentes em relação ao ano passado, o aumento da despesa com benefícios sociais e a grande safra agrícola. Embora o total de concessões de novos empréstimos para empresas esteja em queda desde o final de 2022, o crédito para pessoas físicas ainda resiste.

É possível que o PIB trimestral passe a recuar a partir de metade do ano. As taxas de juros bancários estão altas, a inadimplência aumentou, a captação de recursos no mercado de capitais estava em forte queda até março.

O ritmo da economia mundial é declinante, na média. A confiança de empresários e consumidores parou de diminuir em março, mas se encontra em níveis desanimadores. Por ora, não há sinais de novos impulsos para a atividade econômica, a não ser que sobreviesse expressiva queda da inflação.

A economia aquecida deve ser também um dos motivos da até agora persistente alta de preços. Em decorrência, a Selic deve baixar menos e mais devagar, o que foi sublinhado na quarta (3) pelo BC.

É mais empecilho para uma retomada em 2024. Segundo o Focus, a mediana da previsão de crescimento para o ano que vem é de 1,4%.

No entanto é possível melhorar os ânimos. Uma regra fiscal mais rigorosa quanto a metas de superávits e menos tolerante com o aumento de despesas pode contribuir para melhoras em taxas de câmbio e de juros no mercado, assim como o faria uma aprovação da reforma tributária.

Evitar retrocessos na regulação do investimento privado também seria uma contribuição de valor.

O governo perdeu tempo e boa vontade ao criar polêmicas contraproducentes, em vez de se dedicar à reconstrução das instituições e à inovação nas políticas públicas e econômica. Ainda é tempo de rever prioridades e melhorar as perspectivas para 2024.

Mercado verde

Folha de S. Paulo

Restrição da UE a produtos de desmate mostra futuro difícil para agro predatório

O Parlamento Europeu aprovou norma que proíbe a venda de commodities oriundas de desmatamento nos 27 países da União Europeia (UE). A restrição não se aplica só a madeira, mas a uma lista de produtos primários que inclui carne, soja, café, cacau e óleo de palma. Ademais, entram produtos derivados desses insumos, como couro, chocolate e móveis.

O continente recebe cerca de 60% das exportações de farelo de soja do Brasil. Também compra grande quantidade de soja e milho em grãos, além de metade do café vendido ao exterior. Não é mercado que se possa desmerecer.

A Associação Brasileira do Agronegócio emitiu protesto débil contra a medida. Alegou que a UE atropelou a legislação nacional, cujo Código Florestal admite desmatamento legal, em percentuais variáveis conforme o tipo de bioma (20% da propriedade na floresta amazônica, por exemplo).

Grandes empresas compradoras e exportadoras de grãos, contudo, aderiram já em 2008 à chamada moratória da soja, rejeitando produto colhido em áreas de derrubada recente na Amazônia. Várias se preparam para eliminar o desmate em suas cadeias produtivas até o fim desta década.

A norma europeia, contudo, não é panaceia. Afinal, o Brasil está cada vez mais dependente da China. Nos últimos dez anos, as exportações agrícolas para lá somaram US$ 302 bilhões —ante US$ 44,5 bilhões dos dez anos anteriores. Em 2022, 63% da soja e 43% da carne exportados pelo Brasil foram comprados pelo gigante asiático.

Não há chance de retrocesso, embora tal miragem tenha sido vendida pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e comprada, sem lastro, pela banda atrasada do campo. Os quatro anos de vistas turvadas pela ideologia acabaram, e a conta chegou.

O setor agrícola responde por três quartos das nossas emissões de gases do efeito estufa —por meio de desmatamento, produção de metano na digestão bovina, uso de fertilizantes nitrogenados e combustíveis fósseis.

O país tem contribuição significativa a dar para combater a mudança do clima. É o que o mundo espera, e o certo a fazer.

No front doméstico, a pressão voltou com a troca de governo. Marina Silva volta ao Ministério do Meio Ambiente e reativa o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, que derrubou as taxas de devastação após 2004.

Os inquéritos do fim do mundo

O Estado de S. Paulo

STF usa inquéritos sobre fake news para assuntos como a vacinação de Bolsonaro

Se ainda havia espaço para alguma dúvida, nesta semana ficou patente que os Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF, do Supremo Tribunal Federal (STF), estão servindo a propósitos muito distantes de seus objetivos originais. O primeiro foi aberto para apurar fake news e ameaças contra o Supremo, e o segundo, para investigar atuação de milícias digitais contra o Estado Democrático de Direito. No entanto, foram usados agora para remover da internet conteúdo sobre projeto de lei em tramitação no Congresso e para investigar falsificação de cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Observa-se, nos dois casos, uso rigorosamente irregular dos inquéritos, descumprindo regras básicas do ordenamento jurídico. Além de prazo para terminar, toda investigação deve ter objeto certo e determinado. E nenhum juiz dispõe de competência universal.

Acertadamente, anos atrás, o STF rejeitou o entendimento expansivo da Lava Jato, no sentido de que todo indício criminoso envolvendo governo federal e partidos políticos deveria ser investigado e julgado pela 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. No julgamento, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou o absurdo de transformar uma única vara em “juízo universal de combate à corrupção”. De fato, a interpretação do então juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Operação fez parecer, em determinado momento, que todos os grandes casos de corrupção do País ficariam concentrados em um único magistrado. Sob pretexto de combater a impunidade, burlou-se o princípio do juiz natural, que, como Moraes lembrou na ocasião, “é importante garantia de imparcialidade”.

Agora, o País assiste a uma situação similar. Sob pretexto de defesa da democracia em circunstâncias excepcionais, o STF mantém abertos inquéritos que, na prática, estão conferindo uma espécie de competência universal à Corte e, em concreto, ao relator, o ministro Alexandre de Moraes. Os limites foram ultrapassados. O que era para investigar fake news contra o Supremo foi usado para arbitrar debate sobre projeto de lei.

O STF agiu corretamente ao abrir os inquéritos. Existia fundamento jurídico a justificar a competência da Corte nessas investigações. No entanto, não existe fundamento jurídico para tornar esses inquéritos perpétuos, menos ainda para, servindo-se deles, transformar o ministro Alexandre de Moraes em “juízo universal de defesa da democracia”.

Essas investigações tiveram papel fundamental. Em momentos especialmente difíceis, elas representaram a eficaz reação do Estado brasileiro contra quem queria vandalizar o regime democrático. Precisamente por isso, devem ser concluídas, como dispõe a lei. Manter os inquéritos abertos, além de ser ocasião para novas medidas irregulares, coloca em risco o bom trabalho feito antes. A Lava Jato não foi um aprendizado suficiente? Não há apoio popular, nem circunstância política, capaz de legitimar métodos ilegais. Transigir com tais práticas é fazer um tremendo desserviço ao País.

Sem ingenuidade, é preciso reconhecer a oportunidade. Os dois episódios desta semana – arbitrar debate público por meio de inquérito policial e pendurar apuração de falsificação de cartão vacinação contra covid em procedimento relativo a crimes contra o Estado Democrático de Direito – facilitaram o trabalho do colegiado do Supremo. Eles são muito acintosos para serem relevados. Não se pode tapar o sol com peneira. A condução atual dos Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF não está de acordo com a lei e a jurisprudência do Supremo.

O Judiciário tem pela frente um enorme trabalho em defesa da lei e das instituições democráticas; em concreto, o processamento das investigações e denúncias do 8 de Janeiro e o vasto campo de indícios relacionados a Jair Bolsonaro. Não há dúvida de que o caso do cartão de vacinação é apenas o começo. Diante desse cenário, o STF tem o dever de respeitar a lei e sua jurisprudência. A intransigência da Corte com o erro é o que assegura a tão necessária autoridade do Judiciário, especialmente nestes tempos conturbados.

Em defesa da liberdade de imprensa

O Estado de S. Paulo

O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa serve para lembrar que a imprensa livre é um pilar da democracia, pois funciona como anteparo às mentiras que distorcem o debate público

Não existe democracia sem liberdade de imprensa. Na verdade, ambas são inseparáveis, e os ataques a uma atingem a outra. Nestes tempos de desinformação e falsas notícias em escala industrial, a liberdade de imprensa constitui verdadeiro anteparo às mentiras e ambições de quem busca o poder a qualquer custo − e o exerce à revelia dos fatos, tentando passar por cima de tudo e todos. Não surpreende, então, que a imprensa livre e o direito fundamental à informação sejam alvo constante de ameaças. Uma realidade que só reforça a relevância do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio.

Sem dúvida, a escalada liberticida que hoje varre o planeta amplia o simbolismo dessa data instituída há 30 anos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Infelizmente, o cenário internacional não é nada animador, e isso ficou claro no mais recente relatório do instituto sueco V-Dem, que periodicamente traça um panorama da realidade política em mais de 180 países. No ano passado, pela primeira vez desde 1995, havia mais ditaduras do que democracias plenas no mundo, ao passo em que também cresce o número de países classificados como democracias falhas e autocracias eleitorais.

Vale notar que a liberdade de imprensa é atacada pelos mais diversos lados do espectro ideológico. Governos de esquerda, direita e populistas em geral não medem esforços para restringir e controlar o trabalho da imprensa, privando a sociedade de um direito essencial: o livre acesso à informação, base para o exercício da cidadania e para os demais direitos fundamentais. Lamentavelmente, perseguir e prender jornalistas, censurar publicações e proibir o funcionamento de veículos de comunicação são iniciativas que se repetem em diferentes partes do mundo, como se fizessem parte de uma espécie de manual universal dos inimigos da democracia − ao lado da asfixia financeira, da intimidação e da incitação à violência contra profissionais, entre outras estratégias.

Em sua mensagem por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o secretário-geral da ONU, António Guterres, destacou que “a liberdade de todos depende da liberdade de imprensa”. De fato, calar a imprensa é abrir a porta para o arbítrio e para desmandos de toda natureza, inclusive para a corrupção. Corretamente, Guterres afirmou que “a liberdade de imprensa representa a própria essência dos direitos humanos”. Algo que regimes autoritários, como se sabe, não toleram.

A diretora-geral da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Audrey Azoulay, acrescentou um dado grave: o número de jornalistas assassinados aumentou em 2022, com 86 profissionais mortos − mais da metade na América Latina e no Caribe, região mais afetada por esse tipo de violência no mundo. Ela chamou a atenção ainda para perseguições a jornalistas na internet, uma forma de intimidação crescente, sobretudo contra profissionais mulheres.

Ataques ao jornalismo e à liberdade de imprensa se intensificam em meio à disseminação de fake news nas redes sociais, uma verdadeira epidemia global capaz de influenciar o resultado de eleições e de pôr em risco a saúde e a vida de populações inteiras − como se viu na pandemia de covid-19, com o negacionismo científico dificultando o trabalho de autoridades sanitárias. No Brasil, a desinformação virou política oficial sob o governo do então presidente Jair Bolsonaro, a ponto de que veículos de comunicação, entre eles o Estadão, tenham tido que formar um consórcio para monitorar e divulgar estatísticas de mortos e infectados pela covid-19, pois o Ministério da Saúde dificultou o acesso aos dados.

Mais que nunca, defender a liberdade de imprensa é um imperativo para quem tem compromisso com a busca da verdade, com a construção da República, com a garantia dos direitos fundamentais e com a liberdade de escolha dos cidadãos − princípios que orientam este jornal há mais de um século e são reiteradamente defendidos aqui neste espaço. Eis uma missão que se renova diariamente com a certeza de que a liberdade de imprensa é caminho indispensável ao desenvolvimento do Brasil.

Luz no fim de um longo túnel

O Estado de S. Paulo

Sinalização de fim do aperto monetário é boa notícia, mas o governo precisa colaborar

Mais importante do que suas decisões sobre juros, anunciadas na quarta-feira e amplamente esperadas, foi o recado embutido nos comunicados dos Bancos Centrais (BCs) do Brasil e dos Estados Unidos, abrindo a possibilidade do fim do atual ciclo de aperto monetário. Não de imediato, mas aumentaram as chances de uma mudança acontecer neste ano.

O Banco Central brasileiro manteve a taxa Selic em 13,25% ao ano pela sexta vez consecutiva. O Banco Central americano (o Fed) elevou os juros em 0,25 ponto porcentual para 5,25% ao ano. Poucos especialistas apostavam que seriam aprovadas medidas diferentes dessas.

Como em muitos outros países, a expectativa das autoridades é forçar a queda da inflação com o desaquecimento da economia via aperto de crédito – o que já se observa globalmente. O Banco Central Europeu (BCE) também mostrou moderação ao elevar sua taxa de juros em 0,25 ponto porcentual (de 3,50% para 3,75%), e nas três reuniões anteriores o aumento havia sido de 0,50 ponto.

No caso brasileiro, chama a atenção a sutil, mas relevante, mudança nas palavras do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom). Nos informes anteriores, desde agosto do ano passado, o BC tinha alertado que não hesitaria em retomar o ciclo de aumento dos juros caso o processo de desinflação não transcorresse como esperado. Desta vez, foi acrescentado que se considera um novo aperto monetário “um cenário menos provável”. E avaliou que o envio pelo Ministério da Fazenda ao Congresso de um plano fiscal reduziu a incerteza nessa área.

No caso americano, a tendência seria de novos aumentos dos juros nos próximos meses, como disse o presidente do Fed, Jerome Powell. Pesou, porém, a crise bancária que se desenrola no país desde março. Bancos regionais dos EUA entraram em colapso, com impacto sobre a oferta de crédito. Se o Fed continuasse elevando o custo do dinheiro nas próximas reuniões, a tendência seria de aprofundar o cenário desfavorável ao funcionamento de bancos.

Como em outros países, inclusive nos EUA, a economia brasileira vive momentos de indefinição sobre seus rumos no segundo semestre de 2023, com indicadores muito negativos e outros sintomas não tão ruins. A perspectiva de redução dos juros, ainda que mais demorada do que gostaria o governo do presidente Lula da Silva, pode ajudar a animar investimentos no setor produtivo.

Desde a posse da nova administração, a política monetária do BC tem convivido com fogo cerrado do próprio Lula e dos ministros da área econômica, além de petistas. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, repetiu que “nenhum banco central quer juros altos, a gente quer baixar os juros”, e declarou que juros altos são um problema de todos – governo, sociedade e Banco Central. Tem razão. Quanto mais responsável for o governo e quanto maior for o respeito pelos fundamentos da economia, maior a possibilidade de o Brasil voltar a conviver com um nível de juros civilizado.

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