sexta-feira, 5 de maio de 2023

Laura Karpuska* - Pensar

O Estado de S. Paulo

Na ânsia do fazer, hoje facilitado pela tecnologia, pode-se perder um pouco do prazer pelo estudo

Os professores de economia enfrentam um desafio particular para dar aula. O desafio da realidade. Para aqueles que ensinam a parte mais matemática e estatística da economia, não é possível passar uma semana sem ouvir dos alunos, normalmente excelentes alunos, “mas como isso se aplica à vida real?”.

Já gastei minutos de aula motivando, trazendo exemplos, esticando cordas para tentar aproximar o que eu explicava ali na lousa usando números e letras gregas com a realidade. Mas nem sempre isso é possível.

Há algum tempo eu tive uma epifania. Eu precisava dizer claramente para os alunos que era excelente que nem tudo fosse diretamente aplicado mesmo. Parte da nossa formação intelectual é receber ferramentas que, sim, nos ajudam a enxergar o mundo. Mas, também nos treinamos para pensar o mundo além do que ele é. É apenas na abstração que podemos conceber um outro mundo possível.

Lembrei de uma história que ouvi durante o doutorado. Robert Aumann, matemático Nobel em Economia em 2005, quando jovem gostava de estudar Teoria dos Nós, literalmente o estudo matemático de nós. Quem me contou a história também disse que a teoria era considerada pouco útil e aplicada entre os matemáticos na época. Divago e me pergunto como os professores há décadas motivaram sua relevância aplicada – e se os alunos da época se importavam com isso. Mas, segundo a lenda, Aumann estudava isso porque, bem, porque gostava. Sim, pelo prazer intelectual de aprender e pensar sobre nós de forma matemática. Será que isso se perdeu?

A vida, e o que é aplicável, dá voltas. A Teoria dos Nós é hoje usada no estudo do genoma humano. O imediatismo que vivemos na nossa sociedade também está nos ambientes intelectuais. A ânsia pelo saber parece, ao menos parcialmente, substituída pela ânsia de aplicar o conhecimento. Alunos de economia hoje saem da faculdade programando em diversas linguagens, usando bancos de dados riquíssimos. Algo inimaginável há poucas décadas.

Mas, às vezes, na ânsia do fazer, hoje facilitado pela tecnologia, pode-se perder um pouco do prazer pelo estudo em si. Acredito que seja esse prazer que possibilita que barreiras de conhecimento possam ser verdadeiramente transpostas. Como disse uma grande economista com quem conversei recentemente, Hülya Eraslan, “somos mais espertos do que nossos dados”. Não há ChatGPT que possa ocupar o lugar de uma mente pensante – o que não vale para todos os ofícios, infelizmente.

Ainda bem que por séculos matemáticos estudaram aparentes inutilidades. Que a gente possa continuar pensando em coisas não aplicadas, para que o amanhã seja diferente.

*Professora do Insper, PH.D. em Economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook

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