O Estado de S. Paulo
Na ânsia do fazer, hoje facilitado pela tecnologia, pode-se perder um pouco do prazer pelo estudo
Os professores de economia enfrentam um
desafio particular para dar aula. O desafio da realidade. Para aqueles que
ensinam a parte mais matemática e estatística da economia, não é possível
passar uma semana sem ouvir dos alunos, normalmente excelentes alunos, “mas
como isso se aplica à vida real?”.
Já gastei minutos de aula motivando,
trazendo exemplos, esticando cordas para tentar aproximar o que eu explicava
ali na lousa usando números e letras gregas com a realidade. Mas nem sempre
isso é possível.
Há algum tempo eu tive uma epifania. Eu precisava dizer claramente para os alunos que era excelente que nem tudo fosse diretamente aplicado mesmo. Parte da nossa formação intelectual é receber ferramentas que, sim, nos ajudam a enxergar o mundo. Mas, também nos treinamos para pensar o mundo além do que ele é. É apenas na abstração que podemos conceber um outro mundo possível.
Lembrei de uma história que ouvi durante o
doutorado. Robert Aumann, matemático Nobel em Economia em 2005, quando jovem
gostava de estudar Teoria dos Nós, literalmente o estudo matemático de nós.
Quem me contou a história também disse que a teoria era considerada pouco útil
e aplicada entre os matemáticos na época. Divago e me pergunto como os
professores há décadas motivaram sua relevância aplicada – e se os alunos da
época se importavam com isso. Mas, segundo a lenda, Aumann estudava isso
porque, bem, porque gostava. Sim, pelo prazer intelectual de aprender e pensar
sobre nós de forma matemática. Será que isso se perdeu?
A vida, e o que é aplicável, dá voltas. A
Teoria dos Nós é hoje usada no estudo do genoma humano. O imediatismo que
vivemos na nossa sociedade também está nos ambientes intelectuais. A ânsia pelo
saber parece, ao menos parcialmente, substituída pela ânsia de aplicar o conhecimento.
Alunos de economia hoje saem da faculdade programando em diversas linguagens,
usando bancos de dados riquíssimos. Algo inimaginável há poucas décadas.
Mas, às vezes, na ânsia do fazer, hoje
facilitado pela tecnologia, pode-se perder um pouco do prazer pelo estudo em
si. Acredito que seja esse prazer que possibilita que barreiras de conhecimento
possam ser verdadeiramente transpostas. Como disse uma grande economista com
quem conversei recentemente, Hülya Eraslan, “somos mais espertos do que nossos
dados”. Não há ChatGPT que possa ocupar o lugar de uma mente pensante – o que
não vale para todos os ofícios, infelizmente.
Ainda bem que por séculos matemáticos
estudaram aparentes inutilidades. Que a gente possa continuar pensando em
coisas não aplicadas, para que o amanhã seja diferente.
*Professora do Insper, PH.D. em Economia
pela Universidade de Nova York em Stony Brook
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