O Estado de S. Paulo
Mesmo diante do que é visível a olho nu e apesar das advertências geradas pela observação científica, continuamos insensíveis
O mais recente relatório da Organização
Meteorológica Mundial (OMM) em torno das mudanças climáticas é tão preocupante
que chega a soar como um antecipado apocalipse que ameace a continuidade da
vida no planeta. Mesmo assim, nos comportamos como cegos e surdos, sem entender
(ou nem sequer perceber) que o horror que se avizinha é consequência de uma
cegueira que nos torna insensíveis até àquilo que é visível a olho nu.
Dias atrás, este jornal publicou amplo resumo do relatório da OMM, com conclusões sobre a elevação da temperatura dos mares e o derretimento das geleiras. Em verdade, mais do que tudo, ali está uma advertência sobre o efeito estufa, que cresceu assustadoramente nas últimas décadas em razão do estilo de vida da sociedade de consumo, com a expansão do seu capitalismo predatório.
Agora, a Agência Espacial Europeia lançou
outra advertência, que se soma à realizada pela Organização Meteorológica
Mundial, ampliando ainda mais o perigo: nos últimos dez anos, a taxa de aumento
médio do nível dos mares duplicouse por causa do derretimento das geleiras da
Groenlândia e da Antártida.
A atividade dos mares se comporta como uma
espécie de ferramenta de captação do calor do planeta e, com isso, alivia os
efeitos catastróficos (ou, ao menos, os mais perniciosos) do efeito estufa.
Paralelamente, porém, os mares geram efeitos em cadeia ao ameaçar os
ecossistemas marinhos. Daí surge outro perigo, imperceptível a olho nu, mas
igualmente grave.
O relatório da Organização Meteorológica
Mundial é taxativo e deixa um alerta equivalente a uma advertência: “Enquanto a
emissão de gases de efeito estufa cresce e muda a temperatura, a população
mundial se vê afetada pelo clima extremo e seus graves efeitos”.
Aí estão, perto de nós, as recentes secas
na Amazônia, onde antes chovia praticamente todos os dias (quase à hora certa)
e os habitantes das grandes cidades, como Manaus e Belém do Pará, costumavam
marcar encontros para “antes” ou “depois” da chuva.
Lá longe (demonstrando tratar-se de um
fenômeno global), na outrora gélida Sibéria fez calor em pleno final de outono
e início de inverno. E, ano a ano, os invernos vêm se apresentando cada vez
menos frios.
No entanto, continuamos surdos às
informações ou advertências geradas pelas observações científicas. Continuamos
poluindo o ar com automóveis movidos a gasolina, ou caminhões e ônibus nutridos
pelo poluente óleo diesel. Para agravar a situação, os carros elétricos
continuam inacessíveis, pelo altíssimo preço de venda, além de não disporem de
um sistema de abastecimento eficiente.
Além disso (e bem mais grave ainda),
chegamos ao absurdo de gerar eletricidade através de usinas térmicas,
abastecidas com o poluente carvão mineral. Pouco desenvolvemos a energia solar
num país ensolarado pelos quatro pontos cardeais, de norte a sul, de leste a
oeste.
Pouco nos valemos ou aproveitamos da
energia eólica, como se não habitássemos um país com ventos intensos e
extensos. Não nos interessamos em desenvolver as pesquisas sobre a capacidade
de as ondas do mar gerarem eletricidade, mesmo vivendo num país com extenso
litoral marítimo.
As florestas e os bosques continuam a ser
tratados como um estorvo, quando – em verdade – são a grande dádiva que nos deu
a natureza. Continuamos a destruir o verde da Amazônia, da Mata Atlântica e do
Cerrado, sem nos preocuparmos sequer com o ritmo cada vez mais acelerado. Não
respeitamos sequer a água (que fez nascer a vida no planeta), permitindo que o
garimpo contamine com mercúrio os rios amazônicos.
Em nossas cidades, limpamos calçadas ou
lavamos automóveis e regamos jardins com água tratada como potável. Não nos
lembramos de recolher água das chuvas em calhas nas nossas residências para
usá-la nessas circunstâncias. Com isso, acentuamos o desperdício daquilo que é
mais precioso para a vida no planeta.
Porém – poderão perguntar – como fica
aquele ínfimo núcleo dos que defendem que o clima do planeta é regido
unicamente pelos ciclos solares que, por sua vez, incidem no maior ou menor
aquecimento dos oceanos?
Dizem eles que, se houver um “ciclo de
resfriamento”, como aconteceu com a Groenlândia no tempo dos vikings, seria
“muito pior” do que um ciclo de aquecimento. O japonês Shigenori Maruyama e o
canadense Timothy Oke estão à frente desse exíguo grupo, comparável aos
chamados terraplanistas, que defendem que “a Terra é plana”, pois, “se não
fosse assim”, os oceanos despejariam suas águas no além...
O mais aterrador e brutal das mudanças
climáticas, porém, é o fantasma da fome no mundo inteiro. Sendo estáveis, as
estações do ano incidem diretamente na agricultura. As mudanças climáticas,
porém, interferem na produção agrícola, afetando as colheitas e nos privando
dos alimentos básicos.
A conclusão é simplista, mas verdadeira: as
mudanças climáticas regem o mundo e assim devem ser vistas.
*Jornalista e escritor, Prêmio Jabuti de Literatura
2000 e 2005, Prêmio Apca 2004, é professor aposentado da Universidade de Brasília
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