sábado, 6 de maio de 2023

Pablo Ortellado - Líderes populistas acreditam nas conspirações?

O Globo

Bolsonaristas de alto e baixo escalão parecem praticar um ceticismo seletivo

prisão de auxiliares de Jair Bolsonaro acusados de fraudar comprovantes de vacinação para que o ex-presidente pudesse viajar para o exterior resgata uma pergunta fundamental: em que medida os discursos da direita populista são respaldados por crença? Em outras palavras: as lideranças populistas acreditam mesmo nos discursos conspiratórios que divulgam nas redes sociais?

Bolsonaro decretara sigilo sobre seu cartão de vacinação. Acreditava-se que o sigilo ocultava uma contradição: Bolsonaro teria se vacinado — porque era a coisa sensata a fazer em meio à pandemia —, mas escondido de seus apoiadores para não parecer que suas decisões pessoais estavam em desacordo com a desconfiança que lançava sobre a segurança dos imunizantes.

Agora, a situação se esclareceu. Bolsonaro não se vacinou e não vacinou a filha. Tentou fraudar os registros, ao que tudo indica, para poder viajar para os Estados Unidos. Realmente não confiava na vacina, a ponto de pôr sua própria vida e a da filha em risco.

Nos Estados Unidos, a questão também foi recentemente levantada depois da revelação de documentos no processo de difamação que a empresa de máquinas de votar Dominion moveu contra a rede de TV trumpista Fox News.

Comentaristas e apresentadores da Fox questionaram a confiabilidade das urnas eletrônicas nas eleições presidenciais de 2020. A Dominion alegou que foi difamada, que a Fox mentiu deliberadamente prejudicando sua reputação. Para caracterizar a difamação no processo, seria preciso provar que a Fox sabia que as urnas não haviam sido fraudadas e, mesmo assim, publicou as alegações mentirosas.

Era um caso dificílimo de vencer, mas, por meio do processo, a Dominion obteve acesso a diversos e-mails de executivos, jornalistas e apresentadores da Fox em que eles demonstravam não acreditar que as eleições haviam sido fraudadas. O dono da Fox, Rupert Murdoch, chegou a mandar um e-mail dizendo que a tese da fraude “era uma coisa muito doida”. Encurralada pelas evidências de que difundira uma tese que sabia ser falsa, a Fox encerrou o processo com um acordo milionário.

No Brasil, ficou evidente que Bolsonaro realmente acreditava na tese de que as vacinas eram perigosas. Nos Estados Unidos, foi o contrário. Ficou evidente que a Fox News não acreditava na tese da fraude e a difundiu apenas para manter a audiência trumpista.

Afinal, as lideranças da direita populista acreditam nas teses conspiratórias que difundem? Será mesmo que creem que as urnas eletrônicas são sistematicamente fraudadas, que as vacinas são ineficazes e perigosas, que a pandemia foi um complô entre a China e a OMS e que o Supremo Tribunal Federal está tomado por comunistas?

Há sinais, pelo menos no Brasil, de que as teses conspiratórias têm impacto nas lideranças. O governo Bolsonaro fez grandes esforços para investigar a segurança das urnas eletrônicas, convocando especialistas e apurando todo tipo de denúncia. Não encontrou nenhum indício de fraude, mas a falta de provas não aplacou a desconfiança. O mesmo aconteceu com os inúmeros movimentos institucionais para tentar comprovar que Adélio Bispo esfaqueou Bolsonaro a mando da esquerda. Nada de muito relevante foi encontrado, mas a desconfiança permaneceu.

A dúvida que persiste depois da investigação sugere que a pergunta sobre a crença em teorias da conspiração pode estar mal formulada. Talvez não se trate de lideranças populistas acreditarem nas teses conspiratórias, mas de elas desconfiarem persistentemente das explicações dominantes, apoiando-se lateralmente em teses conspiratórias como explicações alternativas.

O conspiracionismo populista — das lideranças e da base — parece ser menos uma crença firme na explicação alternativa do que uma desconfiança persistente na explicação dominante, oferecida pela ciência, pelo jornalismo ou pela Justiça. Bolsonaristas de alto e baixo escalão parecem praticar um ceticismo seletivo, que desconfia da auditoria das urnas eletrônicas pela Unicamp, mas dá ouvidos às alegações malucas de um hacker de Araraquara.

 

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