segunda-feira, 29 de maio de 2023

Sergio Lamucci - Agenda ampla para melhorar produtividade segue distante

Valor Econômico

Passados quase cinco meses do governo Lula, a falta de uma agenda ampla para a melhora da produtividade chama a atenção. Entre as prioridades, a reforma tributária é uma das únicas que, se for adiante, aumentará a eficiência da economia. Outras iniciativas e intenções vão na direção contrária, como a renúncia tributária para a indústria automotiva, a disposição para aumentar com força o volume de crédito do BNDES, a mudança de política de preços da Petrobras e os decretos que mudam o marco do saneamento, autorizando estatais estaduais a prestar serviços sem licitação, já derrubados pela Câmara e ainda a serem apreciados pelo Senado.

“Com o fim do bônus demográfico, a única forma de aumentar a renda per capita e gerar crescimento sustentável no Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalho”, resumem os pesquisadores Fernando Veloso, Silvia Matos, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti no Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Período em que a população em idade ativa cresce a um ritmo superior ao da população total, o bônus demográfico ficou para trás, indicando que terminou a fase mais favorável da estrutura etária para o crescimento.

Os números do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do FGV Ibre, escancaram o problema. Entre 1995 e 2022, a expansão média da produtividade agregada por hora trabalhada no país foi de 0,8% ao ano. O único setor que mostrou ganhos expressivos foi a agropecuária - 5,5% ao ano. Na indústria, houve queda de 0,4%; nos serviços, aumento médio de 0,2%.

A situação é dramática, e o novo governo não mostra uma agenda ambiciosa para enfrentar o problema. Coordenador do Observatório de Produtividade Regis Bonelli, Fernando Veloso não vê preocupação sobre o assunto, com exceção da reforma tributária. “O que estamos vendo são retrocessos em várias áreas, como saneamento, privatização da Eletrobras, aumento do crédito subsidiado e renúncia tributária para a indústria automobilística, além da mudança da política de preços da Petrobras”, afirma ele, apontando que são medidas e iniciativas que tendem a reduzir a produtividade. “Vão resultar em alocação distorcida do capital, como no governo Dilma Rousseff.”

Anunciada na semana passada, a criação de subsídios para tentar estimular a venda de carros tem vários equívocos, segundo Veloso. “É mais uma política de incentivos para o setor automobilístico, sem nenhuma evidência de que as anteriores, como o Inovar Auto e o Rota 2030, para citar as mais recentes, tenham produzido bons resultados”, afirma ele, lembrando que a iniciativa “vai contra a agenda de avaliação e redução de renúncias tributárias anunciada pelo próprio governo”, além de se chocar com a agenda ambiental, por incluir o estímulo à venda de automóveis movidos a combustíveis fósseis. “E tende a reduzir a produtividade, porque agrava o problema existente de usar incentivos para favorecer setores específicos, o que distorce a alocação de recursos”, diz Veloso, para quem o mesmo pode ocorrer com o crédito subsidiado do BNDES.

Aspectos dos decretos que mudaram pontos do marco legal do saneamento, como a permissão para estatais prestarem serviços sem necessidade de licitação, podem afetar o volume de investimentos privados no segmento, que vinha crescendo com força com as novas regras. A expectativa, porém, é de que o Senado também derrube os decretos do governo. Já a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo a Eletrobras pode ser vista como tentativa de quebra de contrato, afastando investidores do país. A União recorreu ao STF para ter direito de voto proporcional à sua participação no capital social da empresa, de 43%, limitado a 10% pela privatização feita em 2022.

No caso da mudança da política de preços da Petrobras, se a estatal segurar as cotações dos combustíveis por muito tempo num cenário de alta do petróleo e do dólar, isso prejudicará as empresas privadas que atuam nos setores de refino e de importação, além de atingir as companhias que produzem etanol, porque a gasolina tenderá a ficar mais barata que o álcool. São medidas que tendem a afetar investimentos e a atrapalhar a aplicação de capital na economia.

Para melhorar a produtividade, Veloso diz que é fundamental reduzir problemas que dificultam o crescimento de empresas produtivas. “Isso envolve a reforma tributária, com a criação de um imposto sobre o valor agregado (IVA), a abertura comercial, a melhora do sistema de crédito e prioridade a privatizações e concessões para elevar o investimento em infraestrutura, entre outras medidas. No entanto, a agenda de crescimento do governo está baseada na ideia de favorecer setores específicos, o que tende a distorcer a alocação de recursos e reduzir a produtividade”, reitera Veloso. A reforma tributária é o único item que tende a aumentar a produtividade de todos os setores.

Veloso enfatiza a importância de uma agenda de melhora do capital humano, incluindo educação e qualificação. “Isso já era fundamental, mas se tornou ainda mais urgente diante das perdas de aprendizagem durante a pandemia e os desafios colocados pelos avanços da inteligência artificial”, destaca Veloso, lembrando que o capital humano, essencial para todos os setores, é especialmente relevante para os serviços, muito intensivos em mão de obra. “Mais de 70% do PIB e do emprego está no setor de serviços. Sem crescimento da produtividade desse segmento, será impossível ter crescimento da produtividade agregada.” Ao falar da agropecuária, Veloso diz que o setor tem seguido o modelo de inovação e abertura há décadas, sendo o único segmento com expansão significativa da produtividade nas últimas décadas. No caso da indústria, nota ele, as políticas que o governo pretende adotar não atacam os problemas centrais do setor - a necessidade de inovar e de se integrar aos mercados externos.

Nesse cenário, as perspectivas para o crescimento sustentado a taxas mais elevadas seguem desanimadoras. Sem melhora da produtividade, o desempenho da economia brasileira será medíocre, na melhor das hipóteses.

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