Valor Econômico
Passados quase cinco meses do governo Lula,
a falta de uma agenda ampla para a melhora da produtividade chama a atenção.
Entre as prioridades, a reforma tributária é uma das únicas que, se for
adiante, aumentará a eficiência da economia. Outras iniciativas e intenções vão
na direção contrária, como a renúncia tributária para a indústria automotiva, a
disposição para aumentar com força o volume de crédito do BNDES, a mudança de
política de preços da Petrobras e
os decretos que mudam o marco do saneamento, autorizando estatais estaduais a
prestar serviços sem licitação, já derrubados pela Câmara e ainda a serem
apreciados pelo Senado.
“Com o fim do bônus demográfico, a única forma de aumentar a renda per capita e gerar crescimento sustentável no Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalho”, resumem os pesquisadores Fernando Veloso, Silvia Matos, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti no Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Período em que a população em idade ativa cresce a um ritmo superior ao da população total, o bônus demográfico ficou para trás, indicando que terminou a fase mais favorável da estrutura etária para o crescimento.
Os números do Observatório da Produtividade
Regis Bonelli, do FGV Ibre, escancaram o problema. Entre 1995 e 2022, a
expansão média da produtividade agregada por hora trabalhada no país foi de
0,8% ao ano. O único setor que mostrou ganhos expressivos foi a agropecuária -
5,5% ao ano. Na indústria, houve queda de 0,4%; nos serviços, aumento médio de
0,2%.
A situação é dramática, e o novo governo
não mostra uma agenda ambiciosa para enfrentar o problema. Coordenador do
Observatório de Produtividade Regis Bonelli, Fernando Veloso não vê preocupação
sobre o assunto, com exceção da reforma tributária. “O que estamos vendo são
retrocessos em várias áreas, como saneamento, privatização da Eletrobras,
aumento do crédito subsidiado e renúncia tributária para a indústria
automobilística, além da mudança da política de preços da Petrobras”,
afirma ele, apontando que são medidas e iniciativas que tendem a reduzir a
produtividade. “Vão resultar em alocação distorcida do capital, como no governo
Dilma Rousseff.”
Anunciada na semana passada, a criação de
subsídios para tentar estimular a venda de carros tem vários equívocos, segundo
Veloso. “É mais uma política de incentivos para o setor automobilístico, sem
nenhuma evidência de que as anteriores, como o Inovar Auto e o Rota 2030, para
citar as mais recentes, tenham produzido bons resultados”, afirma ele,
lembrando que a iniciativa “vai contra a agenda de avaliação e redução de
renúncias tributárias anunciada pelo próprio governo”, além de se chocar com a
agenda ambiental, por incluir o estímulo à venda de automóveis movidos a
combustíveis fósseis. “E tende a reduzir a produtividade, porque agrava o
problema existente de usar incentivos para favorecer setores específicos, o que
distorce a alocação de recursos”, diz Veloso, para quem o mesmo pode ocorrer
com o crédito subsidiado do BNDES.
Aspectos dos decretos que mudaram pontos do
marco legal do saneamento, como a permissão para estatais prestarem serviços
sem necessidade de licitação, podem afetar o volume de investimentos privados
no segmento, que vinha crescendo com força com as novas regras. A expectativa,
porém, é de que o Senado também derrube os decretos do governo. Já a ação no
Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo a Eletrobras pode ser vista como
tentativa de quebra de contrato, afastando investidores do país. A União
recorreu ao STF para ter direito de voto proporcional à sua participação no
capital social da empresa, de 43%, limitado a 10% pela privatização feita em
2022.
No caso da mudança da política de preços
da Petrobras,
se a estatal segurar as cotações dos combustíveis por muito tempo num cenário
de alta do petróleo e do dólar, isso prejudicará as empresas privadas que atuam
nos setores de refino e de importação, além de atingir as companhias que
produzem etanol, porque a gasolina tenderá a ficar mais barata que o álcool.
São medidas que tendem a afetar investimentos e a atrapalhar a aplicação de
capital na economia.
Para melhorar a produtividade, Veloso diz
que é fundamental reduzir problemas que dificultam o crescimento de empresas
produtivas. “Isso envolve a reforma tributária, com a criação de um imposto
sobre o valor agregado (IVA), a abertura comercial, a melhora do sistema de
crédito e prioridade a privatizações e concessões para elevar o investimento em
infraestrutura, entre outras medidas. No entanto, a agenda de crescimento do
governo está baseada na ideia de favorecer setores específicos, o que tende a
distorcer a alocação de recursos e reduzir a produtividade”, reitera Veloso. A
reforma tributária é o único item que tende a aumentar a produtividade de todos
os setores.
Veloso enfatiza a importância de uma agenda
de melhora do capital humano, incluindo educação e qualificação. “Isso já era fundamental,
mas se tornou ainda mais urgente diante das perdas de aprendizagem durante a
pandemia e os desafios colocados pelos avanços da inteligência artificial”,
destaca Veloso, lembrando que o capital humano, essencial para todos os
setores, é especialmente relevante para os serviços, muito intensivos em mão de
obra. “Mais de 70% do PIB e do emprego está no setor de serviços. Sem
crescimento da produtividade desse segmento, será impossível ter crescimento da
produtividade agregada.” Ao falar da agropecuária, Veloso diz que o setor tem
seguido o modelo de inovação e abertura há décadas, sendo o único segmento com
expansão significativa da produtividade nas últimas décadas. No caso da
indústria, nota ele, as políticas que o governo pretende adotar não atacam os
problemas centrais do setor - a necessidade de inovar e de se integrar aos
mercados externos.
Nesse cenário, as perspectivas para o crescimento sustentado a taxas mais elevadas seguem desanimadoras. Sem melhora da produtividade, o desempenho da economia brasileira será medíocre, na melhor das hipóteses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário