sexta-feira, 16 de junho de 2023

Claudia Safatle - Sem trégua no debate dos juros básicos

Valor Econômico

Na avaliação de técnicos oficiais, o presidente Lula continuará discutindo com o Banco Central mesmo com corte do Copom

Não há a perspectiva de uma trégua na questão do juros básicos da economia, mesmo depois dos dados de inflação em queda e PIB crescendo acima dos prognósticos. Na avaliação de técnicos oficiais, o presidente Lula continuará discutindo com o Banco Central a respeito do nível elevado da taxa Selic, mesmo que o Comitê de Política Monetária (Copom), comece a cortar a Selic, hoje em 13,75% ao ano, já nas próximas reuniões. A narrativa está dada: quando o BC começar a reduzir os juros, vão dizer que o Copom foi tímido no corte, que ele veio atrasado, e por aí vai.

Como já se espera a presença do novo diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, na reunião do comitê de agosto, quando as expectativas crescem para ser o mês em que o BC daria o início da queda dos juros, ou na pior das hipóteses, indicaria no comunicado que cortaria a Selic na reunião seguinte, vem à mente uma possível narrativa do governo: “ Foi preciso o Haddad colocar alguém dele no Copom para o pessoal decidir afrouxar a política monetária”.

Galípolo foi eleito recentemente para presidir o conselho de administração do Banco do Brasil, cargo que ele terá que deixar caso seja aprovado pelo Senado para ocupar a diretoria do Banco Central. Como o BB é uma instituição regulada pelo BC, certamente sua permanência lá traria conflito de interesses.

No regime de Banco Central independente, mudou a estratégia da diretoria do BC, que tem assento e voto no Copom, onde se pretende deixar claro que não há alinhamento automático nem com o presidente da República nem com o presidente do Banco Central.

A diretoria do BC tem pessoas que devem voltar para o mercado financeiro, de onde saíram, e, se for alguém do próprio banco, não retornará à instituição como soldado raso. Portanto, são pessoas que têm que cuidar da sua biografia. E, aí, não comporta decisões tresloucadas.

No desenho do atual sistema de metas de inflação, o Conselho Monetário Nacional (CMN) define, na próxima reunião, no dia 29 de junho, a meta para a inflação de três anos à frente. Portanto, o CMN terá que confirmar ou mudar as metas de inflação de 2024 e 2025 e decidir a meta para 2026.

Há uma grande esperança de que Fernando Haddad, já tendo entendido como funciona o regime de metas para a inflação - para os próximos dois anos (2024 e 2025), as metas já estão definidas em 3% - as confirme, ao contrário do que gostaria Lula que chegou a mencionar uma inflação de 4,5% como boa para o país.

Lula, portanto, quer inflacionar a meta, repetindo o erro brutal que foi a decisão do CMN de 2007, que fixou a meta de inflação em 4,5%, para 2009, quando as expectativas eram de uma taxa menor.

Como 3% é considerada a taxa neutra, é bastante provável que, se Haddad confirmar a meta de 3% para os próximos dois anos, ele a estenda também para 2026.

Caberá ao Conselho Monetário Nacional estabelecer, também, o intervalo de tolerância, que atualmente está fixado em 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo do centro da meta.

Portanto, a meta estará cumprida se a inflação ficar no intervalo de 1,5% a 4,5%.

Se, por ventura, a inflação no fim do ano se situar fora do intervalo de tolerância, o presidente do BC tem de divulgar uma carta aberta ao ministro da Fazenda, explicando as razões do insucesso e detalhando as providências que serão tomadas para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeitos.

“Não tem que ter pressa para baixar os juros. Minha posição é de cautela”, disse o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, Renato Dias Gomes. Seguindo a estratégia do Banco Central independente, em que cada um da diretoria deve ir a público defender o seu trabalho.

O BC tem um arsenal de dados e tem profundidade na análise desses dados e os diretores estão defendendo a cautela, a perseverança e saíram na defesa do trabalho deles que está sendo questionado. Com isso, desfulaniza-se a discussão, que Lula dirigiu ao presidente do Banco Central, Roberto Campos.

Há queixas das ideias ruins que sempre aparecem. O caso do BNDES, por exemplo, para fazer o que a diretoria da instituição pretende, teria que mudar a Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituiu a TJLP, para voltar com juros subsidiados. Diante de tais sugestões, sobra recorrer ao Congresso - que tem sido bastante econômico na aprovação de propostas que venham do Executivo - para barrar a mudança;

Lula, ao entrar na briga com o Banco Central, atrasou bastante a queda da Selic. Quando ele foi eleito, em outubro do ano passado, as expectativas convergiam para março, mês em que o Copom começaria a cortar os juros.

Mas a posição de Lula contra o Banco Central, assim como a dos seus colaboradores, atrapalhou bastante o cronograma e chegamos em junho com a impressão que dá para a Selic começar a cair em agosto ou setembro.

Até onde vai a queda vai depender da política fiscal que o governo vai apresentar para fechar um déficit de algo como R$ 175 bilhões no próximo ano.

Claudia Safatle 

 

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