sexta-feira, 16 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Contra “discriminação”, Câmara aprova privilégios

Valor Econômico

O pretexto é falso e a solução é um escárnio, criando obrigações cujo descumprimento acarretam multas e prisões contra instituições financeiras

Sob o comando do deputado Arthur Lira (PP-AL), a Câmara dos Deputados está votando qualquer coisa que seja benéfica aos próprios parlamentares. Na quarta à noite, aprovou em minutos um projeto de lei que pune bancos e outras instituições financeiras que se recusem a abrir conta ou fornecer crédito a pessoas politicamente expostas - parlamentares, juízes, prefeitos e membros dos Poderes da União, Estado e municípios. O objetivo declarado é impedir a “discriminação política”.

O PL 2720, escrito por Dani Cunha, deputada novata, filha de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara cassado por seus pares e condenado a mais de 50 anos de cadeia, foi aprovado na calada da noite após apresentação surpresa e votação sumária na Casa, com aval de Lira. O texto segue agora para o Senado, para espanto de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que desconhecia a ideia e seu teor.

Depois da invalidação generalizada dos processos de pessoas denunciadas na Operação Lava-Jato, sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal, a Câmara, sob comando do Centrão, com frequente apoio do PT, sentiu-se livre para terminar o trabalho contra vigilância legal a suas ações. Prosperam sem a menor barreira peças legislativas que livrem parlamentares de responsabilidade legal sob atos que poderiam ser considerados gravosos pelas leis do país, mesmo os que foram aprovados recentemente pelo Congresso. Os deputados buscam anistia ampla, geral e irrestrita às infrações com dinheiro dos fundos partidários e eleitoral. Os partidos, de maneira geral, ignoraram as cotas de recursos destinadas a mulheres, negros e minorias, além de usarem recursos em atividades vetadas. Agora serão absolvidos por decisão dos próprios infratores.

O PL, aprovado em forma de substitutivo do relator, Claudio Cajado (PP-BA), braço direito de Lira e também relator do arcabouço fiscal, sob aparência de combater discriminação contra políticos, cria privilégios para políticos, detentores de cargos comissionados e a elite do serviço público. O pretexto é falso e a solução é um escárnio, criando obrigações cujo descumprimento acarretam multas e prisões contra instituições financeiras. Segundo a autora, deputada Dani Cunha, “se você tem hoje um pedido para abrir uma conta em uma instituição financeira negado, é preciso haver um motivo”. Se políticos, ou pessoas politicamente expostas, fossem impedidas de ter contas correntes ou obter crédito, teria sido impossível provar atos de corrupção em grande escala, como os que ocorreram nas duas últimas décadas. Não é disso que se trata.

A lei 9613, de 3 de março de 1998, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, e que criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), estabeleceu uma categoria especial de correntistas, as tais pessoas politicamente expostas, que se estende a parentes de primeiro grau. Inexiste qualquer proibição a elas de realizar operações financeiras de qualquer ordem, apenas a determinação de que movimentação suspeita de recursos seja comunicada pelo Coaf às autoridades competentes. Essa é a razão da identificação específica desse tipo de correntista.

A autora do projeto, deputada Dani Cunha, tem um exemplo de meliância em casa, o próprio pai, Eduardo Cunha. A trajetória de Cunha revela o que é comum nos crimes de lavagem de dinheiro, como o envolvimento de parentes de todos os graus, amigos, laranjas, empresas fictícias etc. Por isso, o projeto de sua autoria parece feito sob medida. Ele proíbe e estabelece punição a bancos que se recusem a fornecer crédito ou manter aberta conta corrente - logo transferências de recursos e outros procedimentos - a pessoas que estejam respondendo “a investigação preliminar, termo circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, ou pessoas que figuram como rés em processo judicial em curso (sem trânsito em julgado)”.

Mais que isso, serão punidas as instituições que se recusarem a abrir contas e dar crédito aos “estreitos colaboradores de políticos”: pessoas jurídicas que o representem, as que têm sociedade ou propriedade conjunta em pessoas jurídicas de direito privado ou as que têm “arranjos sem personalidade jurídica, que figurem como mandatárias, ainda que por instrumento particular” e “pessoas naturais que têm o controle de pessoas jurídicas de direito privado ou em arranjos sem personalidade jurídica, conhecidos por terem sido criados para o benefício de uma pessoa exposta politicamente”. Pela descrição, serão punidos todos aqueles que evitarem dar crédito ou movimentação de recursos a um vasto “laranjal”.

A aprovação de um projeto tão indigno e anti-republicano teve o apoio de pelo menos 45 deputados do Partido dos Trabalhadores. O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), que votou contra, resumiu sua essência. “A qualquer estelionatário, réu condenado em segunda instância, a qualquer pessoa criminosa está sendo garantida a abertura de conta no banco e inclusive a concessão de crédito”, disse.

Revisão da nota de crédito do Brasil emite sinal positivo

O Globo

Governo e Congresso têm de entender que não pode haver retrocesso para reconquistarmos grau de investimento

A decisão da agência S&P de elevar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de “estável” para “positiva” fez integrantes do governo sonhar com a recuperação do selo de bom pagador, o grau de investimento, perdido pelo Brasil em 2015. Mas governo e Congresso têm de entender os motivos da alteração, que manteve a nota dos papéis brasileiros, ainda classificados no risco especulativo.

Como as demais agências de avaliação de crédito, a S&P fornece análises para ajudar investidores e instituições financeiras internacionais a atribuir preço a diferentes ativos. As taxas de juros cobradas de governos e empresas pelos investidores são influenciadas pelas notas de cada país. A influência das agências é tamanha que fundos de pensão de economias ricas são obrigados a aplicar recursos somente em papéis com grau de investimento.

Por tudo isso, é relevante a melhora da perspectiva do conceito brasileiro. A S&P diz que as reformas de modernização da economia realizadas desde 2016 ajudam a explicar por que o crescimento tem sido melhor que o esperado, apesar de inferior ao de outros países emergentes. Entre os avanços citados estão a reforma trabalhista, a independência do Banco Central (BC) e a reforma previdenciária. Outras forças são anteriores. O Brasil tem há anos uma posição externa forte, taxa de câmbio flexível, um BC com metas de inflação e dívida denominada predominantemente em moeda local.

Olhando para a frente, a S&P vê como positivo o Projeto do novo marco fiscal, aprovado na Câmara dos Deputados e agora sob exame do Senado. “Apesar do déficit fiscal ainda elevado, o crescimento contínuo do PIB combinado ao novo arcabouço para a política fiscal pode resultar num aumento da carga de dívida do governo menor que o esperado inicialmente”, afirma nota da S&P.

Parece claro que, para o Brasil reconquistar o grau de investimento, governo e Congresso deverão fazer cada um sua parte. Reverter reformas bem-sucedidas, como defendem setores da esquerda, seria um retrocesso. Continuar atacando a autonomia do BC, como faz repetidamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um desatino.

A ideia do senador Omar Aziz (PSD-AM), relator da proposta do arcabouço fiscal, de retirar do limite de gasto um fundo da educação e o que financia o governo do Distrito Federal representa outro retrocesso. Caso se confirme, piora as chances de sucesso da nova regra, que já não são altas, antes mesmo do lançamento. Não faz sentido ter uma regra de gasto cheia de exceções.

Um país não muda de repente no dia em que é classificado na categoria de grau de investimento de uma agência de avaliação de risco. Os benefícios, na descrição do economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, são colhidos com uma série de pequenos e grandes avanços no caminho. Governo e Congresso precisam ter em mente que o objetivo de reconquistar uma nota positiva das agências é promover o crescimento econômico alicerçado em bases sólidas.

Iniciativa que pune ‘discriminação’ contra políticos favorece corrupção

O Globo

Projeto aprovado na Câmara inibe mecanismos contra lavagem de dinheiro consagrados no mundo todo

Nada caracteriza tão bem o país do “você sabe com quem está falando?” — feliz expressão celebrizada pelo antropólogo Roberto DaMatta, colunista do GLOBO — quanto o projeto aprovado na Câmara prevendo até quatro anos de prisão pela “discriminação” contra políticos. Discriminá-los merece, aos olhos dos deputados, punição maior que preconceitos contra idosos ou deficientes (sujeitos a pena de até três anos). A iniciativa é um despropósito cujo único objetivo é favorecer a corrupção.

As pessoas “politicamente expostas” definidas no Projeto de Lei da deputada Dani Cunha (União-RJ) formam aquela casta privilegiada, sustentada pelo dinheiro do contribuinte, que DaMatta tão bem descreve em seus livros e artigos: ministros, presidentes, vices e diretores da administração pública, indicados para cargos comissionados, ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União, presidentes e tesoureiros de partidos políticos, procurador-geral da República e seu vice, governadores, prefeitos e seus vices, além, obviamente, de vereadores, dos próprios parlamentares e uma série de outros beneficiados.

Para todos, o texto aprovado garante uma regalia: se forem investigados (criminal, civil ou administrativamente), acusados, denunciados, ou mesmo condenados na Justiça e ainda houver possibilidade de recurso, não poderão ser “discriminados” na abertura de contas em bancos, concessão de crédito e outras atividades. Mais que isso, o projeto estende a proteção a familiares ou “estreitos colaboradores”.

O argumento usado para justificar a medida é, nas palavras do líder do União, Elmar Nascimento (BA), atrair “homens e mulheres de bem” para a vida pública. “É um absurdo cortarem a conta de um deputado ou filho depois de 20 anos porque é uma pessoa politicamente exposta”, afirmou .

Trata-se, porém, de uma proteção sem cabimento. O exame rigoroso das instituições financeiras aos politicamente expostos é uma prática internacionalmente consagrada no combate à corrupção, recomendada por organismos como Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde o Brasil pleiteia uma vaga. Existe para evitar que os bancos sejam usados como canal de lavagem do dinheiro desviado dos cofres públicos.

Investigações, denúncias e sobretudo condenações são indícios mais que razoáveis para justificar a cautela. Absurdo é exigir que empresas sejam forçadas a celebrar contratos que ponham sua reputação e seus negócios em risco. Nada disso, porém, parece convencer os parlamentares, preocupados apenas em proteger o patrimônio daqueles que já desfrutam privilégios inacessíveis ao cidadão comum.

O projeto foi apresentado apenas uma hora antes da votação e contou com apoio num arco ideológico capaz de unir PT, PL, PP, PSDB, PSD, União e vários outros partidos. Foi aprovado na Câmara por 252 votos a 163. O Senado precisará agora barrar mais essa barbaridade.

Acinte exposto

Folha de S. Paulo

Deputados legislam em causa própria ao votar PL que altera norma anticorrupção

Quando a Câmara dos Deputados aprova um projeto de lei à noite, após uma tramitação repentina e com endossos da esquerda à direita, convém desconfiar.

Passava das 21h de quarta-feira (14) quando os parlamentares começaram a votação de um texto que favorece as chamadas "pessoas expostas politicamente", ou PEPs —uma classificação na qual eles próprios se incluem. A proposta, apresentada há menos de um mês, escapou do devido debate em três comissões temáticas da Casa.

No plenário, o projeto recebeu 252 votos favoráveis e 163 contrários. No primeiro grupo estava a maioria das bancadas presentes de partidos tão diversos quanto PT, PDT, MDB, PSD, PP, União Brasil e Republicanos.

O que mobilizou o esforço concentrado de tantas forças políticas foi o intento nada desinteressado de interferir em recomendações legais para o tratamento das PEPs, em particular na rede bancária —e, mais do que isso, impor penas a instituições financeiras que venham a criar obstáculos às pessoas enquadradas em tal condição.

Nesse rol estão os detentores de mandatos eletivos no Executivo e no Legislativo da União, ministros de Estado e de tribunais superiores, entre outras autoridades que são alvo de cuidados especiais estabelecidos pela legislação, assim como parentes e representantes.

Tais normas, que seguem padrões internacionais, buscam reforçar o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro —e foi contra isso que a Câmara acintosamente atuou com presteza inaudita.

É verdade que foram retirados alguns dos dispositivos mais escandalosos do projeto, como penas mais elevadas em casos de injúria contra PEPs. Entretanto o que sobrou ainda é muito problemático.

De modo genérico, o texto pretende punir "discriminação" contra pessoas politicamente expostas, o que pode dar margem a todo tipo de interpretação quanto ao alcance do termo. Pior, a regra é estendida a quaisquer réus de processos judiciais em curso.

Há previsão de dois a quatro anos de prisão, além de multa, a quem negar abertura de conta-corrente ou concessão de crédito devido à condição de PEP —o que obviamente configura intimidação aos bancos ou, na pior hipótese, bom pretexto para os que não desejam adotar as cautelas necessárias.

Chega a ser difícil compreender a estratégia da Câmara com a tramitação tão obviamente açodada do projeto, mas não se deve subestimar o profissionalismo do mundo político quando se trata de legislar em causa própria.

Resta esperar que o Senado ao menos promova um debate minucioso e transparente da matéria, se é que dela há algo a ser aproveitado.

Nos trilhos, enfim

Folha de S. Paulo

Com atraso, escândalo e bilhões em gastos, Norte-Sul, privatizada, será entregue

Após 36 anos desde a primeira licitação, a ferrovia Norte-Sul finalmente foi concluída. Os trechos central e sul, de 1.537 km, que ligam Estrela D’Oeste (SP) e Porto Nacional (TO), a serem geridos pela empresa Rumo, têm entrega prevista nesta sexta-feira (16).

Somando-se o trecho norte, entre Porto Nacional e Açailândia (MA), a cargo da VLI, são 2.257 km de trilhos que ao longo das últimas décadas exemplificaram todos os vícios associados a investimentos públicos no Brasil, como mau planejamento, atrasos e corrupção.

Em 1987, reportagem do jornalista Janio de Freitas nesta Folha revelou que o processo de licitação era uma farsa —já eram sabidas as empresas vencedoras antes da divulgação do resultado da disputa.

Passados 30 anos e R$ 33 bilhões, nenhum governo havia concluído a obra. Ainda pior: pelo menos um terço desse gasto nababesco até 2017 havia sido superfaturado, segundo órgãos de fiscalização.

Ao cruzar 4 das 5 regiões do país e conectar o porto de Itaqui (MA) ao de Santos (SP), a ferrovia Norte-Sul, hoje concedida ao setor privado, é essencial para o escoamento da produção agrícola.

Quatro terminais estão em operação há dois anos: um em São Simão (GO), um em Iturama (MG) e dois em Rio Verde (GO). Juntos, recebem grãos, farelo de soja, fertilizantes e açúcar. Segundo a Rumo, 4,1 milhões de toneladas de grãos foram exportados por Goiás no ano passado —25,6% do total de 16,1 milhões de toneladas.

O simbolismo político do projeto é tal que governantes chegaram a inaugurar partes não concluídas. Os petistas Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, e Dilma Rousseff, em 2014, inauguraram o trecho que conecta Palmas (TO) a Anápolis (GO), mas até 2015 essa seção de trilhos ainda estava inoperante.

Mais que ajudar na vazão da produção agrícola de regiões sem saída para o mar, como Goiás e Minas Gerais, a Norte-Sul pode contribuir para o incremento de uma malha de transporte de cargas.

À diferença de outros países de dimensões continentais, o Brasil prioriza o modal rodoviário. Segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, apenas 21,5% das cargas aqui são movimentadas por ferrovias, enquanto nos EUA e na Rússia o índice chega a 43% e 81%, respectivamente.

As carências em infraestrutura, que inibem o crescimento do país, demandarão mais associações entre os setores público e privado.

Acordo UE-Mercosul sobe no telhado

O Estado de S. Paulo

Demandas ambientais e em favor da reindustrialização disfarçam protecionismo dos dois lados e estreitam a janela de oportunidade para a conclusão do pacto

O protecionismo de lado a lado ameaça a mais propícia oportunidade de conclusão do acordo União Europeia-Mercosul. As chances de assinatura do pacto até o fim deste ano esmoreceram no encontro entre o presidente Lula da Silva e a presidente Ursula von der Leyen, da Comissão Europeia, no último dia 12, em Brasília. Contornar as recentes demandas de proteção, camufladas como cláusulas ambientais e instrumentos de política industrial, dependerá de vontade política não muito clara nos dois blocos.

As discussões de um ambicioso acordo entre Mercosul e União Europeia, que abarca comércio, investimentos e inúmeras vias de cooperação, começaram em 1997 para reforçar a aliança estratégica entre os blocos. Atravessaram momentos de crise financeira internacional, de ondas protecionistas e de pandemia. Na atualidade, o empecilho é a incerteza sobre a preservação do acerto de 2019.

Deste lado do Atlântico, é evidente a resistência de parte do governo Lula à conclusão do acordo. Não está motivada pela reavaliação técnica do texto modesto de 2019 que, negociado pelo governo Itamar Franco e fechado sob Jair Bolsonaro, recebeu as bênçãos dos setores produtivos, mas sim pela tradicional convicção lulopetista contrária a arranjos de liberalização comercial com potências.

Ao condenar o “desequilíbrio” do acordo, diante de Von der Leyen, Lula não deixou claro se ainda alimenta essas velhas convicções ou se se valeu da crítica como elemento tático para forçar a União Europeia a renegociar o capítulo sobre compras governamentais. Não é de hoje que o presidente defende a reserva de mercado na aquisição dos governos aos fornecedores nacionais como instrumento de política industrial. A velha retórica desalinhada ao interesse nacional, porém, não sobrevive a uma boa lida no acordo, que prevê a abertura gradual e lenta desse mercado. Portanto, haveria tempo mais que suficiente para a preparação dos setores nacionais, apoiados por políticas públicas, a um ambiente de maior competitividade.

É certo que, do outro lado do Atlântico, setores protecionistas resistem ao acordo a pretexto de preocupações ambientais. No mesmo dia 12, quando Von der Leyen se reuniu com Lula, a Assembleia Nacional da França aprovou resolução em favor da denúncia do acordo birregional, supostamente porque este não contempla regras ambientais e sanitárias rígidas como as impostas por Bruxelas a seus agropecuaristas.

Outras duas iniciativas de Bruxelas na mesma seara já haviam contaminado o diálogo por terem sido adotadas quando o Brasil, sob Lula, impulsiona uma agenda crível de combate ao desmatamento. A primeira deu-se em março, quando a Comissão Europeia enviou ao Mercosul uma side letter sobre os compromissos ambientais do acordo.

Em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, em maio, o chanceler Mauro Vieira condenou o “viés protecionista” do documento, sob a alegação de que permitiria sanções e retaliações por descumprimento de regras de meio ambiente. Porém, a leitura técnica do texto, feita pelos economistas Sandra Polônia Rios e Pedro da Motta Veiga em artigo no Estadão, amorna o tom do Itamaraty. O documento detalha o capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável do acerto de 2019 – que não prevê sanções e retaliações baseadas em compromissos ambientais.

A outra razão de contrariedade foi a aprovação pela Comissão Europeia, neste mês, de legislação que impõe restrições unilaterais às importações de sete commodities se produzidas em áreas derrubadas de florestas tropicais. O Brasil é um dos alvos da medida.

Lula da Silva, Von der Leyen e os demais líderes envolvidos já têm em mãos as estimativas de benefícios econômicos e políticos resultantes desse acordo. O atual impasse exigirá a deliberação e o compromisso de parte a parte, sem artifícios para ganhos adicionais em detrimento do outro lado. Por fim, mas não menos relevante, há outro fato inexorável a se considerar: o prejuízo de perder essa oportunidade será compartilhado pelos dois lados do Atlântico.

Reindustrialização míope

O Estado de S. Paulo

A produtividade da indústria que transforma matéria-prima em bens de capital e bens de consumo desaba no País, enquanto governo mira no alvo errado da retomada do carro popular

O encolhimento qualitativo da indústria nacional ficou explicitado em estudo do Observatório da Produtividade, da FGV Ibre, que constatou queda em torno de 1% ao ano na produtividade da indústria de transformação ao longo das três últimas décadas. Como contraponto, o estudo verificou que, no mesmo período, a produtividade na agropecuária aumentou, em média, 5,5% ao ano.

Traduzida em cifras, a discrepância fica ainda mais evidente. Cada hora trabalhada na indústria de transformação em 1995 gerava R$ 45,50 em produtos, enquanto o mesmo saldo no ano passado foi de apenas R$ 36,50. Na agropecuária, os valores foram de R$ 5,90 e R$ 25,50, respectivamente. São números que refletem as diferenças, principalmente, do estágio tecnológico e do nível de preparo dos profissionais nos dois setores.

Se restava ainda alguma dúvida sobre a deterioração em quantidade, qualidade e eficiência de nossas linhas de produção industrial – algo que, ano a ano, trimestre a trimestre, vem sendo a tradução lastimável do monitoramento de indicadores econômicos –, o levantamento da FGV divulgado pelo Estadão acaba por dirimi-la. A indústria está minguando de forma contínua, com alguns sopros de recuperação que acabam invariavelmente por frustrar expectativas.

A compilação dos dados ocorre num momento em que os ecos do artigo do presidente Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin, Neoindustrialização para o Brasil que queremos, publicado no Estadão, mobilizam discussões sobre o tema. Um dos pontos para onde convergiram as principais críticas ao artigo – amplamente aclamado por trazer de volta ao foco a importância do crescimento industrial – foi justamente o de ter abordado apenas de forma tangencial a produtividade, que deveria estar no cerne de qualquer debate sobre a recuperação do setor.

O mundo inteiro assiste ao que os especialistas convencionaram chamar de 4.ª Revolução Industrial, ou Indústria 4.0, termo mais adequado como referência de avanço tecnológico. Inteligência artificial, robótica, internet das coisas, armazenamento de dados em nuvem são a nova realidade do universo fabril, com potencial de transformação talvez maior do que a que representou o surgimento da informática, telecomunicações, robótica e outras inovações tecnológicas a partir da 2.ª Guerra.

O aprimoramento trazido por aquela “nova indústria” mudou as relações em um setor baseado, até então, em siderurgia, metalurgia e setor automotivo, matrizes que em diferentes épocas deram impulso ao capitalismo. No momento em que a Indústria 4.0 ganha forma no mundo, depurando relações comerciais entre países, o Brasil surge com a ultrapassada proposta de incentivos à indústria automobilística, até agora o único sinal enviado pelo governo em direção ao que os mandatários chamaram de “neoindustrialização”. Além de ultrapassada, trata-se de uma medida improvisada e caótica, que muda a cada dia conforme a percepção negativa que se tem sobre ela fica mais clara.

No início seria uma medida para baratear o carro popular, iniciativa cercada de um certo ar populista de criar a qualquer custo a impressão de ressurgimento de uma nova classe média consumista. O teto de R$ 120 mil para o valor dos automóveis, contudo, tirou o caráter “popular” da medida. O prazo, que já passou de quatro meses para um ano, deixa em aberto se a medida será de fato provisória ou permanente. Agora, a última “atualização” é que será dada prioridade a caminhões e ônibus, não mais aos carros.

A bagunça com que está sendo tocada a primeira iniciativa do governo para fazer da indústria “o fio condutor de uma política econômica voltada para a geração de renda e de empregos”, como disseram no artigo o presidente da República e seu vice, dá a ideia de uma política industrial sem rumo. Mas o mais grave é o fato de estarem mirando no alvo errado.

Para chegar ao modelo 4.0, ainda tão distante da nossa economia, a indústria terá de investir pesadamente em pesquisa e desenvolvimento e na qualificação e treinamento de sua mão de obra para melhorar sua produtividade. Talvez consiga, se a massacrante carga tributária, que em 2022 atingiu o recorde de 33,71%, for, enfim, aliviada.

As lucrativas férias dos juízes

O Estado de S. Paulo

Com dois meses de descanso remunerado, juízes relaxam e ainda ganham um extra vendendo parte das férias

Levantamento recente do Estadão mostrou que, nos últimos seis anos, os tribunais gastaram ao menos R$ 3,5 bilhões com a compra de férias de juízes, desembargadores e ministros. Esse valor se deve ao fato de que as férias dos magistrados são de 60 dias. E muitos deles trocam parte dos dois meses de descanso anual, um evidente exagero, pelo recebimento de uma remuneração adicional, que não entra no cálculo do teto constitucional, atualmente de R$ 41,6 mil.

Ter “férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal” é um direito constitucional de todos os trabalhadores, urbanos e rurais. Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na redação dada pelo Decreto-Lei 1.535/1977, as férias integrais têm duração de 30 dias corridos.

No entanto, a Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979) estabeleceu para os juízes um regime diferenciado, mais confortável. “Os magistrados terão direito a férias anuais, por sessenta dias, coletivas ou individuais”, diz o art. 60.

Trata-se de um escárnio com o princípio da igualdade, fundamento do Estado Democrático de Direito. Por lei, todos têm 30 dias de férias. Mas justamente aqueles que têm a tarefa de aplicar a lei para todos dispõem de um regime próprio, que assegura – não se sabe a razão – o dobro de tempo de descanso.

Vendo a agradável benesse dos juízes, os membros do Ministério Público também quiseram o mesmo tratamento. E conseguiram. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) dispõe que “o direito a férias anuais, coletivas e individuais, do membro do Ministério Público, será igual ao dos magistrados”. De novo, o deboche com a igualdade. Aqueles incumbidos pela Constituição da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” não almejaram um período de férias igual ao de todos os trabalhadores brasileiros, urbanos ou rurais. Quiseram ser como os juízes.

A previsão legal de férias em dobro para alguns viola o dispositivo constitucional de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. E pior, ao assegurar o privilégio para juízes e promotores, a lei criou um problema adicional. Aqueles funcionários públicos que deveriam ter mais profundamente incorporado o princípio republicano da igualdade – só assim poderão interpretar e aplicar bem o Direito para todas as pessoas – são tratados pela própria lei como indivíduos de categoria superior, a merecer o dobro de férias.

A previsão legal de férias de 60 dias é inconstitucional e inteiramente disfuncional. Ela não contribui para a melhor distribuição da Justiça. Ao contrário, faz com que o intérprete do Direito, seja na função de magistrado, seja na de membro do Ministério Público, se sinta acima do restante dos cidadãos. E – detalhe não pequeno – a pretensa superioridade sobre os outros não é dada por algum devaneio particular, mas pelo próprio texto legal, o que, por óbvio, nenhuma lei tem autoridade para fazer, já que contraria a Constituição.

 O Brasil está doente

Correio Braziliense

A vida do brasileiro está mesmo difícil. Entre tantas mazelas econômicas e sociais — nossas antigas companheiras — a saúde da população também não fica atrás

A vida do brasileiro está mesmo difícil. Entre tantas mazelas econômicas e sociais — nossas antigas companheiras — a saúde da população também não fica atrás. De acordo com a pesquisa "Saúde do Brasileiro 2023", realizada pela Hibou, empresa de pesquisa e insights de mercado e consumo, metade das pessoas considera-se sedentária; destes, 55% preferem ignorar os primeiros sintomas em vez de procurar especialistas ou remédios com prescrição.

Outros dados mostram a força da internet e a influência negativa sobre a qualidade de vida das pessoas. Cerca de 45% dos respondentes costumam buscar respostas online ou optam por consultar amigos antes de recorrer a um médico, o que demonstra que "os doutores" da tecnologia atuam como profissionais capacitados e conhecedores do estado de saúde de seus "pacientes".

Segundo a coordenadora da pesquisa, Ligia Mello, oito em cada 10 brasileiros se queixaram de dores nos últimos três meses, ou seja, o Brasil é um país 'doente' — seja por falta de informação, ausência da cultura de prevenção, de tempo e de investimento com a saúde, que acaba sendo deixada em segundo plano.

Se a pandemia da covid-19 fez lembrar outras epidemias que mataram milhares de pessoas, em contrapartida, foi responsável por reafirmar práticas médicas como a telemedicina, mas os números ainda são considerados baixos. A confiabilidade na telemedicina e a qualidade dos atendimentos online têm vez para 15%; enquanto 48% ainda gostam de ligar ou ir presencialmente aos locais quando o assunto é saúde. Isso mostra que ainda há uma divisão clara entre os universos online e presencial nas preferências do brasileiro.

Para quem tem a internet como suporte e facilitador, 59% gostam de acessar exames digitalmente; 32% concordam que os canais digitais de atendimento agilizam os processos; 25% usam ou usariam um aplicativo de uma marca que confiam para armazenar informações de saúde; e para 18% usar aplicativos de prescrições médicas é bom para manter o histórico de medicações. Já 10% têm medo de manter seus dados de saúde na internet devido a vazamentos.

Por outro lado, 92% seguem perfeitamente as orientações quando as prescrições médicas estão em mãos. Isso mostra claramente tanto a confiança em médicos, de um lado, como a dificuldade de acesso da maioria da população à saúde, de outro - seja pela rede pública (com as eternas filas para se conseguir uma simples mamografia) ou pelos consultórios médicos da rede privada. Sendo assim, a automedicação torna-se o caminho mais curto e fácil.

No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), quase metade dos brasileiros se automedicam pelo menos uma vez por mês e 25% usam a prática todo dia ou pelo menos uma vez por semana. 

A automedicação, com o agravante de não ter orientação médica, é um hábito comum a 77% dos brasileiros. A pesquisa foi conduzida em maio deste ano, e ouviu 1.180 pessoas por painel digital. O estudo apresenta 2,8% de margem de erro e 95% de intervalo de confiança 

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