Valor Econômico
Troca de ministra surpreende pela demora
A substituição de Daniela Carneiro no
Ministério do Turismo, quando ocorrer, terá surpreendido apenas pela demora.
Era algo configurado desde a sua posse, evento prestigiado apenas por aliados
do Rio de Janeiro, o que chama a atenção, em se tratando de deputada
licenciada. Mais do que denúncias de supostos vínculos de milicianos com seu
grupo político, pesa contra a ministra a falta de entrosamento com o União
Brasil, partido que deve abandonar em breve, e a ausência de articulação com o
Republicanos, futuro partido.
Trocas ministeriais para azeitar a base no
Congresso costumam ser rápidas. É insólita a situação de uma ministra zumbi,
cuja demissão é dada como certa pela própria articulação política do governo no
Congresso, circular pelo Legislativo em audiências públicas e seguir em frente
despachando. Isto por vezes ocorre no caso de ministros em crise, atingidos por
acusações, cuja troca precisa ser improvisada pelo governo federal.
A substituição da ministra tem lógica. Ela é uma deputada federal, está dentro do universo das escolhas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para atender a classe política, e, presume-se, aumentar a governabilidade. Dos 37 ministros, 26 pertencem a partidos, sendo 9 deles fora do eixo da esquerda. Encaixá-la como sendo da cota pessoal do presidente não faz sentido. O União Brasil nunca se sentiu representado na Esplanada e traduz isso na prática.
Levantamento feito pelo Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), assinado por Neuriberg Dias,
selecionou 22 votações no Congresso em que é possível mapear quem está com o
governo e quem está contra. São votações em que o Planalto tinha uma posição
claramente definida e que não eram temas consensuais, havia disputa em
plenário.
O partido mais alinhado ao Planalto
obviamente é o PT, que acompanhou o governo em 99,78% de seus votos. Na seqüência
vem os partidos de esquerda, depois os de centro, como PSD (73%) e o MDB
(67,8%). O União Brasil está em antepenúltimo lugar, com 45% de votos
governistas. Fica adiante apenas do PL e do Novo. Até o PSDB (51,9%) foi mais
alinhado com Lula do que o partido da ministra.
No levantamento do Diap, o governo ganhou
em 15 dessas votações e perdeu em 7. Mas o escore é enganoso sobre a situação
do Planalto no Congresso. Houve derrotas importantes, como a do decreto do
saneamento, a da MP que alterou regras ambientais para a Mata Atlântica, o
aprovação do projeto de lei do marco temporal sobre terras indígenas e a
desfiguração da MP da reforma administrativa, entre outros pontos.
“Os números evidenciam que, em todos os
cenários - vitórias e derrotas - o governo enfrenta dificuldade em garantir um
apoio mínimo em matérias com baixo grau de conflito entre governo e oposição. E
maior ainda quando as matérias ideológicas são submetidas a votação em
plenário”, diz o texto.
O Ministério do Turismo hoje tem orçamento
pequeno, da ordem de R$ 40 bilhões, mas isso não é estático. “A pasta pode ser
turbinada por emendas parlamentares. É o deputado ou senador que direciona seus
recursos”, opinou o consultor político Antônio Augusto de Queiroz, que foi
ligado ao Diap.
Está ao alcance da pasta fazer convênios
com ministros e operar no varejo. Tanto que já passaram pelo ministério, no
passado, articuladores políticos por excelência: Walfrido dos Mares Guia
(2003-2007) e Henrique Eduardo Alves (2015-2016) são alguns. Mares Guia, então
no PTB, seria posteriormente coordenador político de Lula. Henrique Eduardo
assumiu a pasta do Turismo poucos meses depois de deixar a presidência da
Câmara. Pode ser implantado no Turismo o padrão Codevasf, para citar a estatal
que é um repositório de emendas parlamentares, com grande capacidade de
empenho.
Outras trocas no União Brasil não teriam o
mesmo impacto. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, também é deputado
federal Mas sua pasta trata mais de questões regulatórias e de formulação de políticas
setoriais. A interface com o Congresso é menor. O do Desenvolvimento Regional,
Waldez Góes, embora não filiado ao partido, é ligado ao senador Davi
Alcolumbre, o que lhe dá resiliência para seguir no governo.
Uma troca no Ministério do Turismo, portanto,
tem potencial para aumentar a adesão do União Brasil ao governo nas votações do
Congresso. A proximidade da sigla com o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), é outro ativo para se garantir governabilidade.
Sendo tão evidente assim a necessidade de
se substituir a ministra do Turismo, resta entender porque essa troca, embora
não saia de pauta, também não se concretiza.
É aí que entra como possível explicação o
Rio de Janeiro. Daniela Carneiro é a única política do Estado na Esplanada. O
governador do Rio e os três senadores pertencem ao PL, da oposição. A saída da
ministra coloca em risco o comando da Embratur, nas mãos de Marcelo Freixo,
agora no PT. O marido da ministra, Waguinho, prefeito de Belford Roxo, é um pé
do lulismo na Baixada e entre os evangélicos. Pouco rendeu em votos na eleição
de 2022, perdida no Estado para Bolsonaro por larga margem, mas é uma das
cartas que Lula tem na mão para 2026. Tirá-la do governo é um sacrifício de
possível dividendo futuro para colher resultados no presente.
César Felício
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