Valor Econômico
Instituição já apresentou ao TCU esboço do
modelo da autonomia administrativa seguindo um dos modelos recomendados pelo
FMI
Os funcionários, diretores e até o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estão em uma campanha para
combater o esvaziamento da instituição. Querem o reajuste dos salários,
acompanhando o que foi concedido a outras carreiras de Estado, como a Receita
Federal, e a abertura de um concurso para repor o quadro de pessoal. A solução
mais fácil seria simplesmente atender às reivindicações. O melhor, porém, é
resolver o problema estrutural: conceder autonomia administrativa e
orçamentária ao BC e aprovar uma ampla reforma administrativa para todo o
funcionalismo.
O Banco Central apresentou ao Tribunal de Contas da União (TCU) um esboço do modelo da autonomia administrativa, que tornaria a autoridade monetária uma “corporação financeira”, seguindo um dos modelos recomendados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Para ter autonomia administrativa, seria preciso mudar a Constituição para acabar com a sua subordinação ao Orçamento Geral da União.
De fato, está ocorrendo um desmonte do
Banco Central, mas seria exagero atribuí-lo a uma suposta perseguição do
presidente Lula, um crítico da independência operacional concedida em lei. O
esvaziamento do Banco Central é resultado de décadas de descaso, incluindo o
governo anterior, de Bolsonaro.
O Banco Central fez reiterados pedidos para
contratar pessoal ao então ministro da Economia, Paulo Guedes, que nunca
autorizou. Ele estava empenhado num ilusório ajuste fiscal com a corrosão do
salário do funcionalismo e o represamento de contratações de pessoal. A fórmula
não era sustentável e, agora, apresenta-se como uma verdadeira herança maldita.
O problema é mais amplo. Afeta todo o setor
publico, e não só o Banco Central. Ajudaria muito a aprovação de uma reforma
administrativa, que o liberal Guedes não teve apoio de Bolsonaro para fazer. O
corporativismo petista dificilmente levará adiante.
No Banco Central, o salário médio dos
analistas foi de R$ 26,8 mil em 2022, o que não é pouco. Mas a diferença de
ganhos entre o início e o final da carreira é mínimo, de cerca de R$ 7 mil. O
salário é alto para quem está apenas começando na carreira e baixo para quem
acumula conhecimentos técnicos e responsabilidades ao longo de décadas de
serviço público. Os diretores e o presidente do Banco Central ganhavam R$ 17,3
mil. Muito pouco para desestimular que ocorra, de forma acelerada, a porta
giratória entre o BC e o mercado financeiro.
Havia 3.391 funcionários ativos ao fim de
2021, dos quais 310 poderiam se aposentar. Em média, 18 funcionários pedem
demissão por ano para trabalhar em outros lugares. Se o quadro estivesse
completo, deveria haver 6.470 funcionários. Desde 2013 não são realizados
concursos.
Para reajustar salários ou contratar
pessoal, o Banco Central precisa de autorização da área econômica do governo.
Tem um lado democrático, porque o BC compete com os demais órgãos pelos
recursos do Orçamento. Mas, por outro lado, isso significa que o Banco Central
não é autônomo do governo, na prática.
Em tese, um governo que não gosta do que o
BC está fazendo na política monetária ou na regulação financeira pode
estrangulá-lo com um severo contingenciamento de despesas. Também pode, de
forma deliberada, negar concursos para a reposição de funcionários aposentados
ou reduzir salários reais para provocar desligamentos em massa. O risco seria o
Copom definir a Selic mas não ter ninguém para executá-la na mesa de juros no
dia seguinte
Para evitar que isso ocorra, os bancos
centrais de outros países costumam ter autonomia orçamentária. A nota técnica
elaborada pelo Banco Central cita os exemplos da Espanha, Chile, Canadá,
Estados Unidos, México e Nova Zelândia, que têm os seus orçamentos
desvinculados dos orçamentos dos governos.
Nesses casos, os bancos centrais encaminham
diretamente os orçamentos para o Legislativo, e as propostas são aprovadas por
conselhos nos próprios BCs. Muitos bancos centrais cobrem as despesas
administrativas com receitas próprias de serviços prestados - no caso
brasileiro, o Banco Central não tem muitas formas de arrecadação, mas costuma
ter ganhos em outras operações.
Um modelo muito comum de organização dos
bancos centrais é sob a forma de uma corporação financeira, prevista nos
manuais do FMI. Nessa condição, deixam de fazer parte do setor público
consolidado para fins de apuração do resultado primário e da dívida pública.
Mas seus lucros são transferidos ao Tesouro, e os prejuízos, cobertos pelo
fisco, seguindo algumas regras.
O modelo de corporação, se adotado, teria algumas implicações para o cálculo da dívida bruta. O FMI já trata o nosso Banco Central como se, de fato, fosse uma corporação financeira. Por isso inclui na dívida bruta os títulos do Tesouro que estão na carteira do Banco Central. Na dívida bruta calculada pelo BC, a autoridade monetária faz parte do governo, por isso são incluídos apenas os títulos públicos usados em operações compromissadas. Se o BC virar uma corporação financeira, haverá apenas o conceito de dívida bruta do FMI, que é 10 pontos do Produto Interno Bruto (PIB) maior.
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