Inelegibilidade põe em xeque o extremismo de direita
Valor Econômico
Há a certeza de punição a todos que
tramarem o fim da democracia
Inelegível por 8 anos, o ex-presidente Jair
Bolsonaro tem ainda 15 processos a sua espera no Tribunal Superior Eleitoral.
Até certo ponto, o ex-presidente está certo em afirmar que foi julgado pelo
“conjunto da obra”, contida em um fragmento - a coleção de mentiras contra as
urnas eletrônicas, a sugestão antecipada de que não aceitaria seus resultados,
durante encontro com embaixadores estrangeiros em Brasília no 18 de julho de
2022. O relator, ministro Benedito Gonçalves, resumiu os motivos para a
condenação por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação:
“mentiras atrozes” sobre a Justiça Eleitoral que, somadas à “narrativa
imaginária de fraudes”, conduziram a um “flerte perigoso com o golpismo”.
Bolsonaro terá agora de enfrentar várias
batalhas como cidadão comum - após 30 anos, não exerce cargo eletivo que possa
servir de escudo contra graves acusações de ilegalidades, agressões à
democracia e uma atuação criminosa durante a pandemia. De um lado, lutará para
não ser preso e de outro, para tentar manter-se como o principal líder da
direita no país, escolhendo seu “sucessor” nas urnas. É possível que esses
desafios excedam sua capacidade política e intelectual e ele caminhe com para o
ostracismo.
Apesar de ter um eleitorado cativo relevante, o poder de Bolsonaro mobilizá-lo será declinante sem as alavancas do Estado nas mãos. O bolsonarismo, como tal, carece de substância. Há conservadores de todos os matizes que apoiaram o ex-capitão, amalgamados pelo anti-petismo. A chama que poderá inspirá-los, a mesma que poderá dar calor a pretensões de Bolsonaro, serão os desacertos do governo Lula.
Sem perspectiva de poder, Bolsonaro tem
outra estatura no jogo político. Ele se mostrou incapaz de construir qualquer
coisa por esforço próprio, muito menos uma agenda política positiva. O que o
levou à Presidência foi a somatória de todas as rejeições - à politicagem
barata, à ladroagem aberta exposta pelo petrolão, à liberalidade dos costumes,
que choca graus variados de conservadores, à perda dos valores cristãos na
sociedade moderna, ao petismo etc. As ideias do ex-presidente são quase todas
reativas, recheadas de preconceitos - em um país miserável, ele é contra
pobres, além de pretos, mulheres, homossexuais, indígenas, quilombolas, vacinas
e muito mais.
Como demonstrou na Presidência, Bolsonaro
carece de visão política estratégica. Com todo o poder nas mãos, e o PT
reduzido a uma oposição insignificante, sequer conseguiu formar um partido,
quando políticos que não chegaram tão longe quanto ele ergueram com facilidade
suas legendas, a ponto de o Brasil hoje possuir mais de 30 delas. Especialista
em agredir políticos com agendas sociais e porta-voz da pauta corporativa dos
militares, Bolsonaro não soube sequer lidar com seus pares, após décadas de
atuação no Legislativo.
Prova de sua falta de tirocínio e
incompreensão da própria experiência acumulada foi o fato de recusar-se a
forjar uma base política no Congresso, quando o campo do adesismo estava
aberto, oferecendo-se por alguns vinténs. Depois de ver a aproximação rápida do
risco de impeachment por uma sucessão de arroubos autoritários, entregou seu
destino ao Centrão de Arthur Lira, a um preço alto. Essa inabilidade, na qual
Bolsonaro e seus acólitos viram uma virtude, é de fato um traço definidor de
seu caráter político: ele não acredita na democracia nem no jogo parlamentar. Seu
ideal é uma ditadura, sob seu comando.
Bolsonaro tentou manter-se no poder,
arquitetando uma saída antidemocrática, mas fracassou. Na hora decisiva, o alto
comando militar não embarcou no projeto pessoal de alguém que se mostrou tão
inepto para dirigir o país, tão instável e imprevisível no trato com os
próprios militares, além de tão indiferente aos rumos do Brasil e a tudo que
não fosse a perspectiva de poder pessoal.
O prestígio relativo de Bolsonaro depende
da rejeição a Lula e ao PT. Com seus erros, o presidente Lula pode manter por
mais tempo o ex-presidente no jogo. É inacreditável que na véspera do desfecho
do julgamento de Bolsonaro, um inimigo da democracia, Lula tenha dito que o
conceito de democracia é relativo, que o Brasil tem menos eleições que a
Venezuela, cujos dirigentes nada fizeram de errado. No mesmo dia, soube-se que
a comissão eleitoral do país, sob comando governista, impugnou as candidaturas
dos três membros mais populares da oposição a Maduro. Bolsonaro só tem a ganhar
com deslizes de Lula como esse, cada vez mais frequentes.
Com Bolsonaro inelegível, há espaço para
candidatos de direita menos extremistas e de um centro renovado. É duvidoso que
Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, que detêm o comando de Estados eleitoralmente
decisivos, precisem de aval ou proximidade de Bolsonaro, de quem já guardaram
distância nas últimas eleições. Se existe alguma chance do conservadorismo
voltar ao poder é voltando-se ao centro, expurgando o extremismo de Bolsonaro.
Com a sucessão de processos em curso, Bolsonaro e quem o apoiar carregarão um
peso negativo considerável. Uma eleição menos polarizada seria um inegável
efeito positivo da inelegibilidade do ex-capitão. Outro, maior, é a certeza da
punição a todos que tramarem o fim da democracia.
Falta de creches pune as crianças, as mães
e o país
O Globo
Brasil está ainda distante de cumprir a
meta de atender em 2024 50% dos que têm menos de 3 anos
A falta de creches públicas em todo o país
pune duplamente as mães brasileiras. Primeiro, porque, sem ter com quem deixar
os filhos pequenos, elas se veem forçadas a abrir mão do trabalho, renunciando
a uma alternativa fundamental para compor o orçamento familiar. Segundo, porque
compromete o aprendizado das crianças, especialmente nas famílias em que os
pais têm baixa escolaridade, situação em que a escola é essencial para um
futuro melhor.
Sai governo, entra governo, e os números
permanecem decepcionantes. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad)/Educação,
do IBGE, revelam que, de todas as crianças de até 3 anos no país, 7,2 milhões
estavam fora da creche no ano passado por motivos diversos, incluindo falta de
interesse dos pais. Desse total, 34% não estão matriculadas porque as mães não
conseguiram vaga. São 2,5 milhões de crianças nessa situação, contingente maior
que a população de Belo Horizonte.
O pouco-caso com as crianças leva a
situações inaceitáveis, como mostrou reportagem do GLOBO. Uma mãe que mora em
Formiga (MG) contou que precisará abandonar o emprego num supermercado porque
não tem com quem deixar a filha de 2 anos. Outra disse estar preocupada com o
desenvolvimento do menino de 2 anos que pouco fala. Ela acredita que o ambiente
escolar ajudaria a socializá-lo.
Como ocorre noutros setores, a educação
infantil é marcada pela desigualdade. Apenas 2% das cidades do país atendem
mais de 85% de suas crianças com até 3 anos em creches, segundo a tese de
doutorado “Acesso à creche nos municípios brasileiros”, do pesquisador André
Augusto dos Anjos Couto. A disparidade fica clara quando se constata que
municípios com baixo nível socioeconômico oferecem creche a 27% de crianças
nessa faixa etária. Nos mais ricos, o percentual sobe para 46%. Infelizmente, a
construção de creches costuma seguir mais os interesses paroquiais de políticos
em busca de dividendos eleitorais que a necessidade dos moradores. Não deveria
ser assim.
Embora a creche não seja etapa obrigatória
no ensino, não se trata de favor dos governos oferecer vagas às crianças
pequenas. De acordo com o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), o
Brasil deveria manter, já em 2024, 50% das crianças de até 3 anos em creches.
Considerando que o patamar hoje está em 36% e que a demanda tem crescido nos
últimos anos (em 2019 eram 2,3 milhões sem vaga), é pouco provável que a meta
seja atingida.
O país precisa de mais creches, de
preferência onde são mais necessárias. Antes de se meter a construir, porém, o
governo deveria concluir as muitas obras paradas — boa parte delas iniciada
ainda nos governos petistas. O Brasil tem hoje mais de 700 obras de construção
ou reforma de creches. A grande maioria (90%) está paralisada. Terminá-las não
só evitaria desperdício de dinheiro público já gasto em projetos malconduzidos,
como também beneficiaria crianças, suas mães e o próprio país, que necessita
cada vez mais de força de trabalho.
Extensão de subsídios a automóveis consegue
piorar o que já era ruim
O Globo
Haddad confirmou que liberará mais R$ 300
milhões para ajudar indústria baseada em combustíveis fósseis
Uma política ruim sempre pode piorar. É o
caso do programa do governo Luiz Inácio Lula da
Silva de estímulo à venda de “carros populares” — que de populares não têm nada
— para tirar do atoleiro uma indústria automotiva desconectada dos tempos
atuais. Nos últimos dias, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, confirmou que liberará mais R$ 300 milhões para a
iniciativa, além do R$ 1,5 bilhão já previsto. As regras serão praticamente as
mesmas já em vigor: os bônus variarão de R$ 2 mil a R$ 8 mil por veículo, e o
incentivo valerá para carros que custam até R$ 120 mil.
Estímulos à indústria automobilística são
uma obsessão dos governantes brasileiros, em particular petistas. Traduzem a
visão ultrapassada segundo a qual o setor é motor do crescimento. Não funciona,
como já deveriam saber. No governo Dilma Rousseff, o programa Inovar-Auto, que
ambicionava modernizar a produção no país, sugou R$ 1,3 bilhão por ano em
incentivos e não deu em nada. Ainda rendeu ao Brasil uma condenação na
Organização Mundial do Comércio (OMC). A ajuda do Estado ao transporte de carga
também não resolveu os problemas dos caminhoneiros. E por aí afora.
Mesmo agora, com os novos subsídios, a
estagnação das montadoras não dá sinais de recuperação. Na semana passada, a
Volkswagen anunciou parada temporária da produção em suas três fábricas, sob o
argumento de que é preciso adequá-la à demanda. Os pátios no ABC paulista estão
lotados.
Subsidiar a indústria automotiva não é um
erro em razão apenas do resultado pífio. Também contradiz o discurso
ambientalista do governo. Antes de assumir, Lula prometeu trabalhar para
reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O que faz agora? Concede
incentivos a uma indústria movida a combustíveis fósseis. Nada mais distante do
que o governo prega nos fóruns internacionais.
É verdade que a frota brasileira está
envelhecida, que carros novos poluem menos e que o programa prioriza veículos
movidos a etanol. Mas não faz sentido incentivar o transporte individual num
país que não consegue dar uma resposta minimamente adequada aos problemas do
coletivo. A esta altura, o governo deveria estar traçando políticas públicas
para estimular a construção e implantação de metrôs, trens ou bondes, que usam
energia limpa. Ou então corredores de ônibus (BRTs), que transportam mais
gente, ocupam menos espaço na via pública e lançam menos gases na atmosfera.
A promessa de que o afago à indústria automotiva seria por tempo limitado está virando fumaça, já que o governo sempre encontra um jeitinho de prorrogar benesses às montadoras. Despejar dinheiro público em incentivos quando o país busca aumentar a arrecadação não esvaziará os pátios das fábricas nem multiplicará postos de trabalho, pois isso depende do desempenho da economia. O governo deveria deixar a indústria andar sozinha e aplicar esses recursos em áreas onde eles realmente são necessários, como educação, saúde ou infraestrutura. Seria maior a chance de ajudar o país.
Preservar a reforma
Folha de S. Paulo
Desafio será evitar que lobbies desfigurem
a proposta de redesenho dos impostos
Aproxima-se o momento mais crítico da
reforma que pretende simplificar a cobrança dos tributos sobre o consumo.
Debatida ao longo de décadas e nunca levada adiante, a pauta é das mais
essenciais para a eficiência da economia. Não sem resistências, o país tem
agora uma chance ímpar para avançar.
A proposta de emenda constitucional em pauta,
conforme relatório elaborado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), prevê a
extinção de cinco impostos e contribuições (PIS, Confins e IPI, federais, ICMS,
estadual, e ISS, municipal).
Em seu lugar, serão instituídos dois
tributos sobre bens e serviços —a CBS, da União, e o IBS, a cargo dos governos
regionais.
A dupla reúne as características defendidas
pela maioria dos especialistas. Em vez do atual emaranhado de alíquotas,
exceções e regimes especiais, há total unificação da incidência em toda a
cadeia de produção e comercialização.
Embora não tenha havido acordo para a
alíquota única, dada a oposição de setores hoje menos tributados, o texto
permite poucas variações e mantém a espinha dorsal da reforma. Educação, saúde,
transportes e agropecuária, por exemplo, sofreriam cobrança menor.
O princípio da taxação no local do consumo,
não da produção, é outra alteração correta, que acaba com a chamada guerra
fiscal por investimentos entre os Estados.
Propõe-se a criação de um conselho
federativo para gestão e partilha dos recursos, cujos procedimentos, assim como
as alíquotas dos novos tributos, devem ser definidos em lei complementar.
Prevê-se um período de transição para os
contribuintes até 2033, ao passo que a partilha dos recursos na Federação seria
alterada muito mais gradualmente, até 2078.
Por fim, determina-se que a União contribua
para dois fundos regionais, um para garantir a receita de Estados perdedores e
outro para custear a manutenção até 2032 dos benefícios fiscais já concedidos.
Com o texto da proposta disponível e a
aproximação de uma tentativa de votação na Câmara nas próximas
semanas, vão se aglutinando as resistências de sempre. Será inevitável que
outros setores e atividades busquem exceções, o que deve ser evitado ao máximo.
O vetor contrário principal, contudo, vem
de parte dos estados e municípios. A crítica ao conselho federativo é ampla,
sob a premissa de que haveria perda de autonomia. Também há disputas em torno
dos valores dos fundos a serem bancados pela União.
A reforma é das mais complexas, em razão
dos impactos setorial e federativo. Mas também tem potencial de ampliar
sensivelmente a produtividade e o emprego.
Falta o
engajamento de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que até aqui não
participou das negociações. Será importante, sobretudo, impedir que o relatório
acabe desfigurado pelas pressões de lobbies diversos.
Escolhas de Tarcísio
Folha de S. Paulo
Governador, que permitiu tributo a nome da
ditadura, terá decisões mais difíceis
Desde a campanha eleitoral, e sobretudo
após conquistar o governo paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos) segue
uma estratégia bem ensaiada para se firmar no cenário político nacional.
Apresenta-se como técnico experiente, que
prioriza a melhoria da gestão pública; de pensamento liberal em economia, mas
avesso a guerras culturais e ideológicas; à direita, mas disposto ao
entendimento com outras forças.
Se tal imagem é compatível com sua
trajetória na vida pública, não é menos verdadeiro, porém, que Tarcísio deve
seu ingresso na política e a cadeira no Bandeirantes a Jair Bolsonaro (PL), e
os seguidores do ex-presidente ainda constituem a base de apoio mais segura ao
ex-ministro da Infraestrutura.
Com Bolsonaro tornado inelegível, um pupilo
em posto de tamanha projeção será naturalmente encarado como candidato à
sucessão presidencial. O governador terá de praticar sob os olhos mais atentos
do eleitorado seu equilibrismo entre a busca de uma identidade e a fidelidade
ao criador.
Fugir de escolhas não será possível, como
se vê agora no caso vexatório da homenagem
sancionada pelo governo Tarcísio a um personagem simbólico da repressão no
período da ditadura —o coronel Erasmo Dias, morto em 2010.
A Assembleia Legislativa teve a ideia
funesta de dar o nome do militar, ex-secretário estadual de Segurança e
ex-deputado, a um entroncamento de rodovias na região de Paraguaçu Paulista. O
projeto dependia da sanção do Executivo, que acabou assinada pelo
vice-governador, Felício Ramuth (PSD). Tarcísio estava fora do país.
Erasmo Dias defendeu até o final da vida a
medida que marcou sua participação no regime autoritário —uma violenta
intervenção policial em um ato de estudantes da PUC-SP, no ano de
1977. O atual governador de São Paulo provavelmente não diria o mesmo, mas
tampouco se dispôs a impedir a homenagem ao mentor da invasão.
O figurino de gestor pragmático e avesso a embates tem alcance limitado quando há forças políticas relevantes propensas a atacar os valores democráticos. Venha a ser ou não candidato ao Planalto, Tarcísio terá pela frente decisões mais difíceis que o nome apropriado de uma via rodoviária —e elas envolverão personagens vivos.
A reinvenção da direita brasileira
O Estado de S. Paulo
Para aproveitar as oportunidades da
inelegibilidade de Bolsonaro, a direita civilizada precisa depurar valores
conservadores e liberais e concretizá-los em um movimento cívico
A única coisa maior do que as oportunidades
abertas é a montanha de desafios.
Ante a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, a
única coisa maior que a janela de oportunidades aberta à direita é a montanha
de desafios que precisa superar. Bolsonaro é um feroz antiesquerdista, mas
nunca foi conservador nem liberal, só um demagogo nostálgico da ditadura e
hostil ao ecossistema democrático da Constituição de 88.
Em todo o mundo as democracias liberais
estão na defensiva. Fora, o aventurismo militar da Rússia e o expansionismo
diplomático da China buscam reconstruir uma ordem mundial adaptada às suas
ambições autocráticas. No Ocidente, eles despertam medo, mas também seduzem
esquerdas e direitas abastardadas, pela suposta eficiência de seus “modelos” de
crescimento ou defesa das tradições. Dentro, há uma crise de identidade,
evidente nas próprias distorções do termo “liberalismo”: nos EUA, ele está
associado à “nova esquerda” e seu identitarismo divisivo e autoritário; em
outras democracias, a propaganda esquerdista o desfigurou, associando-o ao
espantalho “neoliberal”, que nada mais é que um darwinismo social. Ao mesmo
tempo, cresce o falso conservadorismo da extrema direita hostil à globalização
e a minorias.
Em sua história do liberalismo, Edmund
Fawcett divisou quatro valoreschave da identidade liberal. Primeiro, que a
sociedade deve ser plural; um espaço de conflitos politicamente canalizados a
uma competição de ideias frutuosa. Segundo, que é preciso progredir por
reformas, não rupturas. Terceiro, a desconfiança da concentração do poder.
Quarto, a defesa dos direitos pessoais, políticos e de propriedade. A renovação
não passa por desconstruir esses valores, mas empregá-los como alicerces na
construção de um contrato social liberal adaptado ao século 21.
A direita precisa fazer um exame de
consciência, reconhecer sua complacência com as desigualdades sociais e
energizar seus compromissos com a responsabilidade individual, a liberdade
econômica e a distribuição do poder para demonstrar convincentemente que estes
são os meios mais eficazes para construir uma sociedade inclusiva, justa e
próspera.
O desafio no Brasil é o mesmo, mas mais
profundo, porque aqui, mais do que se reinventar, a direita precisa se
inventar. Na redemocratização, as expressões do liberalismo se restringiram ou
a farsas deletérias (como Fernando Collor ou Bolsonaro) ou a soluções de
compromisso de uma socialdemocracia esclarecida (FHC). Com curtos estoques de
tempo e popularidade, Michel Temer sanou excessos desastrosos do estatismo
petista – se teria energia ou convicção para edificar instituições liberais, é
algo que fica no campo da especulação. Ao redor dessas ilhas liberais, há um
conservadorismo difuso na sociedade, que com o movimento evangélico ganha força
(mas também toques de obscurantismo), e um conservadorismo amorfo na arena
política (que muitas vezes só serve à conservação de privilégios elitistas e
paroquiais).
Não se trata só de depurar essa massa
crítica para esculpir no ideário político valores conservadores e liberais. É
preciso concretizá-los articulando um partidarismo de direita no melhor sentido
do termo. Isso implica reverter a lógica do populismo. Não oferecendo programas
tecnocráticos de cima para baixo, muito menos se embrenhando na disputa por um
novo “salvador da pátria”, ou seja, jogando o jogo do culto à personalidade
caro ao lulopetismo e ao bolsonarismo. Como cravou William Waack no Estadão,
“falta de nomes não é o maior problema da direita pós-Bolsonaro; falta projeto
de País”. O erro seria insistir na estratégia de desmoralização dos eleitores
de Lula ou Bolsonaro. Ao contrário, é preciso humildemente ouvi-los, construir
com eles compromissos de baixo para cima e comunicá-los com paixão, a fim de
dinamizar uma mobilização cívica inspirada nas grandes articulações políticas
que edificaram a Nova República nas “Diretas Já” e superaram suas crises com os
impeachments de Collor e Dilma. Esse é o caminho para a reinvenção da direita.
A menos que o trilhe, ela continuará a agonizar pelas mãos de seus adversários
ou usurpadores.
Os fundamentos das decisões do Supremo
O Estado de S. Paulo
É oportuna a iniciativa do STF de
apresentar, de forma acessível, sua jurisprudência sobre temas sensíveis, como
a liberdade de expressão. País não pode ficar refém da desinformação
Há muita crítica contra o Supremo Tribunal
Federal (STF). E há também muita incompreensão sobre o funcionamento da Corte.
Quase sempre, as críticas ignoram o fundamento dos votos, bem como a própria
jurisprudência anterior do Supremo, limitando-se a expressar contrariedade com
a decisão da qual se discorda. Sob essa ótica, a atuação do Supremo ganha um
caráter casuístico, quase arbitrário, como se as decisões dependessem
unicamente das idiossincrasias de cada ministro. É um cenário desafiador para o
Supremo, cuja autoridade é necessária para que possa desempenhar seu papel
institucional contramajoritário de defesa da Constituição.
Junto a isso, como parte do mesmo fenômeno,
há muita desinformação sobre as liberdades e garantias fundamentais,
disseminando graves incompreensões sobre temas fundamentais do Estado
Democrático de Direito. Frequentemente, o debate público é tomado por visões
simplistas, cujo único objetivo é manipular, dificultando ou mesmo
impossibilitando uma discussão serena e madura dos temas.
Nesse contexto, é muito oportuna a
iniciativa do STF de lançar a linha editorial Supremo Contemporâneo, com
publicações que reúnem de forma acessível a jurisprudência da Corte sobre
diferentes temas. O objetivo é apresentar um resumo de precedentes
especialmente relevantes, com os fundamentos utilizados e trechos dos votos dos
ministros. Agrupar essas decisões, proferidas em diferentes momentos, ajuda a
dar sentido e contexto ao trabalho do STF em defesa da Constituição ao longo do
tempo.
Com 29 julgados de 2007 a 2022, o primeiro
volume da série é dedicado à liberdade de expressão. Há processos famosos, como
a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição (2009), o fim da exigência
de diploma para o exercício do jornalismo (2009), a liberação das biografias
não autorizadas (2015) e o pretenso direito ao esquecimento (2021). “É
incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento”, disse o
STF.
O precedente mais recente citado no livro
afirma que “a liberdade de expressão não pode ser usada para a prática de
atividades ilícitas ou discursos de ódio, contra a democracia ou contra as
instituições” (2022). O mais antigo, de 2007, é a declaração de
inconstitucionalidade de decreto distrital de 1999 proibindo a realização de
manifestações públicas na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios,
Praça do Buriti e vias adjacentes.
Segundo o STF, a restrição ao direito de
reunião estabelecida no decreto “é inadequada, desnecessária e
desproporcional”, confrontando “com a vontade da Constituição, que é permitir a
reunião pacífica para fins lícitos”. O STF não disse que o governo do Distrito
Federal não pode proibir uma manifestação violenta. Apenas afirmou que não se
pode, sob pretexto da segurança pública, impedir toda e qualquer manifestação.
Precedente especialmente interessante para
o debate atual é a decisão de que as marchas da maconha, com manifestantes
defendendo a descriminalização da droga, não constituem crime. O debate pela
abolição penal de uma conduta punível “não se confunde com incitação à prática
de delito, nem se identifica com apologia de fato criminoso”. Segundo o STF, o
Estado não pode reprimir o debate “ainda que as ideias propostas possam ser
consideradas, pela maioria, estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas
ou inaceitáveis, sendo inadmissível a proibição estatal do dissenso”.
O livro traz decisões que aparentemente não
dizem respeito à liberdade de expressão, mas cuja fundamentação remete ao tema.
Por exemplo, ao declarar a constitucionalidade do fim da contribuição sindical
obrigatória, o STF afirmou que, com o engajamento político de entidades
sindicais, fixar contribuições compulsórias de quem não concorda com tais
posicionamentos configura “violação à garantia fundamental da liberdade de
expressão”.
A defesa da Constituição inclui enfrentar a
desinformação. É preciso expor de forma acessível a jurisprudência do STF e
seus fundamentos. Assim, muitos fantasmas desaparecem.
Insistência no erro
O Estado de S. Paulo
Programa do ‘carro popular’, que nem deveria
existir, é prorrogado, a despeito da ineficácia
Não surpreendeu ninguém a decisão do
governo de prorrogar o programa de incentivo ao “carro popular”. Uma vez que o
gênio do populismo sai da garrafa, não há meios de fazê-lo voltar para lá.
Restou ao ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, a inglória tarefa de fazer caber nas contas do governo os devaneios de
seu chefe, o presidente Lula da Silva.
Com reforço extra de R$ 300 milhões, o
programa chegará agora às locadoras de veículos, principais clientes da
indústria automotiva. Os incentivos de R$ 500 milhões inicialmente destinados à
compra de veículos leves praticamente se esgotaram em menos de um mês, período
em que o programa ficou restrito às pessoas físicas.
Desde o início do plano, os fabricantes já apelavam
por mais recursos para atender também os clientes empresariais. Bastaram
fotografias de pátios de montadoras lotados e o anúncio de férias coletivas e
suspensão de turnos de trabalho para prontamente conseguirem o adicional. Com
isso, o total de R$ 1,5 bilhão – incluídos aí caminhões e ônibus – pulou para
R$ 1,8 bilhão em três semanas.
Recursos destinados a estimular um segmento
específico surgiram como num passe de mágica, ignorando as enormes dificuldades
que o próprio governo enfrenta para elevar receitas e cumprir a meta fiscal. A
criação de um benefício setorial já seria questionável, mas se torna
incompreensível quando o País está, enfim, próximo de definir uma reforma
tributária que visa a combater esse tipo de política.
O governo bancará a extensão do programa
com recursos extras oriundos da tributação do diesel. O consumidor, segundo o
ministro Fernando Haddad, não sentirá diferença no preço do combustível, pois a
queda da cotação do petróleo compensará o aumento de impostos. Ninguém mencionou
que o reforço de arrecadação que vai incentivar a aquisição de automóveis de
até R$ 120 mil por pessoas físicas e locadoras poderia ajudar na busca de
equilíbrio das contas públicas.
Era uma questão de escolha, e esta
certamente foi uma escolha ruim. Em se tratando da indústria automobilística,
pacotes temporários invariavelmente foram estendidos por tempo acima do
previsto. Rota 2030, Inovar-Auto, o “Fusca do Itamar” e tantos outros que se
sucederam desde a década de 1970 não trouxeram o retorno esperado em aumento de
produtividade, esta sim crucial para o desenvolvimento industrial. E, além de
não entregar a inovação prometida, o Inovar-Auto, que vigorou de 2012 a 2017,
ainda valeu ao Brasil uma condenação na Organização Mundial do Comércio (OMC)
por protecionismo.
Todos já sabiam que o programa do “carro
popular”, a exemplo de seus antecessores, não resolveria o problema do setor,
que tem excesso de capacidade instalada e nenhuma competitividade para exportar
veículos para outros mercados. Mas talvez tenha sido a primeira vez na história
que a produção de automóveis tenha sido suspensa em plena vigência do programa
de incentivo, prova de que a chantagem sempre funciona. É também a maior
evidência de que a medida jamais deveria ter sido renovada.
O alerta do aspartame
Correio Braziliense
"O motivo é o anúncio de que um dos
adoçantes artificiais mais populares e comuns do mundo, o aspartame, está
prestes a ser classificado como "possivelmente cancerígeno para
humanos" pela IARC, órgão vinculado à OMS"
Pode soar impensável para as gerações
atuais, mas alguns leitores mais antigos certamente vão se lembrar: houve um
tempo em que médicos, cientistas e órgãos de saúde atestavam a segurança no uso
do tabaco. Sim, o hábito de fumar, hoje obviamente nocivo e um dos principais
causadores de câncer nas pessoas, era considerado perfeitamente seguro até para
grávidas. Pois é possível que, em breve, um dos costumes mais regulares dos
dias de hoje, o de consumir alimentos com adoçantes que substituem o açúcar,
seja visto pelas gerações futuras também como impensável.
O motivo é o anúncio de que um dos adoçantes artificiais mais populares e comuns do
mundo, o aspartame, está prestes a ser classificado como "possivelmente
cancerígeno para humanos" pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o
Câncer (IARC), um órgão vinculado à Organização Mundial da Saúde (OMS).
A expectativa é de que a definição oficial da substância seja anunciada no
próximo dia 14, após uma abrangente revisão de 1,3 mil estudos científicos
sobre o adoçante. O Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da
OMS e da Organização para Agricultura e Alimentação (JECFA) também emitirá um
documento sobre o uso de aditivos alimentares na mesma data, que deverá
complementar o anúncio da IARC.
Facilmente encontrado em produtos das
gôndolas do supermercado, como os refrigerantes com zero caloria, e consumido
por uma enorme parcela da população, o aspartame vem sendo classificado como
seguro desde a década de 1980. A confirmação de que ele provavelmente é cancerígeno
levanta uma série de preocupações legítimas e acende diversos alertas para
governos e autoridades de saúde.
O principal problema é que faltam
informações seguras sobre os produtos que consumimos e seus potenciais impactos
em nosso organismo. O aspartame é apenas um exemplo de substância que pode
estar sendo ingerida de maneira constante sem que tenhamos conhecimento
adequado dos riscos envolvidos. Por isso, esta situação, apesar de preocupante,
também pode ser uma oportunidade para uma revisão minuciosa de nossas políticas
de segurança alimentar.
Antes de tudo, é fundamental que a
indústria de alimentos e bebidas assuma a responsabilidade de informar
adequadamente os consumidores sobre os ingredientes utilizados em seus
produtos. As embalagens devem fornecer informações claras e precisas sobre os
possíveis perigos associados ao consumo de aspartame e outros aditivos
alimentares, já sob a nova determinação a ser anunciada, permitindo assim que
cada indivíduo tome decisões informadas sobre sua alimentação.
Em paralelo, o Ministério da Saúde precisa
liderar uma grande ação de conscientização sobre os riscos potenciais do
aspartame. Também é necessário que a comunidade médica, pesquisadores e
entidades como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) façam uma
ampla reavaliação das classificações de todas as outras substâncias adoçantes
de uso regular, e de outros aditivos alimentares usados comumente na indústria
e nos chamados alimentos ultraprocessados.
A população precisa ter o direito de saber o que está colocando em seus corpos e quais são os possíveis efeitos dessas substâncias a longo prazo. O risco de possíveis danos à saúde não pode mais ser ignorado, e a hora de ação é agora.
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