Folha de S. Paulo
As consequências do consequencialismo
judicial desmedido são visíveis
"Xandão venceu." O tuíte da
jornalista Malu Gaspar capta bem o sentimento público quanto à decisão do TSE
sobre a inelegibilidade de Bolsonaro. Ele sugere personalização de decisões das
cortes superiores –vistas como vendetas– e, mais preocupante, que a decisão
tenha sido abertamente consequencialista. É um truísmo afirmar que as decisões
de cortes superiores são políticas latu senso. Faço uso aqui da expressão para
aquelas que não estão ancoradas estritamente no que está previamente
estabelecido em lei –e que visa objetivos outros.
Numa análise positiva, há fatores que explicam o padrão hiperbólico de atuação do STF e, agora, do TSE.
Destaco aqui um aspecto que não está entre
os "suspeitos usuais"; não se trata de judicialização da
política, ativismo processual individual ou usurpação de
imaginário poder moderador. Esses elementos estão indiretamente presentes, mas
um fator explicativo decisivo é que o STF e os juízes individualmente passaram
a ser eles próprios alvos de ataques. Senão vejamos.
A reação à Lava Jato e a inusitada mudança
radical de posições individuais de juízes tiveram lugar após investigações que
envolveram o Coaf sobre dois juízes, dando origem ao inquérito das fake news,
que, entre outras coisas, censurou texto da Revista Crusoé sobre o assunto. Os
ataques ao STF tiveram início ainda antes da posse do presidente através de
Eduardo Bolsonaro. As diatribes de Weintraub em reunião ministerial e o
episódio dos foguetes lançados sobre o STF revelam a escalada retórica.
E mais: o próprio presidente pediu o
impeachment de dois juízes e ameaçou descumprir decisões da Corte. Com Daniel
Silveira, o ataque e a punição assumem forma aberta de vendeta.
Tudo isso é inédito. Nada semelhante
ocorreu durante os episódios de confrontação no mensalão ou no petrolão. O novo
protagonismo do Judiciário na Nova República se alimentou de sua atuação como
corte criminal e se manifestou em decisões sobre costumes etc. Nele atuou como
árbitro, e não como parte. Isso explica, mas não justifica, o novo padrão de
atuação do STF. Não se trata, portanto, de expansão linear de judicialização da
política.
A decisão do TSE é hiperbólica não porque
Bolsonaro não tenha cometido crimes (ex. de responsabilidade), mas porque,
tratando-se do caso específico (evento com embaixadores), é desproporcional
(como também o foi a de Dellagnol). O consequencialismo político desmedido tem
consequências: converte as cortes e a nomeação de juízes em vale tudo
institucional. No qual apenas a lealdade política e a pessoal importam. As
consequências deste "consequencialismo" já são visíveis. A nomeação de Zanin é a cereja do bolo.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)
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