O Globo
Existe uma possibilidade de a direita
pós-Bolsonaro aceitar de forma tímida a ideia de proteção ao meio ambiente
A roda rodou, a fila andará. E agora, Jair?
É uma questão coletiva: as mudanças num campo político, indiretamente, devem
provocar mudanças no campo oposto. Emerge uma nova configuração.
Tenho feito muitas perguntas desde que se
tornou previsível o resultado do júri. Algumas talvez até já tenham resposta,
como a sucessão pessoal em 2026. Será uma escolha de sangue, um dos filhos de
Jair? Será alguém com poder político e aura de administrador?
A direita tomará um novo rumo. Seguirá
sendo pautada pelos temas de Bolsonaro? Nas análises anteriores, concluí que a
misoginia de Trump e Bolsonaro tinha a base de apoio nas redes sociais. Nos
Estados Unidos isso é mais nítido. Campanhas antifeministas precederam a
entrada de Trump em cena eleitoral. Coletivos de homens revoltados com a
rejeição feminina cresceram, surgiram os incel, coletivos de celibatários
involuntários.
O ressentimento com as mulheres atingiu um nível dramático com o culto a Elliot Rodgers, um jovem de 22 anos que matou seis pessoas e lançou um manifesto falando de seu fracasso com as mulheres. Embora não exista uma estrutura tão organizada no Brasil, Bolsonaro intuiu que hostilizar as mulheres era um caminho popular entre um grande número de homens. Acontece que, no Brasil, as mulheres são maioria e definem as eleições. É possível que a direita descubra isso e as trate, pelo menos, com um respeito formal. Já seria algum tipo de mudança.
A destruição apaixonada do meio ambiente e
a negação do aquecimento global são típicos de Bolsonaro. Coincidem em parte
com a direita americana. Não é assim, entretanto, com a direita europeia. Entre
os ingleses há um intenso diálogo da ecologia com a visão conservadora. A base
parlamentar, parte substancial do agronegócio, é entusiasta da visão de
Bolsonaro. O problema são as características do Brasil, suas grandes chances
como potência ambiental, a nova maneira de ver os recursos ambientais como
riqueza estratégica. Existe, portanto, uma possibilidade de a direita
pós-Bolsonaro, caso a ala mais radical não predomine, aceitar de forma tímida a
ideia de proteção ao meio ambiente.
Qualquer avanço civilizatório, depois da
hegemonia bárbara do bolsonarismo, obrigará também a mudanças no campo oposto.
Se todos passam a falar na proteção ao meio ambiente, onde estará o traço
singular de cada um? Muito possivelmente terão de ganhar força não só o
discurso socioambiental e a luta contra mudanças climáticas e a desigualdade —
o que foi enunciado por Lula no
discurso de junho em Paris. A
distinção terá de aparecer na prática, na forma de milhares de empregos verdes,
no desenvolvimento de projetos científicos na Amazônia,
com remuneração do saber tradicional.
Todas as possíveis mudanças não trarão
jamais o país ao estágio inicial da redemocratização, quando rivalizavam PT e
PSDB. A revolução digital deu voz a milhares de atores novos, a lógica do
algoritmo favorece o escândalo, o exagero, até a agressiva desqualificação do
adversário político. A dúvida, em primeiro lugar, é saber se essas novas
tendências, que encarnaram em Bolsonaro, terão condições de hegemonizar a
direita ou apenas se integrarão a ela. Outra incógnita é como se dará o debate
no campo oposto. Não há mais o bicho-papão que diz barbaridades a cada passagem
pelo cercadinho; pode surgir uma perspectiva ligeiramente mais sofisticada e,
portanto, difícil de combater.
Sem dúvida, acabou uma fase, e nós
marchamos. Mas para onde?
Vivemos uma situação inédita, pois Trump
sobreviveu. A sociedade brasileira resolveu de forma singular um problema que é
de ambos os países: afastar líderes que não só detestam as mulheres, mas também
a democracia.
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