O Globo
Até o fim do século, é certamente melhor
estar no grupo de países que crescem do que no daqueles que encolhem
Ainda está no nosso imaginário coletivo que
somos um país de imigrantes. Claro, isso tem um fundo de verdade. Certamente
diversos dos leitores têm origem libanesa, japonesa, judia, italiana, sem falar
dos descendentes de africanos que foram vítimas da tragédia do cativeiro e hoje
formam parte do nosso povo.
Mas, como eu já tratei aqui na coluna, “o
Brasil não é mais um país de imigrantes” (12/02/2022). Para revisitar alguns
dados citados então, em 1990, 1 em cada 14 pessoas que moravam no Brasil era
nascida fora do país. Em 2010, último dado disponível, somente 1 em cada 340
residentes aqui era nascido no exterior.
No Canadá, outro país de imigrantes multicultural e multirracial como Brasil, 1 em cada 4 residentes nasceu no exterior. Nos Estados Unidos, 1 em 7. Estes países, de fato, ainda são países de imigrantes. O Brasil deixou de sê-lo.
Hoje eu revisito essa questão no contexto
da nossa transição demográfica, que ocorre no Brasil, mas também pelo mundo.
O caminho típico da demografia das nações é
o seguinte. Quando um país é muito pobre, em geral, tanto as taxas de
natalidade quanto de mortalidade são altas: as famílias têm muitos filhos, e
crianças e adultos morrem com frequência.
À medida que um país se torna um país de
renda média, as taxas de mortalidade desabam antes que as de natalidade,
principalmente pela queda da mortalidade infantil. A população cresce muito.
Depois, com o enriquecimento, o aumento nas taxas de escolaridade e a inclusão
das mulheres no mercado de trabalho, segue-se uma queda na taxa de natalidade.
A população se estabiliza.
Finalmente, chegamos no momento atual: os
países estão começando a encolher. Segundo projeções demográficas das Nações
Unidas, até o fim do século, espera-se que quase todos os países ricos
encolham. E isso também vai ocorrer com os países hoje de renda média.
A Itália, que hoje tem uma das populações
mais envelhecidas da Europa, deve ficar um terço menor até o fim do século. A
China, que vive sob décadas de repressão demográfica, também vai sofrer
impactos, e estima-se que sua população vá encolher pela metade. O Brasil,
pelas mesmas projeções, deve ficar 15% menor.
Os países que desafiam essa tendência são
aqueles que recebem muitos imigrantes, como Estados Unidos e Canadá. Embora a
população nativa vá encolher, eles conseguem compensar isso recebendo mais
imigrantes. A ONU estima que a população americana vá crescer 16% até o fim do
século, e a canadense, 40%.
E por que isso importa?
Por um lado, como imigrantes tendem a ser
jovens e aumentar a força de trabalho, eles podem aliviar dilemas fiscais que o
país vai ter que enfrentar no futuro. Durante a Reforma da Previdência, muito
se falou do bônus demográfico — a maior quantidade de jovens em relação a
aposentados na população. Essa questão só vai se agravar daqui para frente com
nossa população nativa, mas pode ser amenizada atraindo imigrantes.
Além disso, ao trabalhar e gastar na
economia local, imigrantes ajudam com um impulso fiscal local — seja para o
governo ou para o setor privado. As evidências que temos de aumento de
transferências locais indicam que esses aumentos podem ter um efeito
significativo.
Por outro, há um motivo teórico para se
importar com a redução da população. Uma importante linha de pesquisa
econômica, iniciada pelo prêmio Nobel Paul Romer, foca no papel das ideias para
o crescimento econômico.
Ideias são “não rivais”. Por exemplo,
enquanto só eu posso usar o meu computador neste momento, o fato de eu usar o
teorema de Pitágoras não impede que você o use exatamente ao mesmo tempo. Como
pessoas produzem ideias, populações maiores podem se aproveitar mais desses
ganhos de escala com novas ideias produzidas e difundidas num país — gerariam
mais pesquisa e inovação.
Naturalmente, nem tudo são flores. O
governo federal precisaria amenizar choques específicos. Segundo dados
preliminares do Censo 2022, houve um aumento muito grande na população de
Roraima, de cerca de 40%, referente aos refugiados venezuelanos. É difícil para
o estado absorver esse contingente, mas ele poderia ser facilmente realocado
para o resto do país.
Demografia importa. E a nossa mova Lei da
Imigração, aprovada pelo Chanceler Aloysio Nunes, ainda no governo Temer, ainda
não teve chance de vingar. Há muitas oportunidades, e, até o fim do século, é
certamente melhor estar no grupo de países que crescem do que no daqueles que
encolhem.
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