Valor Econômico
A redução dos custos para estabelecimentos
comerciais poderia tornar as refeições mais acessíveis
O Programa de Alimentação do Trabalhador
(PAT) foi instituído pela Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e é um dos mais
importantes programas sociais da atualidade. Regulamentado pelo Decreto nº
10.854, de 10 de novembro de 2021, com instruções complementares estabelecidas
pela Portaria MTP/GM nº 672, de 8 de novembro de 2021, o programa busca
“atender prioritariamente os trabalhadores de baixa renda e sua gestão é
compartilhada entre o Ministério do Trabalho e Previdência, a Secretaria
Especial da Receita Federal do Brasil, o Ministério da Economia e o Ministério
da Saúde”.
Os conhecidos instrumentos, “vale-refeição” e “vale-alimentação” são “quase-moedas”. Moeda, como se sabe, tem valor de intermediação de trocas, ou seja, serve de meio para trocar produtos e serviços, além de funcionar como referência de valor, criando uma unidade de medida. De um lado, estão a empresa emissora e credenciadora da moeda eletrônica de pagamento e a empresa beneficiária que concede os benefícios aos trabalhadores (e que pode descontar o valor do seu imposto a pagar) e, de outro, está a fornecedora de alimentação, a empresa que administra o fornecimento de alimentos aos trabalhadores, que pode ser a refeição pronta e/ou a cesta de alimentos ou ainda a possibilidade de compra direta nos supermercados, restaurantes e outros canais de distribuição de gêneros alimentícios.
O cenário atual de trabalhadores
beneficiados é de mais de 24 milhões de pessoas, num mercado de quase R$ 170
bilhões por ano. Atualmente, 92% desse mercado está concentrado em quatro
emissoras dos chamados “tíquetes refeição/alimentação”.
Pois bem. A discussão atual é sobre a
portabilidade e a interoperabilidade dos meios, vale dizer, hoje o trabalhador
pode usar o seu tíquete única e exclusivamente em estabelecimentos credenciados
de alimentação, sem que possa se valer de forma comum e universal. O
vale-refeição e o vale-alimentação só servem como troca em estabelecimentos
cadastrados na rede. Numa analogia singela, é o mercado de cartões de débito e
de crédito, que dependiam de maquininhas próprias e proprietárias. E em relação
à portabilidade, à semelhança da telefonia móvel, na qual o trabalhador pode
ter mais liberdade e conveniência na decisão sobre seu plano, trocando de
operadora, aqui, a troca do benefício está restrita a quem o emitiu.
Primeiro, aos conceitos. Interoperabilidade
é a capacidade de um dado sistema de meio de pagamento aceitar de forma
transparente outro sistema trabalhando com fontes e padrões abertos,
disponíveis a quem quiser dele se valer. Já a portabilidade implica na
transferência de um agente para o outro sem custos ou fricções.
Interoperabilidade e portabilidade são correntes em outros setores da economia e
representam a necessária mobilidade do consumidor que tem vantagens
financeiras, a começar pela redução das atuais taxas de administração, ou, num
termo mais técnico, consegue diminuir os seus custos de transação, que são
atualmente cobrados pelas emissoras e podem chegar a dois dígitos, como prática
que se via no mercado de cartão de crédito e de débito há alguns anos.
À medida que o mercado se abre para a
concorrência, necessariamente, esses custos caem, porque há maior
competitividade e, portanto, uma redução de custos para os estabelecimentos que
aceitam essas transações, que convertem vales-refeição em moeda, além de
permitir uma maior ampliação do atual mercado de emissão de tais moedas
eletrônicas, já que, se existe uma concentração em poucos emissores, essa taxa
necessariamente será mais alta.
Um dos primeiros nós a desatar é dar a
paternidade à criança. Há certa confusão de competências, se Ministério do
Trabalho, por ser um programa social, se Ministério da Fazenda ou Banco
Central. E abrir o mercado como se fez alhures. Deveria caber ao Banco Central
a sua regulação. Justifico: a emissão de moeda é atribuição constitucional da
União que a delega ao Banco Central. Por ser essa Autarquia que regula meios de
pagamentos e moedas eletrônicas, então, ainda que seja um programa social do
Ministério do Trabalho, o BC é o mais equipado e competente para colocar ordem
no tema.
A redução dos custos para estabelecimentos
comerciais poderia tornar as refeições mais acessíveis, há muitos exemplos de
restaurantes que dependem exclusivamente da receita de vales-refeição, e,
portanto, teríamos um ganho potencial de donos de restaurantes, mercados e
equivalentes, aumentando a eficiência desses vales.
Transformar um benefício em curso forçado
também seria desejável, em razão da maior ampliação do uso e maior
concorrência, mas acredito que o mercado privado iria se organizar e aceitar o
instrumento, ilimitadamente, como também acontece na indústria de cartões de
crédito, ainda o mais importante meio de pagamento da economia. Nisto, cabe
ressaltar, haveria um forte desincentivo à monetização (ilegal) do vale, a
transformação do “tíquete” em moeda corrente mediante deságio e desviando o seu
propósito de programa social para outras finalidades.
São inequívocos os ganhos dos
trabalhadores, dos estabelecimentos de pequeno, médio e grande porte e,
certamente, dos clientes, usuários desses benefícios. Os grandes perdedores
seriam os emissores que teriam, necessariamente, de reduzir seus preços para
enfrentar a concorrência.
Nesse mercado de benefícios, não se
desconhece que tais emissoras de vales-refeição, na verdade, participam de uma
solução de benefícios, e têm eventualmente outras dinâmicas, como, por exemplo,
soluções focadas para RH, e podem, eventualmente, ter justificativas diversas.
Entretanto, o PAT é um programa que inclui dedutibilidade fiscal, portanto,
pago pelo contribuinte. Resta, então, uma discussão de transferência de renda
da sociedade em que, no modelo atual, emissoras acabam se apropriando de uma
parcela desta renda. No mercado de cartões, o mesmo aconteceu e, anos depois,
tudo se acomodou e o sistema cresceu e se tornou mais eficiente.
Oxalá esse novo modelo venha com abertura
do mercado, com mudança e com muito mais eficiência a todos os usuários,
empregados, beneficiários. São soluções simples e conhecidas, faltando apenas
boa vontade para implementá-las.
*Jairo Saddi, advogado em São Paulo.
Um comentário:
Entendi muito pouco.
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