segunda-feira, 10 de julho de 2023

Jairo Saddi* - Eu sou você ontem

Valor Econômico

A redução dos custos para estabelecimentos comerciais poderia tornar as refeições mais acessíveis

O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) foi instituído pela Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e é um dos mais importantes programas sociais da atualidade. Regulamentado pelo Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, com instruções complementares estabelecidas pela Portaria MTP/GM nº 672, de 8 de novembro de 2021, o programa busca “atender prioritariamente os trabalhadores de baixa renda e sua gestão é compartilhada entre o Ministério do Trabalho e Previdência, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, o Ministério da Economia e o Ministério da Saúde”.

Os conhecidos instrumentos, “vale-refeição” e “vale-alimentação” são “quase-moedas”. Moeda, como se sabe, tem valor de intermediação de trocas, ou seja, serve de meio para trocar produtos e serviços, além de funcionar como referência de valor, criando uma unidade de medida. De um lado, estão a empresa emissora e credenciadora da moeda eletrônica de pagamento e a empresa beneficiária que concede os benefícios aos trabalhadores (e que pode descontar o valor do seu imposto a pagar) e, de outro, está a fornecedora de alimentação, a empresa que administra o fornecimento de alimentos aos trabalhadores, que pode ser a refeição pronta e/ou a cesta de alimentos ou ainda a possibilidade de compra direta nos supermercados, restaurantes e outros canais de distribuição de gêneros alimentícios.

O cenário atual de trabalhadores beneficiados é de mais de 24 milhões de pessoas, num mercado de quase R$ 170 bilhões por ano. Atualmente, 92% desse mercado está concentrado em quatro emissoras dos chamados “tíquetes refeição/alimentação”.

Pois bem. A discussão atual é sobre a portabilidade e a interoperabilidade dos meios, vale dizer, hoje o trabalhador pode usar o seu tíquete única e exclusivamente em estabelecimentos credenciados de alimentação, sem que possa se valer de forma comum e universal. O vale-refeição e o vale-alimentação só servem como troca em estabelecimentos cadastrados na rede. Numa analogia singela, é o mercado de cartões de débito e de crédito, que dependiam de maquininhas próprias e proprietárias. E em relação à portabilidade, à semelhança da telefonia móvel, na qual o trabalhador pode ter mais liberdade e conveniência na decisão sobre seu plano, trocando de operadora, aqui, a troca do benefício está restrita a quem o emitiu.

Primeiro, aos conceitos. Interoperabilidade é a capacidade de um dado sistema de meio de pagamento aceitar de forma transparente outro sistema trabalhando com fontes e padrões abertos, disponíveis a quem quiser dele se valer. Já a portabilidade implica na transferência de um agente para o outro sem custos ou fricções. Interoperabilidade e portabilidade são correntes em outros setores da economia e representam a necessária mobilidade do consumidor que tem vantagens financeiras, a começar pela redução das atuais taxas de administração, ou, num termo mais técnico, consegue diminuir os seus custos de transação, que são atualmente cobrados pelas emissoras e podem chegar a dois dígitos, como prática que se via no mercado de cartão de crédito e de débito há alguns anos.

À medida que o mercado se abre para a concorrência, necessariamente, esses custos caem, porque há maior competitividade e, portanto, uma redução de custos para os estabelecimentos que aceitam essas transações, que convertem vales-refeição em moeda, além de permitir uma maior ampliação do atual mercado de emissão de tais moedas eletrônicas, já que, se existe uma concentração em poucos emissores, essa taxa necessariamente será mais alta.

Um dos primeiros nós a desatar é dar a paternidade à criança. Há certa confusão de competências, se Ministério do Trabalho, por ser um programa social, se Ministério da Fazenda ou Banco Central. E abrir o mercado como se fez alhures. Deveria caber ao Banco Central a sua regulação. Justifico: a emissão de moeda é atribuição constitucional da União que a delega ao Banco Central. Por ser essa Autarquia que regula meios de pagamentos e moedas eletrônicas, então, ainda que seja um programa social do Ministério do Trabalho, o BC é o mais equipado e competente para colocar ordem no tema.

A redução dos custos para estabelecimentos comerciais poderia tornar as refeições mais acessíveis, há muitos exemplos de restaurantes que dependem exclusivamente da receita de vales-refeição, e, portanto, teríamos um ganho potencial de donos de restaurantes, mercados e equivalentes, aumentando a eficiência desses vales.

Transformar um benefício em curso forçado também seria desejável, em razão da maior ampliação do uso e maior concorrência, mas acredito que o mercado privado iria se organizar e aceitar o instrumento, ilimitadamente, como também acontece na indústria de cartões de crédito, ainda o mais importante meio de pagamento da economia. Nisto, cabe ressaltar, haveria um forte desincentivo à monetização (ilegal) do vale, a transformação do “tíquete” em moeda corrente mediante deságio e desviando o seu propósito de programa social para outras finalidades.

São inequívocos os ganhos dos trabalhadores, dos estabelecimentos de pequeno, médio e grande porte e, certamente, dos clientes, usuários desses benefícios. Os grandes perdedores seriam os emissores que teriam, necessariamente, de reduzir seus preços para enfrentar a concorrência.

Nesse mercado de benefícios, não se desconhece que tais emissoras de vales-refeição, na verdade, participam de uma solução de benefícios, e têm eventualmente outras dinâmicas, como, por exemplo, soluções focadas para RH, e podem, eventualmente, ter justificativas diversas. Entretanto, o PAT é um programa que inclui dedutibilidade fiscal, portanto, pago pelo contribuinte. Resta, então, uma discussão de transferência de renda da sociedade em que, no modelo atual, emissoras acabam se apropriando de uma parcela desta renda. No mercado de cartões, o mesmo aconteceu e, anos depois, tudo se acomodou e o sistema cresceu e se tornou mais eficiente.

Oxalá esse novo modelo venha com abertura do mercado, com mudança e com muito mais eficiência a todos os usuários, empregados, beneficiários. São soluções simples e conhecidas, faltando apenas boa vontade para implementá-las.

*Jairo Saddi, advogado em São Paulo.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Entendi muito pouco.