sexta-feira, 14 de julho de 2023

Simon Schwartzman* - A arte da política econômica

O Estado de S. Paulo

É interessante comparar o relativo sucesso das políticas econômicas com as dificuldades da área da educação

Talvez não seja só coincidência que, pouco antes da aprovação da reforma tributária pelo Congresso, o Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças – tenha publicado A Arte da Política Econômica (Selo Real / Intrínseca, 2023), livro com depoimentos de 30 pessoas, quase todas economistas que, sobretudo a partir do Plano Real, contribuíram para o esforço de organizar a economia, criar instituições sólidas e implementar políticas públicas mais efetivas no Brasil, nem todas bem sucedidas. Os depoimentos estão agrupados em cinco temas, começando pela estabilidade econômica (incluindo os de Edmar Bacha e Pérsio Arida), gestão de crises (Pedro Parente e outros), reformas microeconômicas (Marcos Lisboa e outros), experiências estaduais (Paulo Hartung e outros) e reformas inconclusas, entre as quais a reforma tributária, com Bernard Appy.

Lendo o depoimento de Appy, fica claro que, para uma reforma desta monta ser aprovada, é preciso ao menos três condições: competência técnica na análise do problema e formulação de alternativas; entendimento claro dos interesses que a reforma pode contrariar, negociando e criando mecanismos para reduzir as resistências; e decisão política para que elas sejam efetivadas. Ao final do governo Bolsonaro, a proposta estava pronta, o trabalho de costura política com o Congresso, bem avançado, e só faltava que o governo desse apoio. Appy conclui seu depoimento de 2022 dizendo que, “se a reforma tributária não for aprovada neste governo, está pronta para ser aprovada no próximo”, como de fato está ocorrendo.

Uma ideia que aparentemente permeia os depoimentos é a de que, para cada uma das questões, existiria sempre uma solução técnico-científica, que só dependeria da arte da política para ser colocada em prática. No prefácio, Edmar Bacha associa a entrada progressiva de economistas em postos de comando da política econômica à evolução das ciências econômicas no Brasil, iniciada com os primeiros programas de pós-graduação nos anos 60 e a ida de centenas de jovens para estudos avançados no exterior, que voltaram depois para trabalhar em instituições como o Ipea e o BNDES, no Ministério de Fazenda, na área financeira e nos novos programas de pós-graduação e pesquisa que foram se consolidando.

De fato, comparada com as demais ciências sociais, como a sociologia, a ciência política e a educação, a economia é hoje uma área de estudo e pesquisa bem mais consolidada. Mas não é uma ciência exata, estando sujeita a contestações e controvérsias não só entre economistas que compartilham as teorias centrais e os métodos de trabalho dominantes nas principais instituições universitárias do mundo, mas também por parte de correntes heterodoxas que defendem abordagens radicalmente diferentes. A diferença é que, no primeiro caso, as controvérsias podem ser dirimidas ou ao menos se expressar numa linguagem compartilhada, enquanto a divisão entre economistas ortodoxos e heterodoxos é marcada, ainda que não de forma absoluta, por diferentes filiações partidárias e ideológicas, sobretudo em relação ao papel do Estado e dos mercados na economia e temas correlatos como políticas monetária, industrial, fiscal, comercial, papel do Banco Central e outros.

Nas controvérsias relativas a políticas públicas, nem sempre se pode distinguir com clareza o que são divergências técnicas, ideológicas ou políticas. Mas é fácil de ver quando determinadas políticas são implementadas com um forte embasamento técnico profissional ou por concepções e preferências ideológicas ou de poder.

Com o novo governo Lula, havia a expectativa de que as correntes ditas “estruturalistas”, próximas ao PT, voltassem a comandar a política econômica, mas isso não ocorreu.

São visíveis, dentro do governo, as resistências às políticas econômicas conduzidas por Fernando Haddad e Simone Tebet, mas é notável que a proposta de reforma fiscal proposta por Bernard Appy tivesse sido apoiada por um manifesto assinado por economistas de todas as tendências.

Não há dúvida de que o fracasso das políticas econômicas de Lula 2 e Dilma Rousseff, que jogaram o País em profunda depressão econômica e política, contribuiu para o desprestígio das correntes que ainda as defendem. Mas não há dúvida, também, de que a arte da política econômica requer não somente fazer a ponte entre o mundo da técnica e o da política, mas também construir um consenso dentro do campo dos especialistas, ao menos com os seus setores mais representativos.

É interessante comparar o relativo sucesso das políticas econômicas com as dificuldades da área da educação. Nesta, ainda não temos uma comunidade profissional que trabalhe dentro de um paradigma consensual, e as fronteiras entre a ciência e a política são muito mais fluidas. Ao invés de buscar decisões baseadas em critérios técnicos e, depois, costurar apoios, o que vemos são tentativas de construir consensos entre interesses e ideologias contraditórios, de baixo para cima, transformando cacofonias em concertos. Não há como dar certo.

*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira de Ciências

Um comentário:

Daniel disse...

É frustrante a tentativa do colunista de comparar a economia com as dificuldades na Educação brasileira. A estrutura desta última é totalmente distinta e incomparável com a econômica: 120 mil escolas fundamentais espalhadas por mais de 5.500 municípios, muitas em péssimo estado e com mínimas condições de funcionamento; 30 mil escolas de ensino médio em todos os estados; sem contar os professores que atuam em cada escola, na casa de alguns milhões. Como o colunista pretende comparar isto com os agentes econômicos daqui e com o corpo técnico da economia que foi se qualificando nas últimas décadas?