sexta-feira, 14 de julho de 2023

José de Souza Martins* - USP entre as cem melhores universidades do mundo

Eu & / Valor Econômico

Desde o começo o objetivo da universidade foi dar oportunidade a quem tivesse vontade, discernimento e vocação para o saber sem distinção de classe, cor, religião

A divulgação dos resultados de avaliação de 1.499 universidades, do índice de 2024, feita pela reputada instituição inglesa QS World University Ranking, coloca a Universidade de São Paulo entre as cem melhores instituições do mundo. Ela saltou 30 pontos em relação ao ano passado e ultrapassou as reputadas Universidade Nacional Autónoma do México e Universidade de Buenos Aires como a melhor da América Latina.

A colocação da USP nos índices internacionais de avaliação vem crescendo regularmente. Os índices de reputação internacional de várias universidades brasileiras também vêm crescendo, o que reflete o empenho de seus pesquisadores e docentes no sentido de aprimorar o ensino e a pesquisa. Essas avaliações levam em conta critérios rigorosos quanto a diferentes âmbitos de desempenho dos pesquisadores e dos respectivos institutos.

A avaliação da USP pelos empregadores dos profissionais dela oriundos, numa escala de 1 a 100, é de 89,7, bem alta. No conjunto, a reputação acadêmica é de 92,4. A de inserção internacional no campo da pesquisa é de 90,9. O índice de sustentabilidade, isto é, de justiça social e ambiental, é de 96,1. Esses índices refletem a avaliação de milhares de pesquisadores de diferentes países.

Mesmo o índice de citações de obras do corpo docente é alto: 29,9. Este índice mede a repercussão das publicações científicas de cada pesquisador e do conjunto deles. Ou seja, quantas vezes um trabalho de determinado autor foi citado.

Para compreender o alcance dessa ferramenta, pode-se levar em conta o Índice Internacional de Citações em cada campo do conhecimento. O índice traz a referência bibliográfica completa de cada citação e de cada citado. Dele decorrente há os índices numéricos.

O índice 29,9, no caso da USP, que é um índice médio, indica que a universidade tem pesquisadores com índices pessoais muito mais altos do que esse. É, portanto, um índice muito bom, indicativo de que a instituição tem pesquisadores com desempenho e reconhecimento acima da média.

A USP é uma universidade estadual fundada em 1934. Ela nasceu da derrota de São Paulo na Revolução Constitucionalista de 1932. São Paulo, derrotado nas armas, optou por contra-atacar no plano do conhecimento e da cultura. Ela é a resposta culta e democrática da civilização contra a barbárie. A República foi aqui politicamente excludente da população desvalida com base no pressuposto falso de que há os que nascem para pensar e os que nascem para trabalhar. Um pressuposto escravista.

Os tenentes das revoltas tenentistas protagonistas da Revolução de Outubro de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, preconizavam já em 1924 uma ditadura de 60 anos, até que toda a população brasileira estivesse alfabetizada e se rompesse a cadeia de dependência e dominação dos simples pelas oligarquias rurais. O Exército queria se libertar do poder dos régulos da roça e dos políticos deles dependentes, que até decidiam quem podia e quem não podia tornar-se um general.

Júlio de Mesquita Filho, da família de proprietários do jornal “O Estado de S. Paulo”, foi o inventor e fundador da USP. Foi preso ao fim da Revolução de 1932, que apoiara. Na prisão leu as obras de sociologia da educação de Émile Durkheim. A USP nasceu na prisão e nas tertúlias de fim de expediente de um jornal.

Aproveitando que seu cunhado, Armando de Salles Oliveira, se tornara governador de São Paulo, propôs a criação da universidade. Onde? O jornalista Paulo Duarte propôs que fosse na Fazenda Butantã, de propriedade do governo do estado, herança do confisco dos bens jesuíticos, no século XVIII, pelo Marquês de Pombal.

Foram até lá, e ao pé do morro que fica onde hoje estão o prédio de História e Geografia e a entrada dos fundos do Butantã, Mesquita foi sonhando e inventando a USP, indicando, apontando com o dedo onde talvez se pudesse construir futuros institutos. E fez uma advertência decisiva: a USP será pública, laica e gratuita.

Milhares de brasileiros só puderam cursar a melhor universidade do Brasil graças a essa revolucionária e civilizadora decisão. Desde o começo o objetivo foi e continua sendo recrutar e dar uma oportunidade a quem tivesse vontade, discernimento e vocação para o saber sem distinção de classe, cor, religião e o que mais fosse.

Apesar da perseguição política a professores e alunos pela ditadura militar de 1964 a 1985 e a cassação e demissão de vários dos docentes, grandes e notáveis nomes do conhecimento, a USP resistiu e venceu, cada dia, os muitos anos de adversidades.

A USP ajudou a reinventar o Brasil. Transformou-o e contribuiu para dar-lhe uma consciência científica do que é e do que pode ser.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia - A Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022).

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