Valor Econômico
O corte de meio ponto percentual da taxa
Selic nesta quarta-feira abriu caminho para uma polêmica entre a classe
política e o mercado financeiro: virá pressão para alterar a taxa do
financiamento rotativo do cartão de crédito, ou mesmo eliminá-lo.
A preocupação no mercado financeiro é
grande. Se o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), foi
visto muitas vezes como uma trava a qualquer avanço heterodoxo do Executivo,
desta vez teme-se mais o que pode vir pelas mãos do Congresso do que o que
talvez brote pelo Ministério da Fazenda.
Na próxima semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve se encontrar com o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), e com o deputado Alencar Santana (PT-SP). Elmar é autor do projeto que determina um limite para o rotativo, a ser definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). E ainda detalha no texto: “as taxas de juros remuneratórios não poderão ser superiores a limites já estipulados para modalidades de crédito com perfil de risco semelhante, a exemplo do que já ocorre com as taxas cobradas sobre o valor utilizado do cheque especial”. Santana é o relator da matéria. O petista quer apresentar seu parecer direto em plenário dentro de dez dias.
O projeto coloca pressão sobre o Ministério
da Fazenda porque a ele deverá ser incorporado o teor da Medida Provisória
1176, aquela que colocou em vigor o programa Desenrola, que criou balizas
para reduzir o total de pessoas físicas inadimplentes no país. Santana é
taxativo em entrelaçar os dois temas: “O programa Desenrola sem mexer no
rotativo é enrolar o povo”.
Houve acordo entre o Centrão e os líderes
governistas para juntar os dois assuntos. Faz sentido unir os temas na mesma
matéria legislativa porque o projeto de Elmar, apresentado em novembro do ano
passado, propõe um programa de renegociação de dívidas semelhante ao Desenrola,
ainda que bem mais limitado. A MP 1176, editada no dia 6 de junho, precisa ser
aprovada nas duas casas do Congresso dentro de dois meses para não caducar.
Se o projeto que mexe no crédito rotativo
aglutinar a medida provisória que lançou o Desenrola, terá que ser votado nas
duas casas do Congresso em poucas semanas para não afetar o programa. A
caducidade da MP implicaria em sua suspensão já em outubro.
Para ganhar tempo, Haddad precisa negociar
com o Congresso uma forma de descasar os dois temas. No pouco que falou sobre o
tema, na quarta-feira, o ministro sinalizou nessa direção. Disse que pretende
apresentar uma solução “até o fim do ano” e que será necessária “uma
transição”.
Elmar afirma que há espaço para que o
próprio governo federal assuma protagonismo e apresente uma proposta para
controlar de alguma forma juros no cartão de crédito. “Pode ser que venha uma
solução pelo CMN”, comentou. O CMN, que reúne Haddad, a ministra do
Planejamento, Simone
Tebet, e o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, tem
reunião agendada para o dia 24. A previsão, contudo, é que ela ocorra de modo
eletrônico, o que sugere uma pauta pouco polêmica.
Já existe um grupo de trabalho no âmbito do
Conselhão para discutir o tema, envolvendo governo e mercado financeiro. E
Haddad disse que promete fazer um “freio de arrumação” no assunto.
As proporções do problema são gigantescas.
Trata-se de um curso de rota de transatlânticos, inaptos para um cavalo de pau.
A taxa de juros do rotativo, ou seja, o que
os bancos cobram para financiar dívidas de cartão de crédito não pagas, está na
faixa de 430% ao ano. Uma primeira limitação foi imposta pelo Banco Central em
2017, quando o uso do rotativo foi limitado a um mês, findo o qual o saldo
devedor é obrigatoriamente parcelado, mas quem cruza este umbral custa a sair
do inferno. O ministro foi bastante vago ao falar sobre o tema. Apenas sinalizou
que pretende derrubar de forma drástica este percentual.
No mercado financeiro o que se afirma é que
esta taxa é alta porque ajuda a bancar o volume de compras parceladas no cartão
de crédito sem incidência de juros. Seria uma espécie de subvenção cruzada. As
compras no cartão sem incidência de juros são muito mais significativas do que
aquelas que são oneradas.
Um documento apresentado em reunião do
Conselhão mostra que despesas com cartão equivaleram a 16,4% da carteira de
crédito da pessoa física no Brasil em junho. Dentro desse percentual, somente
1,8% se referem a financiamentos com juros e 2,4% caíram no rotativo.
No mercado financeiro se afirma que uma
limitação no rotativo poderia implicar em uma redução de oferta de cartão de
crédito como um todo. Se isso realmente acontecer, o potencial para um
desarranjo na economia é considerável.
Compras no cartão de crédito no Brasil
equivalem a 21% do PIB. Nada menos que 40% do consumo de famílias se dá com o
uso de cartão e estima-se que 40% da população adulta tenha acesso a esse meio
de pagamento. São dados do Banco Central, de 2021. Se a oferta de cartão cair,
essas duas variáveis - consumo das famílias e PIB - seriam afetadas.
Uma alternativa discutida entre o governo e o setor privado é a colocação de limites não no rotativo, mas na possibilidade de parcelamento de compras sem juros. O raciocínio por trás disso é que a taxa do rotativo diminuiria naturalmente se fosse mais difícil para o consumidor pessoa física parcelar uma compra sem acréscimo em relação ao preço à vista. A impopularidade potencial dessa ideia é óbvia e Haddad precisaria de muito criatividade para embalar esse pacote de uma maneira mais amigável para a opinião pública.
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