Valor Econômico
Núcleos seguem apontando inflação
resiliente e algumas das quedas de preços observadas nos últimos meses tendem a
ser revertidas
Julho foi um bom mês para o mercado
financeiro, com forte valorização de ativos, fruto da consolidação de um
cenário que vem sendo chamado de um “pouso suave” da economia: a queda das
taxas de inflação, dos patamares muito altos de um ano atrás, a caminho das
metas com que trabalham os bancos centrais (BCs), sem a necessidade de uma
desaceleração mais forte da atividade, que implicaria subida das taxas de
desemprego.
Isso significa que os BCs não precisarão manter a política monetária apertada por muito tempo, ao mesmo tempo em que as empresas continuarão a apresentar crescimento e bons lucros, valorizando as ações e os papéis de dívida de empresas e governos. É um quadro que se vê lá fora e também aqui no Brasil.
Nos EUA, a inflação medida pelo índice de
preços ao consumidor (CPI) caiu em junho, no acumulado em 12 meses, para 3,1%,
contra 8,9% um ano antes, enquanto, no caso do PCE (Personal Consumption
Expenditure), o índice preferido do Fed, o BC americano, a queda foi de 7% para
3%. Enquanto isso, o nível de atividade seguiu em expansão, a despeito de toda
a alta de juros promovida pelo Fed: no segundo trimestre deste ano, o PIB
americano teve crescimento anualizado de 2,4%, contra 2% no primeiro trimestre.
A taxa de desemprego, por sua vez, ficou em 3,6%, mesmo patamar de um ano antes
e um dos níveis mais baixos da série histórica.
Na Área do Euro se observa um quadro
semelhante, ainda que não tão favorável. A inflação ao consumidor também vem em
queda, caindo para 5,5% no acumulado em 12 meses até junho, contra 8,6% um ano
antes, enquanto o PIB também cresceu no segundo trimestre (1,2%, em termos
anualizados). A taxa de desemprego, por sua vez, caiu para 6,4% em junho de
2023, contra 6,7% um ano antes, atingindo o nível mais baixo da série
histórica.
Os números para o Brasil não divergem muito
desses. A inflação de junho, medida pelo IPCA, ficou em 3,2% na variação em 12
meses, contra 11,9% um ano antes. A expectativa mediana dos analistas
consultados pelo BC brasileiro (BCB) é que o PIB cresça 2,4% no segundo
trimestre, na comparação interanual, o que se traduziria em uma variação nula a
marginalmente positiva contra o trimestre anterior. A taxa de desocupação, por
sua vez, caiu para 8% em junho deste ano, contra 9,3% um ano atrás. Tudo isso
em um contexto em que a Selic real, descontada a inflação efetivamente observada,
ficou em 10%.
Esse cenário de pouso suave aparecia há
algum tempo nas apostas dos operadores de mercado, mas não era esperado pela
maioria dos economistas. Estes, olhando para o que aconteceu no passado, não
acreditavam ser possível trazer taxas tão elevadas para a meta sem um aumento
do chamado “hiato do produto”, de forma a criar um grau de ociosidade, em
especial no mercado de trabalho, que limitasse a capacidade dos agentes
econômicos elevarem preços.
É verdade que os economistas se dividiam em
dois grupos distintos. O primeiro apostava que os BCs não iriam subir
suficientemente as taxas de juros, pelo menos a curto prazo, por receio de
causar uma crise financeira, em função do elevado grau de alavancagem de
empresas e algumas instituições financeiras, e de forma a limitar o ônus para
um setor público que saiu da pandemia muito mais endividado do que antes. O
resultado seria um período prolongado de inflação acima da meta.
A redução da inflação cheia, como reportada
acima, era até esperada, pela queda do preço do petróleo, dos alimentos, de
outras commodities e de bens industriais, pela normalização das cadeias globais
de valor, mas o mesmo não ocorreria, por exemplo, com os serviços. De fato, os
núcleos de inflação vêm caindo bem mais devagar: nos EUA, excluindo alimentos e
energia, a inflação em 12 meses caiu de 5,9% para 4,9%. Na Área do Euro, a
variação acumulada em 12 meses do núcleo de inflação acelerou, de 3,7% em junho
de 2022 para 5,5% um ano depois. No Brasil, a queda da inflação de serviços foi
de 8,7% para 6,2%.
O outro grupo acreditava na queda da
inflação para a meta, mas que isso viria junto com uma recessão relativamente
forte. Aqui pode ter pesado a forte demanda por serviços que se tem visto no
pós-pandemia, alimentada, pelo menos em parte, pela poupança acumulada nesses
anos. De fato, a atividade nos serviços segue bem mais aquecida que na
indústria e, por ser esse um setor intensivo em mão de obra, isso ajuda a
explicar os bons números do mercado de trabalho.
No Brasil, sem dúvida, além dos fatores
acima, também contribuíram para promover a percepção de pouso suave o excelente
resultado da agropecuária, que puxou a atividade para cima e os preços de
alimentos para baixo, e o cenário externo relativamente favorável.
Ainda estamos, porém, longe de termos
pousado. Os núcleos seguem apontando uma inflação resiliente e algumas das
quedas de preços observadas nos últimos meses tendem a ser revertidas, como
ocorre com o petróleo. E quem projetava recessão aponta que os efeitos da
política monetária contracionista ainda não se fizeram sentir integralmente. O
maior risco, me parece, é um diagnóstico prematuro sobre a economia ter
suavemente pousado, levando a erros não triviais de política econômica.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre.
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