O Estado de S. Paulo
Prenúncios bem vistos por tanta gente, como o recente corte de juros pelo BC, podem ser menos entusiasmantes para quem valoriza a memória
Bom sinal para o governo, para o consumidor e para os empresários, o novo corte de juros foi um lance arriscado para o Banco Central (BC), principal protetor da moeda e supervisor do sistema financeiro. Pressionado e injuriado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o chefe do BC, Roberto Campos Neto, coordenou a recente deliberação do Copom, o Comitê de Política Monetária, em condições especialmente difíceis. Anunciada a redução de 0,5 ponto porcentual, o dobro da estimada pela maior parte do mercado, a dúvida se espalhou: decisão política, técnica ou meio a meio? A participação de dois novos diretores, carimbados publicamente como representantes da Presidência da República, favoreceu a desconfiança.
A preocupação com a imagem foi explicitada,
com notável clareza, na ata da reunião do Copom. Seria o BC, em algum momento,
percebido como “mais leniente no combate à inflação”? Lançada essa hipótese, o
documento reafirma a importância de garantir “a credibilidade e a reputação” da
entidade. Mais que isso: será preciso manter essa credibilidade
“independentemente da composição da diretoria colegiada”. Essa é uma referência
evidente à presença dos novos diretores – um deles ocupante, anteriormente, da
Secretaria Geral do Ministério da Fazenda, posto equivalente ao de
vice-ministro.
Expectativas são um tema frequente nos
comunicados e atas do Copom. Inflação maior ou menor depende em parte das previsões,
confianças e desconfianças de quem produz, comercializa e consome bens e
serviços, como recordam com insistência os membros do comitê. Produzir a
“ancoragem” dessas expectativas tem sido um dos objetivos centrais do BC.
Houve, segundo a ata, uma ancoragem parcial desde a reunião de junho. Nesse
período, a inflação recuou e as projeções melhoraram. Ao tema das expectativas
foi agora acrescentada, no entanto, a preocupação com a credibilidade do BC.
Mexer nos juros e nas condições de crédito
é atividade rotineira – e essencial – de bancos centrais de todo o mundo. Em
países capitalistas avançados ou emergentes essa função é cumprida sem pressões
e sem interferências da chefia do governo. Nos primeiros mandatos, o presidente
Lula, aconselhado pelo ministro Antonio Palocci, deixou em paz o BC, chefiado
por Henrique Meirelles. Não vigorava, ainda, a lei de autonomia operacional da
instituição, mas o ministro da Fazenda conhecia e soube valorizar a prática
seguida nas economias mais desenvolvidas.
Sucessora de Lula, a presidente Dilma
Rousseff restabeleceu o poder do Executivo sobre o BC. A política monetária foi
afrouxada em 2011 e permaneceu leniente até abril de 2013. Nesse período a
inflação disparou, num cenário de amplo desarranjo fiscal, generosa distribuição
de benefícios tributários, prioridades erradas e muita incompetência
administrativa. O resultado mais visível foi a recessão iniciada em 2014,
aprofundada nos dois anos seguintes e com efeitos prolongados ao menos até
2019.
Sucessor da presidente Dilma Rousseff, o
vice-presidente e depois presidente Michel Temer iniciou o reparo dos danos
fiscais mais visíveis e conseguiu a aprovação de um teto constitucional de
gastos. No BC, a equipe chefiada pelo recém-nomeado Ilan Goldfajn derrubou a
inflação com um forte aperto monetário e iniciou em pouco tempo a normalização
do crédito.
O político Luiz Inácio Lula da Silva parece
nunca haver aprendido o suficiente com a desastrosa experiência de sua
sucessora. Ao contrário: já criticou a autonomia do BC e temse mostrado
disposto a pressionar, até com grosserias, o presidente da instituição.
Para a maior parte do mercado, o status
legal do BC talvez nem seja relevante. Líderes empresariais apoiam o presidente
da República no jogo de pressões. Empresários e consumidores apenas apreciam o
corte inicial de juros como sinal de boas mudanças. Com a indústria emperrada,
o varejo fraco e o consumidor muito endividado, qualquer prenúncio de crédito
mais barato pode ser animador. Não avaliam, aparentemente, a importância do
ordenamento da administração pública.
A baixa recém-anunciada, de apenas 0,5
ponto, é só uma promessa de menor aperto para os negócios. Mesmo com novos
cortes, a taxa básica deverá diminuir dos atuais 13,25% para 11,75% no fim do
ano, permanecendo entre as mais altas do mundo. Mas o movimento começou e o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode faturar politicamente.
Prenúncios bem vistos por tanta gente podem ser menos entusiasmantes para quem valoriza a memória. Ainda sem um claro roteiro fiscal e sem fontes bem definidas de recursos, o presidente promete programas ambiciosos de investimentos e de expansão econômica. O ministro da Fazenda, principal fiador do governo, talvez tente limitar com algum bom senso o entusiasmo presidencial. O risco é claro. Depois de entregar à companheira Dilma Rousseff a chefia do banco do Brics, o presidente Lula recrutou para postos importantes velhos aliados com históricos muito discutíveis na administração federal. Não se pode menosprezar a hipótese de um governo Dilma 3.
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