O Estado de S. Paulo
A contribuição do novo PAC para o Brasil não advirá de seu possível uso como instrumento de retórica nas campanhas eleitorais que se avizinham
O papel do investimento público pode ser fundamental para romper pontos de estrangulamento em infraestrutura, sinalizar novas oportunidades de investimento ao setor privado, para sugerir áreas em que ambos, público e privado, podem atuar conjunta ou complementarmente. Dito isso, é sabido que quando tudo é prioritário nada é prioritário. Desde pelo menos os anos 50 (primórdios do BNDES e da Petrobras, governo JK) é conhecida a importância da seletividade e do critério na escolha de projetos. E, mais importante, da capacidade de execução, eficiência no gerenciamento, cobrança e avaliação de resultados.
Essas observações vêm a propósito do velho
e do novo PAC. Em novembro de 2006, reeleito para seu segundo mandato, Lula
afirmou: “Eu vou me dedicar (...) a destravar o País. (...) não me pergunte a
solução, que eu não a tenho, mas vou encontrar, porque o País precisa crescer.
(...) me deixe trabalhar que eu vou pensar direitinho no que vou fazer”.
Naquele mesmo mês, Guido Mantega, ministro da Fazenda, anunciou: “Nosso
objetivo máximo é implantar o social-desenvolvimentismo. (...) Hoje é um novo
modelo. É inédito no País”.
E surgiu o PAC – Programa de Aceleração do
Crescimento – para o quadriênio 2007-2010. Nada menos que 1.646 “ações do
governo”, das quais 912 eram “obras” e 734 “estudos e projetos em andamento”.
Todas a serem monitoradas pela Casa Civil da Presidência da República, chefiada
por Dilma Rousseff. Seu valor era estimado em R$ 504 bilhões.
No início de 2008 o governo decidiu
aumentar para mais de 2 mil o total das “ações do governo” sob monitoramento,
das quais mais de mil obras. A economia brasileira, é importante lembrar,
estava bombando com a política pró-cíclica de aceleração do crescimento, num
contexto internacional extraordinariamente favorável. No início de 2009, já em
plena crise global, o governo decide não só aumentar em mais R$ 132 bilhões os
gastos para o período 2007-2010, como também elevar os gastos do programa após
2010, de R$ 189 bilhões para R$ 502 bilhões. Era, agora, um PAC de R$ 1,15 trilhão,
para o período 20072013, sob o argumento da necessidade de um keynesianismo
contracíclico, imperativa resposta à crise global.
Pelos critérios adotados pelo governo à
época, eram considerados novos investimentos do PAC todas as obras que, mesmo
já previstas, planejadas e executadas por Estados, ainda não houvessem sido
incorporadas ao PAC. Em linguagem sintomática, portaria da Controladoria-Geral
da União (CGU) definia o programa como “um instrumento de universalização dos
benefícios econômicos e sociais para todas as regiões do Brasil”.
Não à toa, o PAC foi alcunhado por Eduardo
Giannetti de “Programa de Abuso da Credulidade”. É útil lembrar, neste
contexto, os programas Brasil em Ação (1996-1999) e Avança Brasil (2000-2003),
do governo FHC. Ambos definiram com clareza suas prioridades de investimentos
em infraestrutura e suas ações nas áreas sociais. Ambos deixaram claro o papel
essencial do Estado neste processo (ver Avança Brasil, 1998, págs. 58 e 59).
Seu modelo de gerenciamento, conduzido pela competente equipe do Planejamento
que tinha à frente José Paulo Silveira, foi utilizado por Estados brasileiros
que definiram seus projetos prioritários, compatíveis com sua capacidade de
execução.
Faço esse comentário sem qualquer
pretensão, e sim para sublinhar a importância de buscar sempre as convergências
possíveis. Conhecido economista ligado ao PT, hoje diretor do BNDES (Nelson
Barbosa), assim se expressou em meados de 2017: “Na economia, há quase um
consenso de que o País precisa de reformas estruturais para viabilizar um novo
ciclo de desenvolvimento. (...) É certo que mudanças são necessárias na
Previdência e na legislação trabalhista, assim como na tributação, na
remuneração dos servidores públicos, no gasto social e também no gasto
financeiro do governo. (...) A solução da crise atual requer um debate
equilibrado e transparente de questões impopulares, inclusive nas campanhas
eleitorais, inclusive pela esquerda”. Referime a esse texto como encorajador,
em artigo publicado neste espaço (Diálogos não impossíveis?, 11/6/2017).
Concluí citando Rogoff: “(...) é lamentável que nesse debate sobre ações do
governo haja muito pouca discussão sobre como fazer do governo um provedor de
serviços eficiente. Aqueles que desejam um papel mais amplo do setor público
fortaleceriam sua posição se estivessem preocupados em encontrar formas de
fazer o setor público mais eficaz”. E acrescentei: não creio que isso seria
impopular.
Situações difíceis não significam
inexistência de opções, mas realçam a importância e a necessidade de escolhas
.A mais importante delas, talvez, é a escolha de pessoas com as competências
requeridas. A contribuição do novo PAC para o Brasil advirá não de seu possível
uso como instrumento de retórica nas campanhas eleitorais que se avizinham (2024
e 2026). Mas da seletividade, gestão efetiva e avaliação de resultados sobre os
níveis e a eficácia do investimento público e privado, para assegurar o
crescimento sustentável do emprego e da renda. Trata-se de um dos maiores
desafios de médio prazo na área econômica. Para não falar em educação e saúde.
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