sexta-feira, 29 de setembro de 2023

César Felício - Barroso não mostra recuo, mas indica pragmatismo

Valor Econômico

Reafirmação do Judiciário como Poder perpassou toda a fala do novo presidente do Supremo

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, em seu discurso inicial, fez uma profissão de fé na iniciativa privada, acenou para o agronegócio, ressaltou o compromisso democrático das Forças Armadas e prestou reverência à Câmara e ao Senado. As mensagens para o restabelecimento do diálogo em um momento de crise institucional foram todas dadas, mas não há nenhum sinal de recuo nas posições que deram protagonismo ao Judiciário.

A reafirmação do Judiciário como Poder perpassou toda a fala, desde a sutileza do recado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos agradecimentos iniciais, quando louvou a ex-presidente Dilma Rousseff por tê-lo indicado para o STF sem nada pedir. Aos críticos do Supremo, Barroso pontuou: não existe o ativismo institucional do qual a Corte é acusada: o controle constitucional, quando se trata de uma Constituição tão ampla como a de 1988, é que obrigaria o Judiciário a entrar em diversas áreas, inclusive, conforme ressaltou o magistrado, na proteção a comunidades indígenas.

Essa ressalva é fundamental dado o contexto. O Senado aprovou menos de 24 horas antes o projeto de lei sobre marco temporal, contrariando diretamente uma decisão tomada pelo STF na semana passada. Isso não é algo trivial. É um sinal de que a relação entre os Poderes está desalinhada. Ao votar a toque de caixa a questão do marco temporal, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) arrastou o governo para se posicionar sobre em um confronto entre o Judiciário e o Legislativo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve vetar ou sancionar a proposta, e o governo federal tem se esquivado de arbitrar.

Barroso deixou claro que o Judiciário não recuará diante de gritarias. Estar exposto à insatisfação, segundo o novo presidente do STF, faz parte da democracia. Ele sinalizou com bastante proatividade do Judiciário nos próximos anos. A crise da democracia que engolfou o Brasil e outros países nos últimos anos, conforme ressaltou Barroso, se deu não apenas pela ameaça do populismo autoritário, mas pelas “promessas não cumpridas”.

Foi a deixa para ele pontuar que cabe ao Judiciário “empurrar a história para direção certa”. Houve momentos em sua fala que lembraram o discurso de alguém que assume algum mandato eletivo.

O presidente do STF pregou a união do país em torno de “uma agenda para o Brasil”, em que se enumera educação, saneamento, empreendedorismo como prioridades, entre outros temas. Não é fala que sugere o exercício da autocontenção, ainda que Barroso tenha feito uma menção rapidíssima a esse princípio do equilíbrio entre os Poderes. Muito menos indica uma Justiça inerte, que intervém no debate quando é provocada por uma das partes que se sente atingida em seus direitos.

É um sinal que o STF pode não baixar imediatamente a guarda em relação à agenda colocada pela ministra Rosa Weber em sua presidência, que incendiou o Legislativo. A antecessora colocou em primeiro plano não só o marco temporal dos territórios indígenas, como a liberalização do uso de drogas e a permissão do aborto.

Sobretudo em relação aos dois últimos pontos deputados e senadores entendem que essas são questões que estão na reserva de poder do Legislativo, porque envolvem mudar a legislação atual, ou seja, legislar. E legislar sobre temas que dividem a sociedade de cima a baixo. É praticamente impossível existir alguém no Brasil que não tenha posições fortes sobre esses dois assuntos.

Na antevéspera da aposentadoria, a presidente do STF olhou mais o legado que julga deixar do que a conveniência política. Barroso, que só se aposenta dentro de dez anos, tem mais estímulos para fazer política e não para marcar posição. Essas são questões que radicalizam o ambiente e direcionam o debate para o terreno em que o bolsonarismo se sente mais desenvolto, o de costumes. Mas em sua fala inicial não houve sinalização de que haverá uma guinada na pauta. O ministro frisou: causas identificadas genericamente com a defesa dos direitos humanos não são progressistas; “São causas da humanidade”.

Os sinais mais claros de conciliação foram enviados aos derrotados nas urnas, o que não deixa de ser surpreendente. No ano passado, irritado, Barroso disse a um manifestante “perdeu, Mané!” quando foi hostilizado em um evento no exterior. Esse ano, em um Congresso da UNE, disse: “Derrotamos o bolsonarismo”, na primeira pessoa do plural (o ministro posteriormente reconheceu os erros e se desculpou pelos dois episódios). Nessa quinta-feira, o presidente do STF afirmou: “Precisamos trabalhar pela pacificação do país. Somos um só povo. Bastar-se a si mesmo é a maior solidão”. Foi além: “Ninguém tem o monopólio do bem e da virtude”.

Em meio à reafirmação da autoridade do Judiciário, contudo, o novo presidente do STF colocou um limite à autossuficiência. Ponderou que viver é andar numa corda bamba e “tomar decisões sempre com o medo de errar”. Foi o momento de usar a metáfora do equilibrista: aquele que acha que está voando vai cair, “e na vida, não tem rede”. É uma mensagem que sinaliza pragmatismo: Barroso se situa como presidente de poder, mas não acha que consegue voar.

 

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