Valor Econômico
Reafirmação do Judiciário como Poder
perpassou toda a fala do novo presidente do Supremo
O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, em seu discurso inicial, fez uma profissão de fé na iniciativa privada, acenou para o agronegócio, ressaltou o compromisso democrático das Forças Armadas e prestou reverência à Câmara e ao Senado. As mensagens para o restabelecimento do diálogo em um momento de crise institucional foram todas dadas, mas não há nenhum sinal de recuo nas posições que deram protagonismo ao Judiciário.
A reafirmação do Judiciário como Poder
perpassou toda a fala, desde a sutileza do recado ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva nos agradecimentos iniciais, quando louvou a ex-presidente Dilma
Rousseff por tê-lo indicado para o STF sem nada pedir. Aos críticos do Supremo,
Barroso pontuou: não existe o ativismo institucional do qual a Corte é acusada:
o controle constitucional, quando se trata de uma Constituição tão ampla como a
de 1988, é que obrigaria o Judiciário a entrar em diversas áreas, inclusive,
conforme ressaltou o magistrado, na proteção a comunidades indígenas.
Essa ressalva é fundamental dado o contexto.
O Senado aprovou menos de 24 horas antes o projeto de lei sobre marco temporal,
contrariando diretamente uma decisão tomada pelo STF na semana passada. Isso não
é algo trivial. É um sinal de que a relação entre os Poderes está desalinhada.
Ao votar a toque de caixa a questão do marco temporal, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG) arrastou o governo para se posicionar sobre em um
confronto entre o Judiciário e o Legislativo. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva deve vetar ou sancionar a proposta, e o governo federal tem se esquivado
de arbitrar.
Barroso deixou claro que o Judiciário não
recuará diante de gritarias. Estar exposto à insatisfação, segundo o novo
presidente do STF, faz parte da democracia. Ele sinalizou com bastante
proatividade do Judiciário nos próximos anos. A crise da democracia que
engolfou o Brasil e outros países nos últimos anos, conforme ressaltou Barroso,
se deu não apenas pela ameaça do populismo autoritário, mas pelas “promessas
não cumpridas”.
Foi a deixa para ele pontuar que cabe ao
Judiciário “empurrar a história para direção certa”. Houve momentos em sua fala
que lembraram o discurso de alguém que assume algum mandato eletivo.
O presidente do STF pregou a união do país em
torno de “uma agenda para o Brasil”, em que se enumera educação, saneamento,
empreendedorismo como prioridades, entre outros temas. Não é fala que sugere o
exercício da autocontenção, ainda que Barroso tenha feito uma menção
rapidíssima a esse princípio do equilíbrio entre os Poderes. Muito menos indica
uma Justiça inerte, que intervém no debate quando é provocada por uma das
partes que se sente atingida em seus direitos.
É um sinal que o STF pode não baixar imediatamente
a guarda em relação à agenda colocada pela ministra Rosa Weber em sua
presidência, que incendiou o Legislativo. A antecessora colocou em primeiro
plano não só o marco temporal dos territórios indígenas, como a liberalização
do uso de drogas e a permissão do aborto.
Sobretudo em relação aos dois últimos pontos
deputados e senadores entendem que essas são questões que estão na reserva de
poder do Legislativo, porque envolvem mudar a legislação atual, ou seja,
legislar. E legislar sobre temas que dividem a sociedade de cima a baixo. É
praticamente impossível existir alguém no Brasil que não tenha posições fortes
sobre esses dois assuntos.
Na antevéspera da aposentadoria, a presidente
do STF olhou mais o legado que julga deixar do que a conveniência política.
Barroso, que só se aposenta dentro de dez anos, tem mais estímulos para fazer
política e não para marcar posição. Essas são questões que radicalizam o
ambiente e direcionam o debate para o terreno em que o bolsonarismo se sente
mais desenvolto, o de costumes. Mas em sua fala inicial não houve sinalização
de que haverá uma guinada na pauta. O ministro frisou: causas identificadas
genericamente com a defesa dos direitos humanos não são progressistas; “São
causas da humanidade”.
Os sinais mais claros de conciliação foram
enviados aos derrotados nas urnas, o que não deixa de ser surpreendente. No ano
passado, irritado, Barroso disse a um manifestante “perdeu, Mané!” quando foi
hostilizado em um evento no exterior. Esse ano, em um Congresso da UNE, disse:
“Derrotamos o bolsonarismo”, na primeira pessoa do plural (o ministro
posteriormente reconheceu os erros e se desculpou pelos dois episódios). Nessa
quinta-feira, o presidente do STF afirmou: “Precisamos trabalhar pela
pacificação do país. Somos um só povo. Bastar-se a si mesmo é a maior solidão”.
Foi além: “Ninguém tem o monopólio do bem e da virtude”.
Em meio à reafirmação da autoridade do
Judiciário, contudo, o novo presidente do STF colocou um limite à
autossuficiência. Ponderou que viver é andar numa corda bamba e “tomar decisões
sempre com o medo de errar”. Foi o momento de usar a metáfora do equilibrista:
aquele que acha que está voando vai cair, “e na vida, não tem rede”. É uma
mensagem que sinaliza pragmatismo: Barroso se situa como presidente de poder,
mas não acha que consegue voar.
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