Diálogo de Lula e Campos Neto faz bem para economia
O Globo
Encontro entre os dois contribui para
restabelecer normalidade institucional esperada numa democracia
O encontro entre o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva e o presidente do Banco Central (BC), Roberto
Campos Neto, marca o restabelecimento da normalidade institucional.
Lula parece ter reconhecido a necessidade de respeitar o responsável por uma
instituição independente que, até o momento, tem cumprido sua missão. A
sociedade brasileira espera que a reunião marque uma virada, encerrando a fase
de críticas descabidas a Campos Neto, algumas até de ordem pessoal.
Indicado por Jair Bolsonaro, presidente que promoveu a independência do BC, Campos Neto sempre trabalhou de olhos na missão da instituição, não com base em cálculos políticos. Com os diretores do Comitê de Política Monetária (Copom), começou a subir os juros diante da escalada da inflação que se avizinhava no início de 2021, como efeito da pandemia. Entre as grandes economias, o Brasil foi um dos primeiros a iniciar o ciclo de alta. Em um ano e seis meses, o BC subiu a taxa básica de 2% para 13,75%. Em pleno ano eleitoral, manteve alto o custo do dinheiro, apesar da pressão de bolsonaristas. Contrariou quem defendia uma postura mais leniente com a inflação para aquecer a economia e, assim, favorecer a reeleição de Bolsonaro.
Lento, como toda ação dos bancos centrais, o
trabalho surtiu efeito. A inflação, que batera em 10% em 2021, foi
paulatinamente caindo para perto do teto da meta. Isso permitiu ao BC começar
em agosto o ciclo de queda nos juros (atualmente eles estão em 12,75%). A
previsão é que a inflação de 2023 fique pouco acima do teto e a de 2024 pouco
abaixo. Mesmo com o cenário mais tranquilo, a situação exige cuidado.
A média dos cinco núcleos inflacionários
monitorados pelo BC – que reúnem os preços menos voláteis, traduzindo a
persistência da inflação – vem desacelerando, mas continua alta. No acumulado
de 12 meses, caiu de 5,30% para 5,10%. Outra preocupação é com o comportamento
dos preços no setor de serviços. A previsão é que continuem a cair, mas o ritmo
da desaceleração parece incerto. A demanda sofre pressão da força no mercado de
trabalho, dos programas de transferência de renda e do declínio no preço de
alimentos, que aumenta a renda e a demanda por serviços.
A incerteza do cenário internacional é outro
ponto de atenção e, na reunião entre Lula e Campos Neto, foi o tema que
suscitou maior consenso. A alta do petróleo, dos juros americanos e a
desaceleração chinesa criam uma situação desafiadora, em que ambos concordam
ser necessário manter um rumo consistente na política econômica para poder
resistir melhor a eventuais choques.
De todos os desafios do governo, o maior é a
situação fiscal. Reina no mercado o ceticismo sobre as chances de o governo
cumprir a meta de zerar o déficit nas contas públicas em 2024 e de conquistar
superávits nos dois últimos anos do mandato de Lula. A desconfiança atrapalha o
trabalho do BC por afetar as expectativas de inflação. Na reunião, Campos Neto
mais uma vez salientou a necessidade de zelo com os compromissos fiscais, mesmo
diante das pressões políticas por mais gastos. O tema poderá voltar a opor
governo e BC. Espera-se, agora, que o diálogo ocorra de forma mais civilizada,
com base em dados técnicos e sem tentativas de criar barulho e confusão.
Empobrecimento da Argentina abre caminho a
populismo na eleição
O Globo
O ultradireitista Milei defende o fim dos
programas sociais, e o peronista Massa amplia medidas eleitoreiras
Quatro em dez
argentinos vivem abaixo da linha da pobreza, sem recursos
suficientes para consumir uma cesta de produtos e serviços básicos, revelou o
Indec, instituto de estatística do governo. O grupo engloba os indigentes, que
chegam a 9,3% da população. Os dados, divulgados a menos de um mês do primeiro
turno das eleições presidenciais, traduzem o tamanho da crise social na Argentina.
Com exceção do período da pandemia, é a pior situação desde pelo menos 2004 —
evidência eloquente da incompetência dos governantes nas últimas duas décadas.
É nesse contexto que ganham tração as propostas irreais do candidato populista
de ultradireita Javier Milei.
Acostumada a crises periódicas, a Argentina
vive um período agudo de desarranjo econômico, com inflação anual superior a
120%, índice mais alto entre todas as economias do G20. Como em toda crise
inflacionária, os mais pobres são os mais vulneráveis. A renda não acompanha a
escalada de preços, e mais gente cai abaixo das linhas da pobreza e da miséria.
Milei defende a dolarização da economia num
país em que faltam dólares, a eliminação do Banco Central numa economia com
inflação galopante e o fim dos programas sociais mesmo com o avanço da pobreza.
Para aumentar sua chance de enfrentá-lo no segundo turno, o ministro da
Economia e candidato peronista à Casa Rosada, Sergio Massa, tem adotado
políticas de cunho meramente eleitoreiro. Entre as medidas recentes estão
bonificações para aposentados e funcionários públicos, linhas de crédito
subsidiado, devolução de impostos e tentativas para aliviar a escassez de
dólares. Nesta semana,
o país ganhou mais uma cotação da moeda americana — já são 15.
Dirigida a empresas de petróleo e gás, foi apelidada de Vaca Muerta, referência
ao polo de exploração na Patagônia.
A Argentina viveu ciclos impressionantes de
inclusão social entre 1880 e 1930 e logo depois da Segunda Guerra Mundial. O
primeiro foi impulsionado pelas exportações do agronegócio. O segundo pela
industrialização. O surgimento de uma classe média numerosa, com acesso à
educação e poder de consumo, era descrito como “exceção argentina” numa América
Latina marcada pela pobreza. Em 1960, apenas 5% dos lares argentinos eram
considerados pobres, ante 50% no continente.
De lá para cá, o país de classe média
empobreceu. Com um agravante: a ideia de riqueza despegada da realidade se
consolidou como barreira para que a Argentina encarasse os sacrifícios
necessários a retomar o crescimento de forma sustentada. As sucessivas crises
funcionaram como máquinas de geração de pobreza. Desde o início do século, o
percentual de pobres tem caído na América Latina. A Argentina é de novo uma
exceção, desta vez negativa. Com as propostas dos que lideram as pesquisas de
opinião, é difícil acreditar que sairá do impasse.
Banco Central vê ociosidade menor na economia
Valor Econômico
A economia está perto de atingir a plena
utilização de sua capacidade produtiva e aumentos maiores da oferta podem
começar a provocar pressões sobre os preços
O Relatório de Inflação de setembro do Banco
Central confirmou os prognósticos de que as condições para a queda da inflação
se tornaram ligeiramente piores do que eram. No cenário externo, há riscos
tanto de elevação de preços de commodities quanto de valorização do dólar. No
cenário doméstico, a capacidade ociosa da economia é hoje razoavelmente menor
do que a estimada no relatório anterior, concluído em junho.
A alta do dólar, em função do aumento das
taxas de longo prazo dos títulos dos Estados Unidos e do diferencial de
crescimento entre a economia americana e o resto do mundo, elevou as projeções
de inflação. A essa pressão foram incluídos os efeitos ainda mitigados do El
Niño sobre os alimentos. Como resultado, a perspectiva para os preços livres no
IPCA caiu de 3,7% para 3,2% em 2023, mas a dos preços administrados se elevou
de 9% para 10,5%. Nos relatórios anteriores, a evolução dos administrados era
cadente, e agora deu um salto. Em consequência, cresceu a probabilidade de que
o BC não atinja a meta de inflação de 4,5% no próximo ano - era de 21% no
documento de junho e subiu para 24% em setembro.
A comparação dos elementos que influenciaram
a revisão das projeções de inflação entre junho e setembro dá uma ideia das
preocupações do BC. Os principais fatores altistas apontados são a “forte
subida do preço do petróleo e indicadores de atividade econômica mais fortes do
que o esperado”. Para baixo, a queda das expectativas de inflação e do próprio
IPCA. Saíram de cena, a partir de junho, como fatores que ajudavam o BC a
derrubar os preços, a apreciação cambial, a queda no preço do petróleo e a
utilização da bandeira verde em vez de amarela no reajuste dos preços da
energia elétrica (incorporada também ao cenário atual).
As condições financeiras, por outro lado,
pioraram em agosto e setembro, o que não ocorrera até julho. As principais
diferenças para isso foram os saltos nas cotações do petróleo e nas taxas de
juros de longo prazo nos Estados Unidos, além da queda na bolsa doméstica. O
Banco Central fez uma reavaliação importante do grau de ociosidade da economia,
e a conclusão é a de que ele é menor do que se estimava. O hiato do produto,
jargão técnico para designar se a economia está crescendo acima ou abaixo do
que poderia crescer, diminuiu. Essa defasagem, que foi estimada em -1,2% e
-1,4% nos segundo e terceiro trimestres do ano, encolheu para -0,7%. Isso
significa que a economia está perto de atingir a plena utilização de sua
capacidade produtiva e que aumentos maiores da oferta podem começar a provocar
pressões sobre os preços. “Indicadores de atividades mais fortes do que o
esperado, em especial o PIB do segundo trimestre e a taxa de desocupação, e
revisão das projeções de curto prazo desses indicadores contribuíram para a
estimativa de um hiato mais fechado realizada”.
Um dos elementos que entram nessa equação é o
comportamento dos salários. Segundo o relatório, de janeiro a agosto, cerca de
55% dos reajustes superaram a inflação, em comparação com 33% no mesmo período
de 2022. No entanto, como registra a ata do Copom, não há ainda pressões
determinantes dos salários sobre a inflação. Eles estão apenas recuperando
perdas relevantes diante dos altos índices de inflação do passado.
A trajetória da Selic projetada pelo relatório
indica juros altos por um bom tempo, o que é compatível com um ritmo modesto de
queda da taxa Selic e com as incertezas e riscos sobre o comportamento da
inflação, com as expectativas ainda parcialmente desancoradas. O pico dos juros
ocorreu no último trimestre de 2022, com uma taxa real alta de 7,8%, que
persistiu ao longo de todo o primeiro semestre deste ano (7,7%). Ela recuou a
6,9% neste terceiro trimestre e encerrará o ano em 6,3%. Chegará perto da taxa
neutra de juros (a que não estimula nem contrai as atividades econômicas) ao
fim de 2025 e 2026, com 4,8%, ou seja, em um nível ainda suavemente
contracionista.
A situação das contas públicas segue como pano de fundo desfavorável à convergência das expectativas inflacionárias dos agentes de mercado em direção às metas de inflação. Como indicou a ata do Copom, as desconfianças em relação à atitude fiscal do governo Lula eram bastante altas logo após a posse até a apresentação do novo regime fiscal. Cederam um pouco depois, já que os investidores viram como positiva a tentativa de colocar algum freio nas despesas - não esperavam nenhum -, mas começaram a piorar novamente diante da perspectiva de que, ao depender excessivamente do aumento das receitas, as metas não seriam factíveis. Ainda não se sabe qual a influência da proposta feita pelo governo sobre o pagamento integral do estoque de precatórios (R$ 95 bilhões) como crédito suplementar (fora do teto de gastos), com mudança na contabilidade desses gastos, separando o principal da dívida dos encargos de juros, que seriam apartados como despesas financeiras. Boa parte dos investidores classificou a mudança negativamente como “contabilidade criativa”.
Depois de Rosa Weber
Folha de S. Paulo
Saliência do Supremo favorece politização da
corte, o que é péssimo para o país
Quanto mais preponderante for o peso do
Supremo Tribunal Federal na institucionalidade brasileira, maior será o
incentivo para as forças político-partidárias cooptarem e influenciarem a
corte.
As nomeações de ministros fidelíssimos ao
presidente da República, marca do preenchimento das vagas nos últimos anos, são
sintoma desse desequilíbrio.
Entraram em recesso os fatores que permitiram
nomear uma ministra como Rosa Weber, que ora
se aposenta compulsoriamente, e o seu sucessor na presidência do
tribunal, Luís Roberto Barroso, empossado nesta quinta-feira (28).
Como se nota nas cogitações do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a indicação iminente de um novo magistrado,
critérios como reputação intelectual, experiência nas lides jurídicas,
pluralismo de inclinações doutrinárias e equilíbrio de gêneros e extrações
sociais caíram em desuso.
A conduta de Rosa Weber —como a do colega
aposentado em 2020, Celso de Mello— revestiu-se de outras virtudes em rarefação.
Entre elas, destacam-se a discrição, a recusa
a cruzar a praça dos Três Poderes para tricotagens políticas, o distanciamento
dos folguedos em que se congraçam juízes e interessados nas causas em análise e
a opção por ser loquaz e enérgica apenas nos autos e nas tarefas
institucionais.
A alteração do ambiente em que o STF opera
torna desafiadora a missão dos 11 magistrados nos próximos anos. Demonstra-o a
rápida reação do Congresso Nacional a movimentos da corte em temas como a
descriminalização da maconha e do aborto, bem como a derrubada do chamado marco
temporal para demarcar as terras indígenas.
A corte também esteve na berlinda em razão de
um vaivém de decisões controversas relacionadas à Lava Jato, ao sabor da
ascensão e queda da operação.
Teve o mérito indiscutível de manter a
altivez ante os ataques golpistas de Jair Bolsonaro (PL), mas excedeu-se
nas primeiras condenações de seguidores de menor relevo do ex-mandatário.
Por tudo isso é preciso cautela nos
movimentos que o STF, sob a presidência de Barroso, dará nos próximos dois
anos. Porque a corte assumiu mais prerrogativas do que seria desejável —não
inteiramente por sua culpa— no cenário nacional, as vagas no tribunal
tornaram-se objeto da mais alta cobiça dos partidos no poder.
O ambiente atual acaba por selecionar
candidatos a ministros mais propensos às negociações e acomodações políticas, o
que é péssimo para o país.
Déficit universitário
Folha de S. Paulo
Greve na USP por mais docentes expõe falha no
custeio do ensino superior público
A Universidade de São Paulo sempre figura nas
primeiras colocações dos sistemas de avaliação da América Latina. No
prestigiado ranking QS referente a este ano, retomou o primeiro lugar, que, em
edições anteriores, estava com a Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Na última década, a USP tem enfrentado
problemas de caixa e reclamações do corpo discente sobre condições de ensino.
As adversidades têm relação com falhas no sistema de financiamento das
universidades públicas brasileiras.
Gastos com docentes e servidores
administrativos consomem grande parte dos orçamentos das instituições, faltando
verba para investimento em pesquisa, tecnologia e inovação, quando não para o
custeio mais básico.
A USP —bem como as outras universidades paulistas,
a Unicamp e a Unesp— seguem um modelo próprio e meritório de autonomia, pelo
qual recebem parcelas fixas da arrecadação do ICMS do estado. Embora bem
concebida, a regra deu margem a crises de gestão.
Enquanto a arrecadação tributária passou por
um período de forte crescimento, as instituições puderam expandir tanto o
número de alunos quanto conceder bons reajustes salariais aos docentes. Com a
recessão profunda de 2014-16, a receita desabou e foi necessário promover
ajustes que reduziram o quadro de pessoal.
A comunidade acadêmica sente ainda hoje os
efeitos de tais solavancos. Desde o
último dia 18, parcelas crescentes dos alunos iniciaram uma greve,
reivindicando contratação de mais professores.
Entre 2002 e 2022, o número de
estudantes subiu 32%, e o de docentes, só 5%. Havia 1 professor para
cada 15 alunos, em média; agora a proporção é de 1 para 18, segundo a
associação dos profissionais.
Já conforme o ranking Times Higher Education,
a USP, que não está entre as 200 mais bem avaliadas do mundo, tem 13,9 alunos
por docente, nada que destoe tanto do padrão de instituições de ponta.
Pelas estatísticas da OCDE, as universidades
públicas brasileiras têm média de 10 estudantes por professor, abaixo, por
exemplo, de França (18) e Canadá (21).
Percebe-se aí uma distorção na educação
pública brasileira, que destina recursos desproporcionais ao ensino superior,
frequentemente em favor de estratos mais ricos.
Urge implementar alternativas de financiamento, corriqueiras no restante do mundo, para que os beneficiários também contribuam para o sustento das universidades. Refratárias a esse debate, as instituições públicas sofrem diretamente com o atraso brasileiro.
Os insaciáveis glutões da República
O Estado de S. Paulo
Nada parece saciar a voracidade do Centrão
por sinecuras. Isso seria um problema exclusivo de Lula, não fosse o fato de
que a chantagem de um grupo de parlamentares prejudica todo o País
Uma pergunta se impõe: o que afinal saciará a
voracidade do Centrão, em particular do grupo chefiado pelo presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por cargos e recursos públicos? Qual seria esse
ponto de equilíbrio em que a mágica acontece, isto é, o que ainda precisa ser
entregue aos glutões da República para que estes se deem por atendidos em suas
exigências, nem sempre inspiradas pelo melhor interesse público? São perguntas
retóricas, claro.
Não faz muito tempo, após longa e tediosa
espera, o presidente Lula da Silva entregou dois Ministérios – Esportes e
Portos e Aeroportos – para o grupo de Lira. Porém, por mais que o governo ceda
às imposições do Centrão, parece sempre haver uma nova demanda a ser atendida.
E, se o Executivo ousar não ceder no tempo e nos termos que os deputados
desejam, estes cruzam os braços e simplesmente obstruem o funcionamento da
Casa, nada menos, como ocorreu há pouquíssimos dias. E que se dane o País.
Eis o ponto central dessa barafunda. Formar
uma base de apoio ao governo no Congresso é problema exclusivo de Lula. Mas
isso passa a ser um problema do País inteiro quando os impasses entre Executivo
e Legislativo levam à paralisação da agenda legislativa até que os caprichos de
uns e outros sejam acolhidos. Isso é inaceitável.
Com a maior naturalidade, fala-se abertamente
no fatiamento de Ministérios, na criação de outras pastas ou na ocupação, de
“porteira fechada”, de autarquias e bancos públicos sem que esses movimentos
sejam orientados por essas chatices como eficiência ou interesse público. O
dínamo é o furor do Centrão para ocupar um espaço cada vez maior na
administração pública, de modo a ter acesso igualmente maior aos recursos do
Orçamento – o que se traduz, basicamente, na perpetuação do poder
político-eleitoral da casta.
O “resgate” da hora em troca de uma suposta
governabilidade é o comando da Caixa, mas não só. O Centrão quer liberdade para
ocupar todas as diretorias do banco. Mas isso é hoje. Amanhã, a imposição
decerto será outra.
Tal é o despudor dessa turma que a coação
passou a ser física. No dia 26 passado, o ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, foi literalmente emparedado por deputados do PSD na saída de
um evento no Palácio do Planalto. A parede contra a qual Padilha foi
pressionado pelos parlamentares foi transformada num muro de lamentações.
Acossado, o ministro teve de ouvir um rosário de cobranças por cargos – em
especial na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) – e repasses de recursos
federais aos Estados.
Uma das deputadas participantes do cerco,
Laura Carneiro (PSD-RJ), ameaçou abertamente o governo federal. “Se a gente
dançar, a Nísia (Trindade, ministra da Saúde) vai dançar também”, disse a
parlamentar ao ministro, de acordo com um áudio captado pela Rádio CBN. Ora, o
que a veterana parlamentar quis dizer com isso? Padilha chegou a comparar a
abordagem de parte da bancada do PSD a uma batida policial. “Vocês (os
repórteres) viram o verdadeiro ‘baculejo’ que a Delegada Katarina deu em mim,
vocês viram, né?”, disse o ministro, referindo-se à deputada Delegada Katarina
(PSDSE). Aos que se chocaram com a cena, Padilha ainda fez graça: “Vocês não
têm ideia do que eles fazem comigo a portas fechadas”.
Assim, já não se pode falar mais em
presidencialismo de coalizão, que já era ruim por resultar da incapacidade do
Executivo de formar maioria sem fazer concessões a grupos políticos pouco ou
nada identificados com a plataforma política vencedora da eleição. O País agora
parece ter entrado de vez no presidencialismo do esbregue, em que o governo é chantageado
à luz do dia, sem qualquer constrangimento e com um grau de agressividade
típico das máfias. Isso obviamente nada tem a ver com política. É extorsão.
Diante disso, fica fácil responder às
perguntas do início deste editorial. Lula (ou qualquer outro presidente) pode
criar dezenas de Ministérios e escancarar porteiras em apetitosas autarquias,
mas nada disso parece suficiente para essa turma – que, na hora do voto, nem
lembra que é base do governo.
América Latina em rota perigosa
O Estado de S. Paulo
Cepal prevê crescimento baixo na região e no
Caribe e alerta: sem empenho na agenda de combate às mudanças climáticas, as
tragédias ambientais se somarão ao encolhimento do PIB
A América Latina e o Caribe enfrentarão menor
dinamismo econômico em 2023 e 2024, puxado especialmente pelo baixo desempenho
da América do Sul. Em suas recentes projeções, a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal) prevê a expansão de apenas 1,7% no Produto
Interno Bruto (PIB) para toda a região neste ano, com desaceleração para 1,5%
no próximo período. O quadro é preocupante para uma região exposta a históricas
mazelas sociais, a elevado endividamento público e a altos níveis de violência.
No relatório, a Cepal concentra-se nas políticas, mais do que urgentes, de
combate aos choques climáticos esperadas dos governos da região – sejam como
vetor de crescimento ou como meio de evitar quedas ainda mais acentuadas da
atividade econômica.
O Estudo Econômico da América Latina e do
Caribe, 2023 – O Financiamento de uma transição sustentável: investimento para
crescer e enfrentar a mudança climática traz a estimativa de expansão de apenas
1,2% na economia sul-americana neste e no próximo ano. Apesar do ajuste para
cima da projeção para o Brasil – agora de 2,5% neste ano e de 1,4% em 2024 –, o
PIB da América do Sul mostra-se vulnerável às recessões na Argentina e no Chile
e à baixa expansão no Uruguai. A América Central, incluído o México, terá desempenho
melhor, de 3,3% em 2023 e de 2,1% no ano que vem. Excluída a Guiana, com
aumento da atividade acima de 20% nos dois anos em razão da exploração
petrolífera, o Caribe crescerá 4,2% neste ano e 2,8% em 2024.
O cenário, ressalta a Cepal, não é alentador.
O organismo regional das Nações Unidas não antecipa um ciclo de relaxamento da
política monetária da América Latina e do Caribe, dada a persistência da
inflação, principalmente nos serviços. A tendência de aperto nos juros nos
Estados Unidos e na União Europeia, por sua vez, traduz-se na região como piora
nas condições de financiamento externo e de investimento, além da retração da
demanda internacional por seus bens. A desaceleração da economia da China
agrava o quadro.
Somados, tais fatores acentuam o risco de uma
“crise de maior envergadura”, alerta a Cepal, que propõe aos países da região
um “enfoque pragmático”, como nos tempos da pandemia. O organismo recomenda o
uso de todos os instrumentos disponíveis para o combate à inflação e a
estabilidade do setor financeiro, bem como a mitigação dos efeitos dessas
políticas sobre as famílias e as empresas. Também sugere, em especial, um olhar
cuidadoso a um desafio que considera maior – os impactos locais do aquecimento
global.
A Cepal estima ser necessário o investimento
adicional de 5,3% a 10,9% do PIB ao ano em medidas de adaptação à mudança
climática e de mitigação de seus efeitos. A cifra é extraordinária para países
marcados pelo espaço fiscal limitado. Alcançá-la implicará esforço extra,
principalmente na agenda macroeconômica, para criar ambiente propício à atração
do setor privado. O relatório não deixa alternativa a esse desafio. Mas dá
alguns alentos. Argumenta que a tecnologia embarcada em projetos nessas áreas
trará elevação da produtividade e da competitividade das economias,
historicamente mais baixas do que em outros países em desenvolvimento e
emergentes. Se não impulsionar substancial crescimento econômico, alega, pelo
menos evitará que o PIB se dilua com as tragédias ambientais.
Da mesma forma, a Cepal sublinha a exploração
do potencial da região em novos segmentos derivados do contexto climático. A
produção de lítio, hidrogênio verde e biocombustíveis, a emissão de créditos de
carbono pelo combate ao desmatamento e a criação de mecanismos financeiros
verdes abrem caminhos promissores – especialmente, se estimulados também pela
melhoria da pesquisa científica e da educação. Trata-se de oportunidades a
serem aproveitadas, por meio de investimentos privados e de recursos de bancos
multilaterais e regionais. O recado da Cepal deste ano não poderia ser mais
claro: sem empenho na agenda climática, os países da América Latina e o Caribe
estarão condenados não só aos efeitos cada vez mais trágicos dos eventos
ambientais para seus povos, mas ao empobrecimento contínuo.
Sem pose para foto
O Estado de S. Paulo
Reunião entre presidente Lula e Roberto
Campos Neto indica transigência, não aproximação real
O mínimo que se espera da relação entre os
presidentes da República e do Banco Central (BC) num regime democrático é o
diálogo constante. Não para que o Planalto imponha uma linha de atuação à
autoridade monetária, muito menos que o BC opine sobre as composições políticas
do Executivo. A interlocução frequente é a forma de endossar a busca por um
objetivo comum no governo.
Nesse sentido, a aproximação de Lula da Silva
e Roberto Campos Neto é carregada de simbolismo num momento em que encontrar
soluções para atingir o equilíbrio fiscal é uma das tarefas mais complexas do
governo. Obviamente o sinal teria sido mais adequado se refletisse de fato uma
agenda comum, e não apenas uma concessão de Lula a seu ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, como ficou claro.
Haddad teve de insistir sobre a necessidade
do encontro, Campos Neto apelou em carta por uma audiência, e Lula da Silva
afinal aceitou receber no Planalto o presidente do BC. Pela primeira vez
estiveram frente a frente, em reunião fechada, com retardo de nove meses e sem
a divulgação da tradicional foto de aperto de mãos entre sorrisos. Foi uma
condescendência, não a celebração de uma nova fase.
Até agora o que se sabe da reunião é apenas o
que Haddad se permitiu falar. Foi, segundo afirmou, um encontro institucional
“produtivo e cordial”. Aproveitou para deixar nítida sua torcida para que se
torne periódico. De qualquer forma, um avanço. Principalmente para o ministro,
que poderá recorrer com maior desenvoltura ao presidente do BC para auxiliá-lo
no convencimento de parlamentares sobre a importância da aprovação no Congresso
de medidas para aumentar a arrecadação.
O ritmo de afrouxamento da taxa básica de
juros (Selic) depende também, em grande parte, das expectativas sobre quão
próximo de cumprir a meta fiscal estará o governo. Na última decisão, o Comitê
de Política Monetária deixou muito claro que o corte de juros não ficará acima
do 0,5 ponto porcentual nas últimas duas reuniões previstas para este ano.
Não fossem, aliás, os dois cortes recentes,
nessa mesma magnitude, dificilmente o presidente Lula teria aceitado receber
Campos Neto, a quem criticou inúmeras vezes, de forma rude e impaciente, por
causa da opção do BC pela austeridade monetária como garantia de uma inflação
sob controle. Mesmo nas críticas, raras vezes dirigiu-se a Campos Neto pelo
nome, preferindo usar a desrespeitosa expressão “aquele cidadão”.
Indicado para o cargo pelo governo anterior,
Campos Neto permanecerá no BC até o fim do ano que vem, por força dos mandatos
não coincidentes. É a primeira vez que isso acontece desde que a lei da
autonomia do Banco Central entrou em vigor, em 2021. Não está sendo um início
amistoso, mas, ao menos, tem servido para evidenciar que as decisões da
autoridade monetária têm conseguido se revestir de critérios técnicos, apesar
da grande pressão política.
Não é possível saber por quanto tempo a bandeira branca ficará hasteada no Planalto. Mas, enquanto estiver suspensa a artilharia contra o Banco Central, é possível que se reduzam as especulações no mercado financeiro. Deveria ser esse o padrão.
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