O Estado de S. Paulo
Como ensinava nos anos 70 o então ministro
Mário Henrique Simonsen, tem picada que mata e tem picada que aleija. A que
mata é um forte rombo cambial. A que aleija é a inflação alta. Naqueles tempos,
o Brasil foi seriamente ameaçado pelas duas. Hoje, está livre da picada que
mata. Mas nem tanto da que aleija por conta dos riscos envolvendo o rombo
fiscal.
Mas falemos da exuberante saúde cambial, que
muito poderia beneficiar hoje o Brasil, se for bem aproveitada.
Neste ano, as receitas com exportações devem superar as despesas com importações (superávit comercial) em pelo menos US$ 73 bilhões, recorde histórico. Em outra conta, a entrada de Investimentos Estrangeiros no País deve alcançar US$ 80 bilhões. Enquanto isso, o déficit em Transações Correntes, que inclui as outras contas externas menos o fluxo de capitais, será de apenas US$ 43,8 bilhões. A dívida externa bruta é de US$ 332 bilhões, só um dedo mais alta do que as exportações deste ano e menor do que as reservas externas, hoje em US$ 344,1 bilhões. Ou seja, há fartura de dólares, ao contrário do que aconteceu por aqui na década de 1980 e que vai asfixiando a Argentina.
Com um pouco mais de arrumação, o Brasil
poderia dar um grande salto. Não à toa, virou o centro das atenções dos
senhores do capital e da geopolítica.
Essa força cambial pode se tornar a base do
lançamento de foguete para o cumprimento da principal agenda econômica global
do momento, que são os investimentos para a transição em direção à energia
limpa e renovável, que se medem em trilhões de dólares.
Mas há três níveis de desarrumação que muito
atrapalham essa pauta. O rombo fiscal pode não ser o principal, mas é o
primeiro da fila. As contas públicas estão sem chão, desordem que pode
afugentar investimentos e produzir distorções. O segundo nível de desarrumação
é a falta de sentido de urgência para as reformas. Alguma coisa andou e, no
entanto, está ameaçada de recuos, casos da reforma trabalhista e da reforma da
previdência. Mas de outras nem foi apertado o botão de start, como da reforma
administrativa.
E aí chegamos ao terceiro nível de
desarrumação, provavelmente o maior, que é a encalacrada política, que também
pede reforma profunda.
O Congresso só anda à custa de combustíveis
baseados em orçamentos secretos. A fidelidade partidária está subordinada a
critérios fisiológicos. O governo, qualquer que seja, não consegue emplacar
seus projetos de lei. O Supremo vai atropelando atribuições do Legislativo e do
Executivo...
Mas as contas externas – viva! – estão
melhores do que nunca foram.
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