O Globo
No próximo dia 4 de outubro, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) julgará um embargo de declaração que envolve a
disputa dos municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim pela partilha dos
royalties do petróleo.
Embargos de declaração e partilhas de
royalties são assuntos complicados, com “linhas de projeção ortogonais”,
“trânsitos em julgado” e “áreas geoeconômicas”. Esse litígio, contudo, expõe a
barafunda jurídica instalada no país e os bons negócios que ela permite.
São Gonçalo, Magé e Guapimirim estão dentro da Baía da Guanabara e querem ser reconhecidos como parte da Zona de Produção Principal. Assim, tomada como referência a produção de 2022, receberiam R$ 610 milhões por trimestre. (A partilha varia de acordo com a produção.) Como o dinheiro sai de uma só cumbuca, municípios que ficam diante do mar aberto, como o Rio de Janeiro e Niterói, perderiam com a revisão dos percentuais da partilha.
Em julho de 2022, os três municípios
conseguiram uma liminar do Tribunal Regional Federal de Brasília,
assegurando-lhe o benefício. A prefeitura de Niterói foi à luta e obteve do
Superior Tribunal de Justiça a suspensão da medida. Durante os dois meses em
que vigorou a canetada, perdeu R$ 311,5 milhões.
Na decisão que revogou a liminar, a ministra
Maria Thereza de Assis Moura registrou que, segundo a prefeitura de Niterói, a
nova partilha drenaria, só em 2022, “aproximadamente, R$ 1 bilhão, o que
corresponderia a quase um quarto do orçamento do município para o corrente
exercício, fixado em R$ 4,3 bilhões.”
Até aí, se assim tivesse que ser, que fosse,
mas a ministra foi ao ponto:
“A questão, é perfeitamente resolvível em
momento posterior, em ação própria, na qual se discutirá a eventual
indenização, caso a sentença de primeiro grau seja confirmada pelas instâncias
superiores e transite em julgado sem a sua reforma ou cassação.”
Em abril passado, por unanimidade, a Corte
Especial do STJ manteve a decisão da ministra.
Entrou em campo o embargo de declaração.
Se no dia 4 de outubro ele for negado, a bola
volta para o TRF de Brasília. Se for concedido, o dinheiro da partilha fica
congelado até que o mesmo tribunal resolva o litígio.
O caso parece uma disputa de municípios por
recursos. Há mais.
Litigando pelos três municípios está a
Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultorias — Nupec,
entidade sem tradição universitária ou fins lucrativos. Ela contrata diversos
escritórios de advocacia com fins lucrativos. Um deles intitula-se Djaci Falcão
Advogados. O ministro Djaci Falcão presidiu o STF e morreu em 2012. Quem está
na banca é seu neto, filho de um ex-ministro do STJ.
Como quem trabalha de graça é relógio, os
doutores contratam seus serviços com uma cláusula de êxito que lhes dá, durante
três anos, 20% sobre o valor que os municípios venham a receber com a nova
partilha. Só com o breve efeito da liminar cassada, São Gonçalo empenhou R$
43,9 milhões e Guapimirim, R$ 24,4 milhões. O valor empenhado por Magé,
possivelmente gira em torno de R$ 40 milhões.
John D. Rockefeller (1839-1937), o primeiro
bilionário do petróleo, ensinou que “o melhor negócio do mundo é uma empresa de
petróleo bem administrada, e o segundo melhor negócio é uma empresa de petróleo
mal administrada.”
Rockefeller era um predador, mas trabalhava
todo dia. Não conhecendo os segredos das partilhas de royalties e os labirintos
da Justiça brasileira, deixou de ver um negócio ainda melhor: um litígio contra
a ANP e o IBGE. A Petrobras rala para tirar o petróleo do fundo do mar, os
prefeitos (mal ou bem) ralam para administrar os municípios e a turma do
litígio fica com 20% por três anos.
A PRF precisa de uma faxina
O doutor Antônio Oliveira, diretor da Polícia
Rodoviária Federal, anunciou que estão identificados os 28 agentes que foram ao
Hospital Adão Pereira Nunes, onde estava internada a menina Heloísa Santos
Silva, de 3 anos, baleada na cabeça por uma patrulha. Ela morreu nove dias depois.
Numa fala repleta de platitudes, o doutor
explicou:
“Abrimos um procedimento para saber sobre
essas frequências, visitas (ao hospital). O que estava autorizado? O que não
estava? (...) Então tem um procedimento administrativo disciplinar para apurar
isso”.
Os agentes da PRF acharam que o carro em que
viajava a família de Heloísa era roubado e atiraram. Não era. Horas depois, o
pelotão de agentes foi ao hospital e intimidou a família
O doutor poderia ter explicado por que a PRF
informou, em nota oficial, que “na noite da ocorrência a central de operações
despachou viaturas operacionais ao Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes
para apoio, ante a comoção popular e possibilidade de agressão aos policiais
envolvidos na ocorrência”.
A PRF, ao divulgar essa patranha, justificou
e encobriu a intimidação da família da vítima. O doutor Oliveira acredita no
que disse sua nota?
Desde 2016 a Polícia Rodoviária Federal matou
156 pessoas, uma delas asfixiada no porta-malas de uma viatura. Conhecida como
Polícia Rodoviária do Flávio, numa referência ao senador filho do então
presidente Bolsonaro, meteu-se em malfeitorias eleitorais, e seu diretor acabou
na cadeia, preferindo aposentar-se. Veio um governo petista e deu no que se
está vendo.
O ministro Gilmar Mendes disse tudo:
“Há bem mais a ser feito. (A PRF) merece ter
a sua existência repensada. Para violações estruturais, medidas também
estruturais.”
Pio XII e o Holocausto
Se a luz do sol é o melhor detergente, a
sombra e o tempo são bons embaçadores. Outro dia apareceu a notícia que o Papa
Pio XII recebeu uma carta de um jesuíta alemão em dezembro de 1942 denunciando
a matança de judeus e o campo de extermínio de Auschwitz.
Passados 81 anos, pareceu novidade. Antes de
dezembro de 1942, o holocausto passou pelo menos dez vezes pelo Vaticano, e o
Papa ficou calado.
Em outubro de 1941, Pio XII recebeu uma
denúncia do massacre de judeus, vinda do núncio apostólico de Bratislava. O
Papa encontrou o núncio na Turquia e perguntou-lhe se o seu silêncio era um
erro. O prelado era Angelo Roncalli, que viria a sucedê-lo, como João XXIII.
Em fevereiro de 1942, 20 dias depois da
reunião de nazistas que pôs em marcha a “Solução Final”, Hitler anunciou que
“os judeus serão liquidados por pelo menos mil anos”.
Em setembro de 1942, o embaixador brasileiro
no Vaticano, Hildebrando Pinto Accioli, articulou-se com os colegas dos Estados
Unidos, Inglaterra, França e Polônia e pediu a Pio XII que protestasse. Nada
feito.
Pio XII morreu em outubro de 1958, aos 82
anos. Mal embalsamado, sofreu um raro processo de decomposição, explodiu, foi
recomposto e vestido de novo.
O médico do Papa Pacelli, que dirigiu o
embalsamamento, era um charlatão que pouco depois vendeu fotografias da agonia
do paciente.
2 comentários:
Suponho que o colunista não gosta de Pio XII.
Carácoles!
Postar um comentário