domingo, 24 de setembro de 2023

Elio Gaspari - O bom negócio que Rockefeller não viu

O Globo

No próximo dia 4 de outubro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará um embargo de declaração que envolve a disputa dos municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim pela partilha dos royalties do petróleo.

Embargos de declaração e partilhas de royalties são assuntos complicados, com “linhas de projeção ortogonais”, “trânsitos em julgado” e “áreas geoeconômicas”. Esse litígio, contudo, expõe a barafunda jurídica instalada no país e os bons negócios que ela permite.

São Gonçalo, Magé e Guapimirim estão dentro da Baía da Guanabara e querem ser reconhecidos como parte da Zona de Produção Principal. Assim, tomada como referência a produção de 2022, receberiam R$ 610 milhões por trimestre. (A partilha varia de acordo com a produção.) Como o dinheiro sai de uma só cumbuca, municípios que ficam diante do mar aberto, como o Rio de Janeiro e Niterói, perderiam com a revisão dos percentuais da partilha.

Em julho de 2022, os três municípios conseguiram uma liminar do Tribunal Regional Federal de Brasília, assegurando-lhe o benefício. A prefeitura de Niterói foi à luta e obteve do Superior Tribunal de Justiça a suspensão da medida. Durante os dois meses em que vigorou a canetada, perdeu R$ 311,5 milhões.

Na decisão que revogou a liminar, a ministra Maria Thereza de Assis Moura registrou que, segundo a prefeitura de Niterói, a nova partilha drenaria, só em 2022, “aproximadamente, R$ 1 bilhão, o que corresponderia a quase um quarto do orçamento do município para o corrente exercício, fixado em R$ 4,3 bilhões.”

Até aí, se assim tivesse que ser, que fosse, mas a ministra foi ao ponto:

“A questão, é perfeitamente resolvível em momento posterior, em ação própria, na qual se discutirá a eventual indenização, caso a sentença de primeiro grau seja confirmada pelas instâncias superiores e transite em julgado sem a sua reforma ou cassação.”

Em abril passado, por unanimidade, a Corte Especial do STJ manteve a decisão da ministra.

Entrou em campo o embargo de declaração.

Se no dia 4 de outubro ele for negado, a bola volta para o TRF de Brasília. Se for concedido, o dinheiro da partilha fica congelado até que o mesmo tribunal resolva o litígio.

O caso parece uma disputa de municípios por recursos. Há mais.

Litigando pelos três municípios está a Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultorias — Nupec, entidade sem tradição universitária ou fins lucrativos. Ela contrata diversos escritórios de advocacia com fins lucrativos. Um deles intitula-se Djaci Falcão Advogados. O ministro Djaci Falcão presidiu o STF e morreu em 2012. Quem está na banca é seu neto, filho de um ex-ministro do STJ.

Como quem trabalha de graça é relógio, os doutores contratam seus serviços com uma cláusula de êxito que lhes dá, durante três anos, 20% sobre o valor que os municípios venham a receber com a nova partilha. Só com o breve efeito da liminar cassada, São Gonçalo empenhou R$ 43,9 milhões e Guapimirim, R$ 24,4 milhões. O valor empenhado por Magé, possivelmente gira em torno de R$ 40 milhões.

John D. Rockefeller (1839-1937), o primeiro bilionário do petróleo, ensinou que “o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada, e o segundo melhor negócio é uma empresa de petróleo mal administrada.”

Rockefeller era um predador, mas trabalhava todo dia. Não conhecendo os segredos das partilhas de royalties e os labirintos da Justiça brasileira, deixou de ver um negócio ainda melhor: um litígio contra a ANP e o IBGE. A Petrobras rala para tirar o petróleo do fundo do mar, os prefeitos (mal ou bem) ralam para administrar os municípios e a turma do litígio fica com 20% por três anos.

A PRF precisa de uma faxina

O doutor Antônio Oliveira, diretor da Polícia Rodoviária Federal, anunciou que estão identificados os 28 agentes que foram ao Hospital Adão Pereira Nunes, onde estava internada a menina Heloísa Santos Silva, de 3 anos, baleada na cabeça por uma patrulha. Ela morreu nove dias depois.

Numa fala repleta de platitudes, o doutor explicou:

“Abrimos um procedimento para saber sobre essas frequências, visitas (ao hospital). O que estava autorizado? O que não estava? (...) Então tem um procedimento administrativo disciplinar para apurar isso”.

Os agentes da PRF acharam que o carro em que viajava a família de Heloísa era roubado e atiraram. Não era. Horas depois, o pelotão de agentes foi ao hospital e intimidou a família

O doutor poderia ter explicado por que a PRF informou, em nota oficial, que “na noite da ocorrência a central de operações despachou viaturas operacionais ao Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes para apoio, ante a comoção popular e possibilidade de agressão aos policiais envolvidos na ocorrência”.

A PRF, ao divulgar essa patranha, justificou e encobriu a intimidação da família da vítima. O doutor Oliveira acredita no que disse sua nota?

Desde 2016 a Polícia Rodoviária Federal matou 156 pessoas, uma delas asfixiada no porta-malas de uma viatura. Conhecida como Polícia Rodoviária do Flávio, numa referência ao senador filho do então presidente Bolsonaro, meteu-se em malfeitorias eleitorais, e seu diretor acabou na cadeia, preferindo aposentar-se. Veio um governo petista e deu no que se está vendo.

O ministro Gilmar Mendes disse tudo:

“Há bem mais a ser feito. (A PRF) merece ter a sua existência repensada. Para violações estruturais, medidas também estruturais.”

Pio XII e o Holocausto

Se a luz do sol é o melhor detergente, a sombra e o tempo são bons embaçadores. Outro dia apareceu a notícia que o Papa Pio XII recebeu uma carta de um jesuíta alemão em dezembro de 1942 denunciando a matança de judeus e o campo de extermínio de Auschwitz.

Passados 81 anos, pareceu novidade. Antes de dezembro de 1942, o holocausto passou pelo menos dez vezes pelo Vaticano, e o Papa ficou calado.

Em outubro de 1941, Pio XII recebeu uma denúncia do massacre de judeus, vinda do núncio apostólico de Bratislava. O Papa encontrou o núncio na Turquia e perguntou-lhe se o seu silêncio era um erro. O prelado era Angelo Roncalli, que viria a sucedê-lo, como João XXIII.

Em fevereiro de 1942, 20 dias depois da reunião de nazistas que pôs em marcha a “Solução Final”, Hitler anunciou que “os judeus serão liquidados por pelo menos mil anos”.

Em setembro de 1942, o embaixador brasileiro no Vaticano, Hildebrando Pinto Accioli, articulou-se com os colegas dos Estados Unidos, Inglaterra, França e Polônia e pediu a Pio XII que protestasse. Nada feito.

Pio XII morreu em outubro de 1958, aos 82 anos. Mal embalsamado, sofreu um raro processo de decomposição, explodiu, foi recomposto e vestido de novo.

O médico do Papa Pacelli, que dirigiu o embalsamamento, era um charlatão que pouco depois vendeu fotografias da agonia do paciente.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Suponho que o colunista não gosta de Pio XII.

ADEMAR AMANCIO disse...

Carácoles!