Decisão de Toffoli sobre Lava-Jato deixa questões em aberto
O Globo
Apesar de despacho denso e enfático, lógica
da anulação de provas contra Odebrecht precisa ser mais bem explicada
Na última quarta-feira, o ministro do
Supremo Dias Toffoli anulou o acordo de leniência firmado em 2016 entre a
empreiteira Odebrecht e a Operação Lava-Jato. Tornou
imprestáveis as provas obtidas a partir dele: os bancos de dados em que a
empresa armazenava com riqueza de detalhes o valor das propinas pagas a
políticos do Brasil e de países onde mantinha obras. Para isso, citou diálogos
obtidos ilegalmente pelo criminoso digital que invadiu um aplicativo de
mensagens dos procuradores da Lava-Jato.
Toffoli disse que os diálogos comprovam ter havido falha na cadeia de custódia das provas — o conjunto de procedimentos que atesta sua inviolabilidade. Afirmou que não houve um acordo internacional, passo juridicamente necessário para que os dados fossem trazidos do exterior para o Brasil. Mandou que se apure, nas esferas administrativa, cível e criminal, a responsabilidade de agentes públicos na obtenção ilegal dessas provas. Em seu voto, afirmou que já se pode concluir que a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos maiores erros judiciários da História do Brasil.
O cidadão que acompanhou o passo a passo da
Lava-Jato há de estar se fazendo algumas perguntas. Uma delas foi expressa de
maneira clara pelo diretor-executivo da Transparência Internacional Brasil,
Bruno Brandão. “Se houve erros, isso deve ser apurado e corrigido, com
responsabilizações atribuídas”, disse Brandão. E acrescentou: “Mas num prédio
em que se descobre um vazamento de água, deve-se consertá-lo ou demolir o
edifício?”. A pergunta prescinde de resposta, pois é óbvia. Empresários,
políticos e funcionários públicos confessaram crimes de corrupção e devolveram
dinheiro em grande volume, tudo registrado em gravações atestando que não houve
coerção. Ao constatar problemas na cadeia de custódia e na necessidade, por
sinal controversa, de acordo internacional, não teria havido outro remédio que
não a anulação geral?
Se houve erros na Lava-Jato — e houve —,
por que não foram detectados pela segunda instância ou, depois, pelo STJ? Ou
ainda pelo STF, nos casos que julgou? O Supremo errou também? O Judiciário
brasileiro é, no mundo, um dos que mais oferecem caminhos para verificar e
sanar problemas em processos — talvez até em excesso. Só agora um juiz enxergou
a falha? Toffoli afirmou em sua decisão que a Lava-Jato foi “uma armação fruto
de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de
conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações
contra legem [contrários à lei]”. É uma acusação forte e grave, que não recai
apenas sobre a 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, sobre o então juiz
Sergio Moro e sobre os procuradores da força-tarefa liderada por Deltan
Dallagnol, mas também sobre todo o Judiciário, inclusive o próprio STF, que
acompanhou tudo com lupa.
É nesse contexto também que deve ser lida a
afirmação de que a prisão de Lula foi um dos maiores erros judiciários do
Brasil. Impossível não ver nela certa dose de autocrítica, já que o Supremo
referendou a manutenção da prisão mais de uma vez (embora sem apreciar o mérito
das acusações).
Um terceiro aspecto intriga o cidadão
comum: as provas contra a Odebrecht e políticos foram anuladas porque, diz
Toffoli, a Lava-Jato chegou a elas de maneira ilegal. Mas em que ele se baseou
para decretar a ilegalidade dos procedimentos? Nos diálogos que um criminoso
obteve ilegalmente ao invadir mensagens alheias, armazenadas em computador
apreendido na Operação Spoofing. Toffoli cita seu antecessor no caso, o
ex-ministro Ricardo Lewandowski, que afirmou, textualmente, não estar
“discutindo a validade das provas obtidas da operação Spoofing”, pois isso
seria discutido futuramente. Mas ambos citaram os diálogos fartamente em
decisões de grande repercussão. Se as conversas dos promotores foram obtidas de
forma ilegal, essa ilegalidade poderia anular a outra (a obtenção dos bancos de
dados da Odebrecht)? Em benefício da defesa de réus, a jurisprudência diz que
sim. Mas, na decisão, Toffoli manda apurar a responsabilidade de agentes
públicos que conduziram o caso. Serão punidos a partir dos diálogos, fruto do
crime de um hacker?
São questões, essas e as demais, sobre as
quais juristas, hoje, já vêm se debruçando e que passarão, amanhã, pelo
escrutínio de historiadores.
Não se discute que o STF tenha muitas vezes
o dever de tomar decisões que contrariam o senso comum. Não se discute também o
dever da Corte de zelar para que decisões de instâncias inferiores respeitem os
marcos legais. Nessa tarefa difícil, o Supremo pode bem ser, como muitos têm
repetido desde que Rui Barbosa proferiu o conceito pela primeira vez, aquele
que erra por último. Mas deve-se evitar que esse ensinamento de Rui tenha de
ser citado com frequência.
Paga quem quer
Folha de S. Paulo
Taxa sindical tem maioria no STF, mas
deve-se facilitar oposição do trabalhador
Um antigo provérbio alemão assevera que o
Diabo mora nos detalhes. É com isso em mente que se deve analisar o julgamento
pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade
da contribuição assistencial para sindicatos.
O juízo ainda não foi concluído, mas a
corte já formou maioria para permitir a cobrança da taxa de trabalhadores não
sindicalizados, desde que seja preservado o direito de oposição, isto é, desde
que os trabalhadores contrários à cobrança dela fiquem isentos.
Dependendo da regulamentação, será possível
haver tanto uma forma razoável de reduzir as perdas pecuniárias dessas
entidades de classe como um retorno sub-reptício do descabido imposto sindical,
que vigorou no Brasil de Getúlio Vargas até 2017.
Todos os trabalhadores, sindicalizados ou
não, eram obrigados a repassar para as entidades o equivalente a um dia de
trabalho por ano.
Em 2017, a reforma trabalhista corretamente
extinguiu essa excrescência. Estima-se que, na vigência do imposto compulsório,
eram movimentados cerca de R$ 4 bilhões anuais. Sem a obrigatoriedade, o
montante caiu para a casa de centenas de milhões.
Desde então,
sindicalistas vêm elaborando planos para reaver a dinheirama. Eles
respondem por nomes como "taxa negocial" e "contribuição
assistencial", que se justificariam pelo serviço prestado aos
trabalhadores, ao negociar reajustes salariais e outros benefícios.
Luiz Marinho, ministro do Trabalho do
governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já aventou a criação, por projeto de
lei, de uma contribuição assistencial obrigatória que poderia chegar ao
equivalente a 3,5 dias de trabalho por ano. Ou seja, o imposto não só voltaria
como seria triplicado.
Em 2017, o STF havia se manifestado pela
inconstitucionalidade da contribuição assistencial, mas o fizera num contexto
em que ainda vigorava o imposto sindical.
Ministros agora entendem que, no atual
contexto, em que não há mais a taxa compulsória, a cobrança se torna
constitucional, desde que fixada em assembleia, que não exceda 1% dos
rendimentos anuais do trabalhador e que o direito de oposição seja preservado.
E aí está o cerne da questão. Se o direito
de oposição puder ser exercido rápida e facilmente, estaremos lidando com um
simples caso de arquitetura de escolhas. Nessa hipótese, a vontade do
trabalhador estaria sendo de fato respeitada.
Mas, se para fazer valer o direito de
oposição for necessário enfrentar algum calvário burocrático, estaremos diante
de uma empulhação. Seria a volta do imposto sindical por outros meios, uma
possibilidade que o Supremo deveria desde já brecar.
Esfinge viral
Folha de S. Paulo
Mundo não sabe como surgiu a Covid-19, o
que o torna vulnerável a novos vírus
O flagelo da Covid-19 se encaminha para o
rol das enfermidades com que a humanidade convive de modo resignado. Infecções
pelo Sars-CoV-2 parecem estar em alta, porém, e não se pode dizer que o mundo
saia bem preparado da pandemia para outras que virão.
Verdade que se desenvolveram vacinas
eficientes em tempo recorde, que derrubaram os óbitos. Ainda assim, entre julho
e agosto deste ano, foram registrados 1,5 milhão de casos novos —um aumento de
40% sobre período anterior, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Já as 2.500 mortes observaram redução de
57%, mas a OMS faz a ressalva de possível subnotificação, porque vários países
passaram a diminuir testagem e comunicação de infecções.
No Brasil, de 27 de agosto a 2 de setembro,
último dado disponível, houve 12.149 novos casos, cerca de mil a menos que na
semana precedente. Somamos 705.172 mortes, 10,1% do total no planeta, parcela
desproporcional para país com 2,5% da população mundial.
O mundo está despreparado para enfrentar
novas pandemias. Aqui, menos
pessoas se vacinam contra Covid. No plano global, ainda se
desconhece a origem do coronavírus e seu trajeto até a espécie humana,
informação que contribuiria para deter vírus semelhantes.
Em 2002, surgira também na China a primeira
pneumonia Sars causada por vírus de morcegos, contida em pouco tempo (menos de
mil mortes). Mas a descoberta do animal intermediário entre morcegos e humanos,
as civetas, se mostrou pouco útil para evitar a Covid.
No caso da pandemia surgida em 2019, nem
isso se sabe. A investigação científica que poderia desvendar o enigma cedo foi
capturada por disputas geopolíticas, polarização ideológica e conflitos de
interesse, como mostra artigo no caderno Ilustríssima desta Folha.
Duas facções se entrincheiraram: uma
defende que o Sars-CoV-2 teve origem zoonótica, natural; outra, que pode ter
escapado de um laboratório. A cidade de Wuhan sedia importante instituto de
virologia da China, que se especializou em coleta, análise e manipulação de
coronavírus em cavernas infestadas de morcegos a 1.300 km dali.
A índole censória e repressiva do governo chinês nada ajudou, para dizer o menos, a decifrar a esfinge da Covid. Sem essa chave, outros coronavírus terão mais chance de alcançar a humanidade e devorar-lhe mais um naco da população.
O dever do STF de respeitar o cidadão
O Estado de S. Paulo
Com revisionismo histórico da prisão de
Lula, Dias Toffoli lança as piores suspeitas sobre o Supremo, como se fosse
órgão instável, parcial e submisso aos ventos políticos do momento
Com sua decisão, Dias Toffoli lança as
piores suspeitas sobre o Supremo.
Diz-se, com inteira razão, que todos os
cidadãos têm de respeitar o Judiciário e cumprir suas decisões. O funcionamento
livre da Justiça é aspecto essencial do Estado Democrático de Direito. Mas
infelizmente, algumas vezes, parece que o Judiciário se esforça para não ser
respeitado, para não ser levado a sério, para ser visto como um órgão político,
submisso às circunstâncias do poder do momento.
Na quarta-feira, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli aproveitou o ensejo de um despacho – no
qual anulou todos os atos da Justiça tomados a partir do acordo de leniência
firmado pela Odebrecht – para fazer um revisionismo histórico. Segundo ele, a
prisão do presidente Lula foi um dos “maiores erros judiciários da história do
País”; “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes
públicos em seu objetivo de conquista do Estado”; “uma verdadeira conspiração
com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele
praticados”; “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às
instituições”.
De fato, a Justiça, depois de um longo vai
e vem, entendeu que o princípio da presunção da inocência impede o início da
execução da pena antes do trânsito em julgado. De fato, a Justiça, depois de
longos anos, entendeu que a 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba não era
competente para julgar os casos envolvendo Lula, anulando as condenações
correlatas.
Mas nada disso obnubila a obviedade mais
cristalina. De uma forma ou de outra, com mais ou menos intensidade, o STF
participou de todos esses atos, tanto os que conduziram Lula à prisão como
aqueles que o tiraram de lá. E igualmente se pode dizer dos atos que retiraram
a elegibilidade de Lula e dos que a devolveram. Se, como disse Toffoli, os
processos contra Lula foram “uma verdadeira conspiração com o objetivo de
colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”, o
STF participou integralmente dessa conspiração.
Não há nenhum problema em que a Justiça
corrija seus erros. Na verdade, é seu dever primário. Mas que o faça em tempo
razoável e, principalmente, de forma honesta, sem politizar os assuntos. No
entanto, quando Dias Toffoli profere uma decisão como a de quarta-feira,
produz-se uma grave inversão. As revisões da Justiça, que deveriam servir para
fortalecer a confiança no Poder Judiciário – explicitando que não há
compromisso com o erro –, perdem seu caráter pedagógico, gerando a impressão
contrária. Para a população, parecem confirmar-se seus piores temores: uma
Justiça parcial e instável, preocupada em estar alinhada com os ventos da
política.
O habeas corpus de Lula foi impetrado no
Supremo em 2018. Se eram tão graves e evidentes os elementos indicando a
parcialidade do juiz, por que houve tanta demora em seu julgamento? No caso da
decisão pela incompetência do foro, o Judiciário tardou sete anos. Toda essa
história é longa e tem muitos aspectos. Mas os fatos não podem ser negados. Por
causa dessa flagrante incompetência da Justiça – no sentido corriqueiro do
termo: a incapacidade de aplicar o Direito em tempo razoável e de forma estável
–, os casos contra Lula prescreveram, os indícios de corrupção reunidos
perderam sua serventia processual e o mérito dos processos nunca foi julgado
por um magistrado competente e imparcial, como deveria ter ocorrido.
As palavras de Dias Toffoli devem servir,
por contraste, de alerta a todo o Judiciário; em especial, ao STF. Respeitem o
cidadão e sua memória. A Justiça tem de ser funcional. Ninguém deseja – não é
isso o que prevê o Estado Democrático de Direito – um Judiciário voluntarista,
instável, histérico ou politizado.
Fala-se que o STF, por ser o órgão de maior
hierarquia do Judiciário, tem o direito de errar por último. A afirmação é um
tanto cínica, a desprestigiar o próprio Supremo. Na verdade, nenhum órgão
estatal tem o direito de errar. De toda forma, tenha ou não esse direito, é
mais que hora de reconhecer que o STF tem abusado da possibilidade de errar.
Por um país menos desigual
O Estado de S. Paulo
Foi lançada a Frente Parlamentar de Combate
às Desigualdades. Tema exige compromisso efetivo de todos, e não mero discurso
demagógico. Irresponsabilidades geram novas desigualdades
Recentemente, o Observatório Brasileiro das
Desigualdades apresentou ao Congresso um diagnóstico da injustiça social do
País, fazendo um chamado por maior empenho do poder público no combate às
disparidades entre os brasileiros. Elaborado a partir da compilação de 42
indicadores econômicos e sociais, o relatório Um retrato das desigualdades no
Brasil hoje identifica parâmetros persistentes, como a distância de renda entre
o topo e a base da pirâmide, e expõe a carência de políticas públicas para
confrontar uma miríade de lacunas que perpetuam gerações de brasileiros na
pobreza.
O parco acesso de pobres, negros, mulheres e habitantes de regiões mais vulneráveis a direitos básicos e a serviços públicos está na base da preservação das disparidades sociais. Duas iniciativas, porém, prometem contribuir para a superação de uma realidade que, historicamente, tem freado o desenvolvimento humano e econômico do Brasil. No último dia 30, foi lançado o Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, por meio do qual mais de 200 organizações da sociedade civil comprometeram-se a pressionar o poder público por medidas mais assertivas. E no Congresso foi instalada a Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades.
A desigualdade pesa historicamente contra
os anseios dos brasileiros por dignidade, oportunidade, prosperidade e
crescimento econômico com justa distribuição de seus benefícios. As omissões e
negligências do poder público a respeito do tema descumprem a Constituição de 1988
que, no artigo 3.º, estabelece, entre os objetivos fundamentais da República, a
erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades
sociais e regionais. Desde a redemocratização, muitas iniciativas de combate às
disparidades foram adotadas. Mas a superação desse abismo social e econômico
entre brasileiros, como evidencia o relatório, exige políticas públicas mais
incisivas e efetivas.
O documento do Observatório retrata as
disparidades em suas dimensões territoriais, raciais e de gênero e em suas
diferentes formas de perpetuação – do acesso a creches e à educação formal à
representação de negros e mulheres nas instâncias públicas decisórias, passando
pela insegurança alimentar e a precariedade de serviços públicos. Mostra,
sobretudo, que o desafio é muito mais amplo do que o comumente vislumbrado.
O texto alerta para a necessária redução da
diferença entre o 0,01% dos brasileiros mais ricos, com riqueza média acumulada
de R$ 151 milhões, e os 7,6 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$
150 a cada mês. A esses dados se agrega o fato de que os 10% mais pobres
recolhem o equivalente a 26,6% de sua renda em tributos, enquanto os mais ricos
pagam 19,2%. A reforma da tributação é indispensável para diminuir essa brutal
disparidade, ressalta o documento, mas não pode ser a única iniciativa.
A população mais pobre é prejudicada pelo
déficit de serviços públicos em todas as etapas de sua vida. Algumas das
evidências são o registro de 31.856 mortes de crianças no primeiro ano de vida
em 2022 – mais de 90 bebês por dia – e a ausência de creches para 69% dos
brasileiros de zero a três anos. Outra diz respeito ao fato de que, entre
homens negros, 41,6% dos óbitos ocorrem por causas que poderiam ser evitadas.
O texto do Observatório reitera o consenso
existente em torno do acesso à educação pela população pobre e negra como
medida essencial para a correção das desigualdades. O fato de 35,7% dos jovens
negros de 15 a 17 anos não frequentarem o ensino médio revela que há muito a
ser feito pelo poder público.
O documento Um retrato das desigualdades no
Brasil hoje não contempla todas as manifestações das disparidades sociais, mas
chama a atenção para muitas delas que ainda carecem de políticas públicas
eficientes e abrangentes e dos necessários investimentos. Não é uma questão de
que existem no País algumas desigualdades. Há muitas e profundas desigualdades,
que impedem muitos brasileiros de exercerem sua cidadania. O Estado Democrático
de Direito tem de valer para todos.
Educação em SP tem de ser referência
O Estado de S. Paulo
Diante dos graves equívocos, não basta trocar nomes. Educação de qualidade exige planejamento competente
Na quarta-feira passada, foi anunciada a
exoneração do coordenador pedagógico da Secretaria Estadual da Educação de São
Paulo, Renato Dias. Segundo o Estadão apurou, sua saída se deve aos erros
encontrados no material didático produzido pelo governo e enviado para as
escolas por meio de slides. Fundador de uma escola particular, Renato Dias era
o número 2 da secretaria.
Os erros eram simplesmente inaceitáveis. Os
slides de PowerPoint que, a princípio, iriam substituir os livros didáticos,
continham erros crassos de História, Geografia, Matemática e Biologia. Por
exemplo: na cidade de São Paulo, de acordo com o material preparado pela equipe
do secretário, haveria praias; a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no País,
fora assinada por dom Pedro II, e não por sua filha, a princesa Isabel. Era
isso o que o governo de São Paulo queria ensinar para as crianças?
Nessa história, dois pontos chamam a
atenção. Tendo em vista os graves equívocos nos últimos nove meses, quem devia
cair – o secretário Renato Feder – não caiu. Sinceramente, não se entende sua
permanência no governo até o momento. Afinal, o problema não se resumiu a erros
nos slides, o que já seria muito preocupante.
O segundo aspecto é ainda mais radical.
Certamente, é preciso trocar quem foi conivente com erros tão graves em área
fundamental para o presente e o futuro da sociedade. E não é mera questão de
falha: os erros expuseram uma visão distorcida da educação, visão esta que,
entre outros absurdos, desprezava os livros didáticos. Mas – e aqui está o ponto
central – não basta trocar o coordenador pedagógico ou mesmo o secretário
estadual de educação. O governo de São Paulo deve à sociedade a apresentação e
a realização de um plano consistente para a educação pública.
Como já dissemos neste espaço, não é preciso
“revolucionar” a educação. Tampouco é necessário inventar a roda. Basta que o
gestor público seja responsável e competente, aplicando as melhores práticas na
área, sem desprezar as evidências e sem desprezar o bom senso.
Por exemplo, o governo de São Paulo tinha
grandes planos para o ensino digital. No entanto, como o
Estadão revelou, a maioria das escolas da
rede estadual nem sequer dispõe da infraestrutura necessária. Poucas são as
salas de aula que têm acesso à internet por meio de Wi-Fi, computadores, TVs e
outros equipamentos necessários para a adoção dessa metodologia pedagógica.
Professores ouvidos pelo jornal disseram que usam seus celulares e pacotes de
dados particulares para conduzir as aulas. Uma situação de precariedade nesse
grau é inaceitável em um Estado como São Paulo.
O governo de São Paulo pode e deve fazer muito mais pela educação pública oferecida às crianças e adolescentes paulistas. É preciso um plano sério e consistente, de curto, médio e longo prazos. Há muitas experiências e muitas entidades sérias às quais o governo estadual pode recorrer. O Estado de São Paulo não pode ficar refém de políticas mal concebidas e mal executadas. Basta de amadorismo e de ignorância.
Credibilidade e liderança
Correio Braziliense
As desigualdades sociais têm se acentuado,
a despeito dos avanços tecnológicos que o mundo vivencia
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
prometeu, em seu discurso na Índia, que, tão logo o Brasil assuma a presidência
do G20, o grupo das nações mais ricas do planeta, em 2024, lançará uma aliança
global contra a fome. A promessa é muito bem-vinda, levando-se em conta que
mais de 700 milhões de pessoas não têm hoje o que comer. As desigualdades
sociais têm se acentuado, a despeito dos avanços tecnológicos que o mundo
vivencia. É fundamental ressaltar, porém, que parte importante desse desastre
humanitário decorre das mudanças climáticas, que vêm atingindo, sobretudo,
mulheres e crianças, os mais vulneráveis.
Lula tem sido uma voz importante não apenas
no combate à miséria, mas também no chamado para que os governos e a sociedade
se engajem, de forma efetiva, na proteção do meio ambiente. Com o Brasil na
presidência do G20, Lula terá uma oportunidade única de liderar esse movimento,
inclusive com o país se posicionando como potência na questão climática. O
líder brasileiro terá, no entanto, que se desgarrar do setor de petróleo e gás,
sabidamente, o principal responsável pelo veloz aquecimento do planeta, cujos
resultados são eventos cada vez mais extremos, como os observados recentemente
no Rio Grande do Sul, em que um ciclone extratropical deixou dezenas de mortos
e um rastro de destruição.
Não é compatível com as falas de um
defensor do meio ambiente, a defesa da exploração de petróleo na Foz do Rio
Amazonas. Por isso, Lula e o Brasil terão de fazer escolhas se não quiserem ver
questionadas suas credibilidade e liderança. Esse posicionamento claro, sem
dubiedade, ganha ainda maior relevância porque o país sediará a COP30 em 2025,
em Belém do Pará. Até lá, todos os signatários do Acordo de Paris, assinado em
2015, terão de apresentar à Organização das Nações Unidas (ONU) o que fizeram
até agora para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável assumidos
até 2030. Em sua declaração conjunta, divulgada no sábado, o G20 reconheceu que
somente 12% das metas foram cumpridas. Pior, em vez de cair, a emissão de gases
de efeito estufa aumentou.
Desde que assumiu, pela terceira vez, a
Presidência da República, Lula tem feito um périplo pelo mundo para recolocar o
Brasil no debate internacional, como um dos atores principais. E não há como
negar que a receptividade em relação ao brasileiro tem sido enorme. Portanto, é
vital que o respeito em relação ao Brasil se transforme em um ativo real para
que bandeiras tão caras, como o combate à fome, o enfrentamento às
desigualdades, a inclusão e o respeito às minorias e a preservação ambiental,
sejam encampadas pelas demais lideranças. O mundo se encontra em uma
encruzilhada, em que os mais pobres são alijados do debate e a democracia,
conquistada a duras penas, é questionada em todos os cantos e não é vista por muitos
como o modelo mais adequado de governo.
O comunicado conjunto do G20 amplifica o
tamanho dos desafios que estão colocados ao mundo. Crises constantes na
economia atrasaram a agenda global de 2030, com aumentos de conflitos, guerras,
inflação, perda de biodiversidade, alagamentos, degradação do solo,
desertificação, fosso cada vez maior entre pobres e riscos, fatores que ameaçam
a vida de todos. O momento não comporta mais discursos, exige ações concretas.
O Brasil, por toda a sua relevância, deve estar na linha de frente do
enfrentamento desses desafios, começando por cumprir o dever de casa, que passa
pela estabilidade econômica e política.
Não há mais tempo a perder. O mundo pede socorro. A qualidade de vida da população em geral está ameaçada e abrir mão, por exemplo, da transição energética será empurrar a todos para o abismo. Ainda é possível fazer a virada em direção ao bom senso. Os últimos alertas da ONU sobre a situação climática são assustadores. Se não houver uma redução de pelo menos 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, países e ilhas desaparecerão. Será o caminho para um futuro devastador.
Um comentário:
Editoriais importantes sobre a decisão de Toffoli por O Globo e O Estado de São Paulo. Mais analítico o primeiro, mais crítico e político o segundo. Mas ambos muito interessantes! Parabéns ao blog por nos mostrar uma visão tão ampla e diversificada da opinião pública brasileira!
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