Valor Econômico
É preciso garantir que os recursos públicos
escassos sejam mais bem utilizados em benefício da população
A influência dos parlamentares sobre os
gastos da União tem crescido desde o início da década passada devido,
basicamente, à fragilidade da base de apoio no Congresso de todos os governos
do período. A aprovação de políticas públicas e de medidas de interesse de cada
governo exigiu, muitas vezes, a contrapartida do aumento do montante de emendas
parlamentares como percentual das despesas discricionárias. Ao mesmo tempo, o
Congresso tem aumentado a parcela dessas emendas com caráter obrigatório e com
monitoramento mais difícil.
Com o fim das emendas do relator (RP9), há, atualmente, três tipos de emendas parlamentares no orçamento federal: individuais (RP6), de bancada (RP7) e de comissão (RP8). As emendas individuais são as de maior vulto - dotação de R$ 21,3 bilhões em 2023, sendo dependentes apenas da decisão dos parlamentares. Em relação às emendas de bancada, os congressistas de cada Estado organizam reuniões, em geral em outubro e novembro, para a escolha das propostas, que obtiveram dotação de R$ 7,7 bilhões neste ano. Do mesmo modo, as emendas de comissão, com dotação de R$ 7,6 bilhões em 2023, são escolhidas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado e pelas mesas diretoras das duas Casas.
O empenho de recursos das emendas
parlamentares é burocrático e pode demorar anos, pois requer, em geral,
detalhamento dos projetos por parte de beneficiários com pouca capacidade
técnica. A demora na liberação de recursos estimula a preferência dos congressistas
pelas emendas PIX, cuja destinação de recursos para os cofres estaduais e
municipais é mais rápida, menos burocrática e sem grandes restrições sobre sua
alocação. Todavia, a transparência dessas emendas, que respondem por 25% das
liberações neste ano, é baixa, em parte pela impossibilidade de comprovação
sobre sua destinação. Quase 25% dos recursos empenhados pelas emendas PIX
destina-se a cidades com menos de 20 mil habitantes - correspondente a menos de
10% da população do país, cujas prefeituras não têm estrutura nem interesse em
detalhar o uso dos recursos. Esse perfil reduz, porém, a capacidade do
congressista de capturar os benefícios dos seus esforços de direcionamento de
recursos para sua região e seus temas de interesse.
A parcela declinante das despesas de livre
empenho e as enormes deficiências do país em termos de infraestrutura reforçam
a urgência de uma alocação mais eficiente das emendas parlamentares, ainda mais
quando os políticos buscam aumentar o montante dessas emendas e discutem a
possível introdução de emendas de liderança no orçamento de 2024.
Isso é ainda mais premente quando,
independentemente do seu maior conhecimento sobre as demandas dos eleitores,
parte relevante dos recursos direcionados pelos parlamentares tem baixa
efetividade, pois responde muito mais a demandas localizadas nem sempre
precedidas de estudos sobre a real necessidade dos municípios. São conhecidos,
por exemplo, o sobrepreço em uma parte relevante de projetos, bem como a
excessiva concentração de caminhões de lixo com pouquíssimo uso em algumas
cidades e de dezenas de caixas d’água não utilizadas em outras localidades.
O TCU já apontou que o monitoramento das
emendas parlamentares não é sua função - a responsabilidade do órgão é a
análise das contas do governo, a fiscalização de projetos e programas e a
fiscalização de obras públicas. Apesar de o TCU ter determinado que acompanhar
essas emendas é um encargo dos tribunais de contas dos entes regionais, a
maioria desses órgãos não têm capacidade para isso nem clareza sobre a forma de
implementação dessa atuação.
Assim, o Congresso precisa instituir uma
estrutura formal para análise das emendas parlamentares antes de sua inclusão
no orçamento anual, visando a avaliação, junto com as equipes dos
congressistas, dos objetivos e da necessidade efetiva dos recursos de cada
proposta. Antes do empenho dos recursos, a estrutura instituída poderia
desenvolver, com apoio do Executivo e dos parlamentares, análise mais
pormenorizada sobre público-alvo, custos e benefícios pretendidos. Isso
contribuiria para acelerar o empenho dos recursos, reduzindo a vantagem das
emendas PIX. Por fim, seria importante haver um acompanhamento dos impactos
sociais dos projetos para a formação de uma memória sobre seus custos e
benefícios de forma a dar suporte aos parlamentares para o direcionamento de
novos recursos, inclusive para outras regiões.
Uma abordagem alternativa seria a definição
pelo Congresso de que, além da destinação obrigatória de parte dos recursos
para a saúde, as emendas parlamentares precisariam ser alocadas em ações de
programas existentes ou a serem criados pela União ou por entes regionais.
Assim, seria possível melhorar o acompanhamento das iniciativas e da
necessidade de empenho adicional de recursos - documento do TCU sugere que
parte das iniciativas apoiadas por emendas parlamentares não é concluída. Essa
sistemática daria maior segurança sobre o bom uso dos recursos públicos,
fortaleceria o processo de escolha de prioridades e estimularia a consulta
popular.
A maior transparência nas emendas
parlamentares não teria o papel apenas de conter a reincidência de malfeitos. O
principal objetivo seria o de estimular a reflexão dos congressistas e da
sociedade sobre a real importância das emendas, em particular as individuais,
bem como promover uma análise mais acurada das demandas por recursos, de forma
a garantir que os recursos públicos escassos seriam mais bem utilizados em
benefício da população. Não se trata, portanto, de uma interferência no
trabalho dos congressistas e, muito menos, um questionamento sobre suas
prioridades, em geral coletadas junto à sociedade e aos seus representantes
locais.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia,
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