CNJ revela disposição para aperfeiçoar Justiça
O Globo
Criação de exame para juiz e punição ágil a
magistrado que errou são passos na direção correta
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
ministro Luís Roberto Barroso, anunciou na terça-feira a criação do Exame
Nacional da Magistratura. Só depois de aprovados nesse teste os interessados
poderão se inscrever em concursos públicos aos cargos de juiz, aqueles não
sujeitos a indicações políticas. As diretrizes do exame serão coordenadas pelo
CNJ. A ação foi pensada para diminuir suspeitas de favorecimento de candidatos
ligados à cúpula dos tribunais.
A criação do exame não tirará autonomia dos tribunais para organizar seus concursos. Não se trata de uma intervenção. O objetivo é fazer uma prova rigorosa, em escala nacional, que funcione como uma peneira. Uma comissão será formada para definir as diretrizes do teste até novembro. Embora falte determinar quando entrará em vigor, a inovação deverá ser um dos legados de Barroso à frente do Supremo e do CNJ. O exame poderá se tornar um instrumento eficaz para elevar a confiança na Justiça e revela disposição de corrigir as deficiências do Judiciário.
Essa mesma disposição ficou clara também na
terça-feira, quando o CNJ decidiu, por unanimidade, afastar o desembargador
Luiz Fernando Lima, do Tribunal de Justiça da Bahia. Em plantão judicial no fim
de setembro, Lima concedera prisão domiciliar a um dos fundadores da principal
facção do narcotráfico no estado. Condenado a mais de 15 anos de prisão por
crimes como tráfico de drogas, associação para tráfico e organização criminosa,
o criminoso fora capturado pela Polícia Rodoviária Federal no início de
setembro em Pernambuco. Não ficou nem um mês numa prisão de segurança máxima.
Como plantonista, Lima recebeu pedido de
prisão domiciliar alegando que o criminoso tem um filho portador do transtorno
do espectro autista, “dependente da figura paterna”. Antes do final do plantão,
mandou soltá-lo. Quando outro juiz revogou a decisão horas mais tarde, o
criminoso já estava foragido. Depois de solto, não mais foi visto. Na semana
anterior, em caso semelhante, Lima se negara a analisar o tema por ser
plantonista. Agora afastado, ele precisará ser investigado. O CNJ demonstrou
agilidade e severidade em doses adequadas.
Além de implementar o exame nacional e de
aplicar punições mais rápidas a magistrados, o CNJ planeja também investir na
agilidade da Justiça. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) cedeu uma sobra
orçamentária de R$ 28 milhões, dinheiro que deverá ser usado em programas de
tecnologia da informação. Barroso manteve reuniões com representantes de
empresas como Amazon, Microsoft e Google para
explorar as possibilidades de uso da inteligência artificial para agilizar o
sistema judicial. Softwares poderiam resumir os principais pontos de um
processo, decisões, recursos etc.
Embora essas e outras ferramentas ainda
precisem ser testadas, é positivo que o CNJ busque maior eficiência. O
Judiciário brasileiro é o mais caro do mundo e entrega proporcionalmente pouco
para a sociedade. Consome 1,3% do Produto Interno Bruto, nível de gasto só
comparável ao da Suíça, e demora muito além do razoável para examinar ações e
tomar decisões. Barroso parece estar ciente dos desafios e, desde antes de sua
posse na presidência do STF, se diz disposto a tentar resolver as questões. Os
primeiros passos que tem dado vão na direção correta.
Eleição polonesa mostra que populismo autocrático pode ser derrotado
na urna
O Globo
Vitória de Donald Tusk põe fim a oito anos de
comando do partido Lei e Justiça e traz esperança à Europa
A eleição polonesa no último domingo foi um
sinal de alívio na maré antidemocrática que varre o planeta e, na Europa,
obteve vitórias recentes na Turquia,
na Hungria e
em eleições regionais alemãs. Na Polônia, saiu vitoriosa a coalizão formada a
partir da Plataforma Cívica, partido de Donald Tusk, um liberal de
centro-direita que já foi presidente do Conselho Europeu e primeiro-ministro do
país. Apesar de ter obtido menos votos que o governista Lei e Justiça
(conhecido pela sigla em polonês PiS), a legenda de Tusk construiu uma rede de
alianças que lhe garantirá 248 das 460 cadeiras na Sejm, a Câmara baixa, e 66
das cem cadeiras no Senado. Com isso, tirará do poder os nacional-populistas do
PiS.
Não foi tarefa fácil desalojar o PiS. Em oito
anos de governo, o partido seguiu à risca a cartilha das autocracias
populistas. Aparelhou instituições como o Judiciário, promoveu controle da
imprensa, transformou emissoras de radiodifusão em veículos de propaganda do
governo, usou as estatais e cada posto na máquina pública como reservas de
emprego para aliados. Na agenda política, limitou o direito ao aborto e impôs restrições
à comunidade LGBTQIA+, além de se aliar a outros regimes de caráter
autocrático, como a Hungria de Viktor Orbán, nas políticas anti-imigração na
União Europeia. Na guerra, apesar de ter recebido refugiados ucranianos e
apoiado o combate à Rússia, tomou medidas prejudiciais à Ucrânia, proibindo
importação de grãos do vizinho.
A eleição de domingo era considerada a mais
importante dos últimos 30 anos. As autoridades do PiS tentaram manipular o
resultado ampliando postos de votação no interior conservador sem garantir
proporcionalidade aos distritos eleitorais liberais das cidades. A manobra não
deu certo. A mobilização da sociedade civil levou às urnas eleitores jovens
urbanos, de alto nível educacional, e os habitantes da parcela ocidental do
país, mais industrializada, que mantêm laços mais estreitos com a Europa. O
comparecimento recorde deu vitória a Tusk.
Uma vez no governo, ele terá desafios
consideráveis. Primeiro, o presidente, Andrzej Duda, cujo mandato só termina em
2025, é oriundo do PiS e tem o poder de vetar legislação aprovada no Parlamento
(para anular vetos, seria preciso Tusk controlar três quintos da Sejm).
Segundo, o PiS controla os 15 juízes do Tribunal Constitucional, que julga a
constitucionalidade das leis. Finalmente, Tusk terá de lidar com uma coalizão
partidária que abrange toda sorte de ideologia, da extrema esquerda comunista à
direita liberal. Uma missão desafiadora.
Para o continente e para o planeta, o recado
mais importante é outro. Foi dado com todas as letras pela historiadora
americana Anne Applebaum em artigo na revista The Atlantic: “Mesmo que você não
viva na Polônia, não se preocupe com ela, nem consiga encontrá-la no mapa,
anote: a vitória da oposição polonesa prova que é possível derrotar o populismo
autocrático, ainda que em eleições manipuladas. Nada há de inevitável na
ascensão da autocracia e no declínio da democracia”.
Cenário externo pode mudar ritmo de queda dos
juros
Valor Econômico
Se nada de pior acontecer, o dólar pode se acomodar na casa dos R$ 5 e inflação e juros seguirão em queda
A instabilidade no cenário externo - primeiro
com as altas sucessivas dos títulos de longo prazo nos Estados Unidos e,
depois, com a guerra após os atentados terroristas do Hamas contra Israel, que
impulsiona a alta das cotações do petróleo - mexeu com as taxas de juros
domésticas, que exibem tendência de alta. Esse ambiente criou dúvida sobre a
conveniência de o Banco Central manter o ritmo de cortes da Selic em 0,5 ponto
percentual. O cenário doméstico, no entanto, é favorável a mais cortes da mesma
magnitude no curto prazo, à medida que a perspectiva para a inflação melhora. A
ponto de que o que era praticamente descartado - o IPCA dentro do intervalo de
variação da meta, cujo teto é de 4,75% - ser agora a estimativa do boletim
Focus para a variação final dos preços no ano.
Uma variável chave para os preços internos, e
os globais também, é o comportamento dos preços do petróleo, que subiram no
último mês. Ainda que a Petrobras tenha mudado o tempo do repasse das cotações
externas nas bombas, o IPCA tem sido movido ao sabor dos preços dos
combustíveis. No ano até setembro, a inflação subiu 3,5%, enquanto o sub item
transportes, que pesa 20% na composição do índice, aumentou 5,97%. Sob outro
prisma, os preços monitorados, que incluem combustíveis, aumentaram 10,21% nos
primeiros nove meses do ano, enquanto alimentos e artigos para residências
apresentam deflação.
A inflação mais resistente, a dos serviços,
está cedendo. No ano, evoluiu 5,54%, e a média móvel dos serviços subjacentes,
mais afetados pelo ciclo econômico, caiu de 4,1% para 3,5% nos 12 meses
encerrados em setembro. Já a média dos cinco núcleos de inflação considerados
pelo BC recuou no mês passado de 5,22% para 5,01%, segundo cálculos da MCM
Consultoria. A inflação está também menos espalhada - o índice de difusão, que
mede a proporção de preços em alta em relação ao total dos itens, foi de 42,7%,
o menor em seis anos.
Os juros muito altos não derrubaram
rapidamente a inflação em direção à meta porque a economia, apoiada em
estímulos fiscais, na renda e no aumento do emprego, cresceu muito acima da
expectativa dos analistas mais otimistas. Após vários trimestres frustrando
vaticínios de uma desaceleração que, na verdade, era aceleração do crescimento,
a economia pode de fato estar agora reduzindo seu ritmo.
Dados pontuais como os de setembro não formam
uma tendência, mas a perda de fôlego do setor de serviços em setembro foi bem
maior do que a esperada pela média dos economistas consultados pelo Valor.
Ele recuou 0,9% em setembro e está 1,9% abaixo do nível de dezembro de 2022. Os
serviços compõem dois terços do PIB e, como último ramo da economia a se livrar
do peso da pandemia, apresentavam até há pouco grande dinamismo. O recuo dos
preços é outro sinal simultâneo de arrefecimento das atividades.
Os serviços prestados às famílias, que
dependem diretamente da evolução da renda, foram um dos que mais recuaram no
mês (-3,7%), mas não os únicos - transportes em todas as modalidades, incluindo
cargas, e armazenamento e serviços auxiliares de transportes e correio (- 5,5%)
seguiram o mesmo caminho. A média móvel trimestral encerrada em agosto mostra
estagnação (-0,1%).
Um outro subsetor de serviços nas contas
nacionais, o comércio (participação de 16%) teve variação negativa tanto na
classificação restrita (-0,2%) quanto na ampla, que contempla veículos, motos e
material de construção (-1,3%). A média móvel trimestral foi de 0,2% para o
primeiro e de -0,1% para o segundo, ambas indicando baixo dinamismo. O quadro
da possível desaceleração se completa com os altos e baixos da indústria (0,4%
em agosto) ao longo do ano, no qual apresenta desempenho negativo de 0,3%.
Assim, pelo lado da oferta, só a agricultura poderia evitar um comportamento
retraído da economia, mas seu desempenho usual no PIB dos terceiro e quarto
trimestres do ano tende a ser muito comedido.
A moderação das atividades favorece a queda
da inflação e dos juros, mas o cenário externo apresentou nuvens carregadas no
segundo semestre, ao contrário do primeiro, quando o real se valorizou um
pouco. A alta dos juros nos EUA está perto do fim e a elevação dos rendimentos
dos títulos de longo prazo pode, pelo aperto das condições financeiras,
dissuadir o Federal Reserve de fazer mais uma correção, a última, de 0,25 ponto
percentual. Não há motivos para que os juros dos papéis do Tesouro americano se
elevem muito mais do que já o fizeram, embora devam permanecer em níveis
próximos dos atuais por mais tempo. Se o canal dos juros afeta o Brasil via
ingresso de recursos, o preço do petróleo pode ser um complicador de primeira
ordem. A commodity pode subir muito, se o conflito entre Israel e Hamas se
internacionalizar.
Nada pode ser descartado em um ambiente tão explosivo, mas na última década nenhum país árabe se dispôs a enfrentar o poderio bélico israelense para defender a causa palestina. Se nada de pior acontecer, o dólar pode se acomodar na casa dos R$ 5, como prevê o Focus, e inflação e juros seguirão em queda. Essa boa perspectiva depende agora mais do cenário global do que do doméstico, relativamente bem encaminhado, com exceção da questão fiscal.
Gambito do ministro
Folha de S. Paulo
Flávio Dino deixa na mesa opção equivocada de
usar militares na segurança do RJ
Certa vez, perguntaram a um exímio enxadrista
quantos lances à frente ele enxergava durante uma partida. "Somente um,
mas sempre o melhor", ele teria respondido. A boutade, que já foi
atribuída a mais de um jogador, serve de alerta para o ministro Flávio Dino
(Justiça), às voltas com o grave problema da violência no Rio de Janeiro.
Ao discorrer sobre ações do governo federal
para reforçar a segurança fluminense, Dino afirmou que diversas possibilidades
têm sido estudadas, sem que se
descartasse o uso de militares no policiamento ostensivo.
Talvez para demonstrar cautela e ponderação,
o ministro acrescentou uma nota biográfica: "Quando era bem jovem, eu
jogava xadrez. A cada jogada, você pensa em dez na frente. Nossa equipe, que
são especialistas em segurança pública, define o próximo passo".
É sempre bem-vinda a análise cuidadosa das
opções disponíveis no tabuleiro, e a ninguém ocorreria cobrar do ministro que,
tal qual aquele exímio enxadrista, enxergasse somente a melhor.
Daí não decorre, contudo, que todos os
movimentos mereçam alguma consideração; há muito se sabe que seletividade é a
chave para os grandes mestres do xadrez, e o mesmo se diga sobre qualquer
processo de tomada de decisão.
Não faz sentido gastar tempo alimentando
ideias ruins, como é o caso
do uso das Forças Armadas no contexto urbano. Ainda que possam ser
chamadas, de forma pontual, para ajudar em situações emergenciais, seu emprego
recorrente importa perigos de monta para o conjunto da população.
O mais óbvio é o risco de a caserna sair
contaminada depois do contato com o crime organizado. Como o Rio de Janeiro não
se cansa de relembrar dia após dia, a cooptação de agentes de segurança constitui
triste e antiga realidade.
Há, além disso, ameaças imediatas decorrentes
da falta de preparo dos militares para esse tipo de atuação. Entre os inúmeros
exemplos trágicos, recorde-se a morte brutal do músico Evaldo Rosa dos Santos
em 2019, quando seu carro foi cravejado por 257 tiros disparados por membros do
Exército.
De quebra, os últimos anos ensinaram com
eloquência que as Forças Armadas têm limites muito claros: quando se distanciam
de sua função precípua, a defesa nacional, dão ensejo aos mais diversos tipos
de desgaste institucional.
Os governos de Michel Temer (MDB) e Jair
Bolsonaro (PL) recorreram a militares sempre que não souberam como lidar com a
segurança pública. É estranho que Dino cogite fazer o mesmo —a menos que,
olhando dez jogadas à frente, esteja pensando somente em se aproximar de
parcelas conservadoras do eleitorado.
Anistia controversa
Folha de S. Paulo
Projeto de Tarcísio que perdoa multas da
Covid premia infratores como Bolsonaro
É nebuloso o interesse público do projeto do
governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) para perdoar multas aplicadas na pandemia de
Covid-19, ora aprovado pela Assembleia
Legislativa de São Paulo —e
não apenas porque um dos
principais beneficiados é Jair Bolsonaro (PL),
padrinho político do titular do Bandeirantes.
A medida foi inserida em uma proposta mais
ampla para facilitar a cobrança da divida ativa de São Paulo —esta foi aprovada
sem controvérsias. Já a anistia, votada à parte e sob protesto da oposição,
passou com aperto: apenas 4 votos além dos 48 necessários para que a sessão
tivesse quórum.
Para o Executivo, a politização eclipsou a
discussão técnica. Adotada por decreto do governo João Doria (PSDB),
a cobrança de multa deveria ter caráter educativo, não arrecadatório. Outro
ponto seria a burocracia: seriam mais de 10 mil autuações pendentes, e a
Secretaria da Saúde não estaria dando conta desse volume, fora o alto custo
para processá-lo.
Em maio de 2020, Doria estipulou que as
multas começavam em R$ 276, para uma pessoa sem máscara na rua, e poderia
alcançar, em situações mais extremas, R$ 276 mil, aí incluídas festas
clandestinas, estabelecimentos comerciais e demais aglomerações.
É legítimo questionar a desproporcionalidade
de tais valores ante a gravidade dos delitos, como fez esta Folha à
época. Uma soma simbólica seria mais adequada para os casos mais simples.
Trata-se, agora, de uma receita considerável
de R$ 72 milhões, e parte dessa arrecadação será desprezada pelos cofres do
governo.
Decerto também é injusto que o perdão vá
contemplar apenas os inadimplentes, em detrimento dos que já arcaram com as
quantias. O poder público, ademais, esvazia o que foi concebido como uma
providência em prol da coletividade.
Quanto a Bolsonaro, seu negacionismo da crise
sanitária o levou à condição de infrator contumaz, somando cerca de R$ 1,1
milhão em multas por não usar máscaras e provocar aglomerações, como nas
famigeradas motociatas.
O beneplácito também favorece em R$ 136 mil o
deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PL-SP), um dos filhos do ex-presidente.
A pandemia vitimou 700 mil brasileiros —dos quais cerca de 180 mil viviam em São Paulo. As chagas do morticínio ainda estão expostas; superá-las exige responsabilidade de governantes e legisladores.
A diplomacia em campo minado
O Estado de S. Paulo
No momento em que Biden tentava dialogar com
árabes, um incidente mal explicado num hospital de Gaza é explorado pelos
inimigos da paz para sabotar o esforço diplomático
A visita de Joe Biden a Israel, incomum para
um presidente americano em uma zona de guerra, desperta esperanças na
diplomacia. Mas o cancelamento do seu encontro com o presidente do Egito, Abdel
Fattah al-Sissi, o rei Abdullah da Jordânia e o líder da Autoridade Palestina,
Mahmoud Abbas, logo após a notícia da explosão de um hospital em Gaza, mostra o
quão estreita é a corda bamba em que a diplomacia dá seus passos no Oriente
Médio e o quão fácil é tensioná-la e até rompêla, mandando as esperanças pelos
ares.
Os desafios de Biden expõem a volatilidade da
situação: apoiar a defesa de Israel e proteger os civis de Gaza; combater o
Hamas e buscar alternativas para um Estado palestino; engajar os países árabes
e respeitar sua preocupação com os palestinos; dissuadir o Irã sem provocá-lo.
Publicamente, o objetivo primordial da visita
foi mostrar solidariedade irrestrita a Israel e apoiá-lo em seu esforço por
erradicar o Hamas. Isso não é incompatível com a compaixão pelos palestinos.
Dias antes, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou junto ao premiê
Benjamin Netanyahu: “Nós, as democracias, nos distinguimos dos terroristas por
lutar com padrões diferentes – mesmo quando é difícil – e prestar contas quando
falhamos. Nossa humanidade – o valor que damos à vida e à dignidade humana –
faz de nós o que somos”. Após as atrocidades sofridas por Israel, manter-se nos
padrões morais e legais é de fato difícil. Mas fazê-lo é não só questão de
princípio, como de interesse, e seus aliados podem ajudá-lo, em meio ao pânico
e à cólera, a combater com sabedoria.
Privadamente, é plausível que Biden tenha
conversado sobre a necessidade de autocontenção e as estratégias de Israel, não
só militares, mas políticas, para impedir a deflagração de conflitos regionais
e encaminhar o destino de Gaza após a obliteração do Hamas. Mais imediata é a
necessidade de prover corredores humanitários e suprimentos aos civis em Gaza.
Tem havido conversas também com o Egito. Mas
o país se recusa a receber refugiados, com medo de que sejam abandonados lá
sine die. Aliados podem ajudar arquitetando garantias de que isso não
acontecerá.
Na semana passada, Blinken fez uma rodada de
visitas a aliados de países árabes, cujas ruas estão tomadas por multidões
enfurecidas contra Israel, mas seus líderes observam em silêncio.
Comparativamente, é um avanço. Até 2020, só Egito e Jordânia tinham laços
diplomáticos com Israel. Depois dos Acordos de Abraão, somaram-se mais cinco,
com a perspectiva da normalização com outros, incluindo a Arábia Saudita.
Publicamente, as negociações estão congeladas. Mas, privadamente, os diplomatas
precisam envidar esforços para mantê-las nos trilhos. São países que têm um
inimigo comum com Israel, o Irã, e ojeriza a milícias apoiadas por ele, como o
Hamas e o Hezbollah.
Mas, como costuma acontecer no Oriente Médio,
no momento em que uma janela se abria à diplomacia, ela foi atingida
literalmente por uma bomba. Notícias de Gaza de um hospital supostamente
pulverizado por Israel correram o mundo. Os israelenses apresentaram indícios
consistentes de que pode ter sido um acidente de um foguete disparado pela
Jihad Islâmica palestina. Seja qual for a versão correta dos fatos, o estrago
estava feito. Conversas diplomáticas foram sustadas, enquanto representantes
árabes na ONU protestaram contra os “crimes de guerra” de Israel – ainda que
sigam silentes sobre os reféns mantidos pelo Hamas.
O incidente serve de advertência. Se a
verdade é a primeira vítima da guerra, o primeiro dever de quem a busca é se
acautelar contra seus algozes. É preciso lembrar que quaisquer informações de
“agências oficiais” ou “ministérios” de Gaza vêm de agências e ministérios
comandados por terroristas. Podem até ser verdadeiras, mas é preciso um grau
extra de ceticismo ao acolhê-las – especialmente se favorecem os agentes do
caos, como o Hamas ou o Irã.
Se Israel cometer crimes de guerra, é justo
que pague. Mas, para que a justiça seja feita e os esforços pela paz não sejam
implodidos, a imprensa, as mídias sociais e as autoridades também precisam
exercer seu dever de autocontenção.
Plantão judiciário a favor do crime
O Estado de S. Paulo
O CNJ deve ser implacável com o exercício da
magistratura em conluio com o crime. Caso no tribunal da Bahia é um escândalo,
que destrói a autoridade e a imagem do Judiciário
Na terça-feira passada, o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) afastou um desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia que
se serviu do plantão judiciário de um domingo para conceder prisão domiciliar a
um dos líderes e fundadores da maior facção criminosa do Estado, a Bonde do
Maluco. Condenado a mais de 15 anos de prisão, pelos crimes de organização
criminosa, associação com o tráfico de drogas, homicídio e tortura, Ednaldo
Freire Ferreira, conhecido como Dadá, cumpria pena em um presídio de segurança
máxima em Pernambuco.
A história é um escândalo. No sábado à noite,
dia 30/9, a defesa de Dadá pediu a concessão do regime domiciliar alegando que
ele precisava cuidar de um filho menor de idade com “transtorno do espectro de
autismo nível 3”. Horas depois, na madrugada de domingo, o desembargador Luiz
Fernando Lima considerou adequado e justificado o pedido e concedeu a prisão
domiciliar a Dadá, em razão de o filho ser “completamente dependente da figura
paterna”.
A decisão do desembargador plantonista foi
revogada horas depois – era um evidente absurdo –, mas o criminoso já havia
sido liberado do presídio e não foi mais encontrado. Como era óbvio, Dadá não
está cuidando do filho. Está foragido da Justiça.
O afastamento do desembargador foi
determinado pelo CNJ antes mesmo da instauração do processo administrativo
disciplinar, que agora vai apurar a conduta do magistrado que, “sem as cautelas
mínimas, em aparente contrariedade às normas que pautam as hipóteses de plantão
judiciário e o princípio do juiz natural, concede prisão domiciliar a preso de
alta periculosidade”. O art. 15 da Resolução CNJ n.º 135/2011 autoriza o
afastamento cautelar, “assegurado o subsídio integral”. Segundo o corregedor
nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, há vários elementos que
comprovam a atuação diferenciada e injustificada do magistrado em favor do
criminoso Dadá, com graves danos à segurança pública.
“A conduta do magistrado, segundo apurado até
aqui, maculou de forma grave a imagem do Poder Judiciário, com evidente perda
da confiança dos jurisdicionados na sua atuação. Necessário, assim, seu
afastamento cautelar imediato”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão.
O uso de plantão judiciário para soltar um
réu condenado representa um escárnio com a sociedade, com o Direito e com o
próprio sistema de Justiça – que, no caso, havia conseguido atuar corretamente,
prendendo o líder da facção criminosa. Os efeitos dessa manobra vão muito além
dos graves e inegáveis danos à segurança pública.
A imagem de todo o Judiciário fica maculada
quando a sociedade vê um desembargador atuando, na prática, em favor de um
integrante de uma organização criminosa. Essa conduta escancarada suscita
também questionamentos sobre a percepção de impunidade dentro do próprio
sistema de Justiça – o que não é especialmente abonador para a autoridade da
Justiça perante a população.
Fez bem em agir prontamente o CNJ, mas não
basta o afastamento do magistrado. É preciso concluir o processo
administrativo, aplicando de forma rigorosa as penalidades e as demais
consequências previstas na lei. Além disso, é necessário rever as regras do
plantão judiciário, de forma a impedir – ou, ao menos, reduzir drasticamente –
esse tipo de manobra. A sociedade não pode ficar refém de um magistrado que não
honra seus deveres no cargo. O sistema de Justiça não pode ficar refém de um
desembargador indiferente aos limites da lei e da ética, pondo a perder todo um
trabalho de investigação e de julgamento.
O caso da Bahia exige punição exemplar. O
resultado do procedimento administrativo no CNJ não pode ser apenas, como
ocorre muitas vezes, a aposentadoria compulsória com salário integral. Isso é
prêmio, não pena.
Nessa história, há ainda um efeito colateral
muito ruim. Desmoraliza-se o instituto da prisão domiciliar, que pode ser extremamente
eficiente e funcional, desde que cumpridas as condições legais. Dadá tinha de
estar num presídio de segurança máxima. Mas há muitos casos em que a prisão
domiciliar faz todo o sentido.
Inflação de volta à meta
O Estado de S. Paulo
Projeção de inflação sob controle em 2023 não
é aval para afrouxamento dos juros
Depois da surpresa positiva da inflação de
setembro, que subiu bem menos do que o esperado, pela primeira vez neste ano as
projeções do mercado financeiro apontam para uma inflação dentro da meta em
2023. O Boletim Focus do Banco Central (BC), uma ponderação das previsões de
cerca de 140 bancos, gestoras de recursos e consultorias, trouxe nesta semana a
expectativa de 4,75% para o IPCA, índice oficial de inflação. É exatamente o
teto da meta, fixada em 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima
ou para baixo.
É uma perspectiva animadora. Afinal, a última
vez que os cálculos do mercado financeiro convergiram para o intervalo da meta
foi em meados de 2020, último ano em que o IPCA, com alta de 4,52%, ficou
efetivamente dentro do limite imposto pelo Conselho Monetário Nacional. Mas
ainda não passa disso: uma tendência que, evidentemente, pode mudar em algum
dos dez boletins semanais previstos até o fim de 2023.
O bom senso indica que não é suficiente para
aliviar as medidas que têm ajudado a manter a taxa sob controle. O próprio
mercado entende dessa forma, já que, no mesmo relatório, as estimativas para a
taxa básica de juros permanecem em 11,75%. Ou seja, com queda prevista de 0,5
ponto porcentual da Selic em cada uma das duas reuniões do Comitê de Política
Monetária (Copom) ainda neste ano, avaliação que coincide com as mensagens
expostas pelo BC nos comunicados das reuniões do Copom.
São bons os sinais de transparência e
previsibilidade que têm orientado a comunicação entre o Banco Central e o
mercado. Seria prudente o Palácio do Planalto captar essas mensagens ao invés
de demonizar a política de juros, atribuindo exclusivamente a ela o fraco
desempenho econômico do País. Uma inflação sob controle em 2023 – caso se
concretizem as previsões – será um ótimo começo para 2024, este sim um ano mais
desafiador, movido pelas consequências econômicas da tensão geopolítica externa
e, internamente, sem a certeza de que a extraordinária potência do agronegócio
se repetirá.
Ainda não é possível cravar que o País
acertou a mão no controle inflacionário. Em 2021, o estouro de 10,06% deixou a
inflação bem distante do teto tolerado, de 5,25%; em 2022, apesar dos esforços
e até manobras para controlar a taxa em ano eleitoral – como a desoneração dos
impostos federais sobre os combustíveis –, o IPCA terminou em 5,79%, quando o
centro da meta era 3,5% e o teto, 5%.
Nesses dois últimos anos, o Banco Central foi
obrigado a cumprir a praxe de escrever uma carta ao Ministério da Fazenda
explicando os motivos de não ter conseguido manter a inflação dentro da meta.
Desde que o sistema de metas foi implementado, em 1999, por sete vezes teve de
cumprir a exigência. Neste ano, ao que tudo indica, o BC ficará livre do
constrangimento de ter de justificar o não cumprimento de sua função básica e
prioritária, apesar do cenário internacional adverso.
É apenas um começo. Para 2024 e 2025, com o centro da meta em 3%, a política monetária tende a ser mais austera. Mas a tarefa será facilitada caso as reformas estruturais avancem e melhorem a avaliação do Brasil.
Sempre há caminho para a paz. É preciso
querer
Correio Braziliense
Os líderes das nações mais ricas e desenvolvidas sabem da fragilidade desses intervalos de trégua, em que os ânimos entre palestinos e israelenses estão amainados e não os aproveitam para construir a paz entre os dois povos.
O Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU), nesta quarta-feira, rejeitou a proposta brasileira de
resolução para o conflito entre Israel e Hamas, organização nacionalista e
islamista que surgiu na Faixa da Gaza nos anos 1980 e, hoje, é autoridade na
Palestina. Aprovada por 12 dos 15 membros do conselho, a proposição brasileira
foi vetada pelos Estados Unidos, sob o argumento que não citava o direito à
autodefesa por Israel ante a ofensiva de seus adversários.
Em 7 de outubro, o mundo ficou perplexo com o
ataque do Hamas contra Israel. Centenas de corpos de civis israelenses estavam
espalhados nas ruas da cidade de Sderot, a 500 metros da Faixa de Gaza. Mais de
100 pessoas foram sequestradas e tornadas reféns pelo grupo armado. Israel revidou
a agressão terrorista. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em
declaração pública, anunciou a guerra e prometeu acabar com o Hamas. A mesma
promessa fez o grupo inimigo de Israel. Desde então, foram registradas mais de
3 mil mortes nos últimos 12 dias. Uma guerra que não poupa crianças — mais de
500 teriam sido abatidas—, mulheres, idosos e estrangeiros
Na terça-feira, o Hospital Batista Al-Ahli,
na cidade de Gaza, foi alvo de um bombardeio. Estima-se que cerca de 500
pessoas morreram, entre pacientes internados e civis que se abrigavam no
prédio. A tragédia foi repudiada pela maioria dos países. O Hamas
responsabilizou a força aérea israelense de ter lançado mísseis contra o
hospital. Israel atribuiu o ataque à facção terrorista Jihad Islâmica. O
presidente norte-americano, Joe Biden, também defendeu Israel.
As atrocidades de lado a lado ocorrem há mais
de 70 anos, com breves e pífios armistícios. Os líderes das nações mais ricas e
desenvolvidas sabem da fragilidade desses intervalos de trégua, em que os
ânimos entre palestinos e israelenses estão amainados e não os aproveitam para
construir a paz entre os dois povos. Obviamente, não é um desafio fácil de ser
vencido. Há um ódio mútuo, nutrido ao longo do tempo, e consolidado a cada
acirramento dos conflitos. Mas é preciso quebrar esse círculo letal para os
dois povos.
Torna-se imprescindível encontrar meios de definir territorialidade para palestinos e israelenses. A proposta estruturada pela diplomacia brasileira apontou opções elogiadas pela maioria dos integrantes do Conselho de Segurança da ONU. Há, portanto, caminhos para colocar os confrontos no passado e construir um futuro sem guerra. Para isso, é preciso bom senso, vontade política e alinhamento com os direitos humanos, deixando de lado interesses que se opõem à paz.
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