Folha de S. Paulo
Uns e outros só se saciarão com o
aniquilamento do inimigo
Há uma história por trás do massacre de
israelenses pelo Hamas e
da guerra terrível que certamente se seguirá à barbárie do 7/10.
É a história do fracasso de uma saída
negociada capaz de permitir a convivência de dois povos que consideram seu o
mesmo pedaço de terra —uma derrota devastadora para todos quantos por ela se
bateram e nela ainda acreditam.
Pelo menos duas oportunidades foram perdidas. A primeira, em 1947, quando os países árabes rejeitaram a proposta de partilha da Palestina. Em consequência, no ano seguinte, tentaram varrer do mapa o recém-criado Estado de Israel. É bom que se diga: os territórios então destinados aos árabes dali eram maiores do que os em disputa hoje.
Em 1995, depois de duas guerras, anexações e
múltiplos conflitos sangrentos, a segunda oportunidade surgiu com os Acordos de
Oslo, que plantaram no horizonte a solução dos dois Estados, mediante a criação
da Autoridade Palestina, passo inicial para o reconhecimento da sua completa
soberania sobre Gaza e os territórios da Cisjordânia, sob ocupação israelense
desde 1967.
Os acordos foram perdendo substância sob o
ataque simultâneo da extrema direita israelense e dos fundamentalistas do
Hamas. Saiu das fileiras dos ultras de Israel o assassino do premiê Yitzhak Rabin,
a voz de seu país em Oslo. Foram eles ainda que multiplicaram os assentamentos
na Cisjordânia, inviabilizando um Estado palestino com território contínuo. E
são eles, ao fim e ao cabo, o pilar do governo racista de Netanyahu.
De seu lado, por quase uma década os
militantes do Hamas perpetraram ataques terroristas em solo israelense, minando
a autoridade das lideranças moderadas dos dois lados. Com elas foi por sangue
abaixo o já difícil esforço de construção de confiança mútua necessária à troca
de territórios por paz. (Entre os muitos relatos do desalento que se seguiu ao
fracasso de Oslo está o duro documentário "A Oeste do Rio Jordão", do
cineasta israelense Amos Gitai.)
Os ultradireitistas religiosos têm no Hamas
sua imagem espelhada. Uns e outros só se saciarão com o aniquilamento do
inimigo, pois são igualmente fundamentalistas, autoritários, misóginos,
homofóbicos —numa palavra, extremistas. São eles os vitoriosos de hoje; é sua a
responsabilidade por remeter a esperança de paz para um futuro remoto —e por
despertar o antissemitismo mundo afora.
Entende-se o entusiasmo dos populistas de
direita, em todo o mundo, com o radicalismo de Netanyahu. Mas a tolerância de
certos progressistas com o terrorismo do Hamas é, no mínimo, sintoma de
desorientação política e de perda de bússola moral.
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