Folha de S. Paulo
Bolsonaristas insistiram em comissão,
apostaram em teorias conspiratórias e foram derrotados
Jair
Bolsonaro (PL) anunciou que abraçaria a missão quando voltasse ao
Brasil depois de uma temporada nos EUA. "Estamos
focados na CPI dos atos do dia 8 de janeiro", disse o ex-presidente,
no fim de março. "Esperamos muito que haja a CPI para levantar isso aí.
Foi uma armadilha feita pela esquerda."
A oposição via a Comissão Parlamentar de
Inquérito como uma ferramenta para borrar impressões digitais, espalhar alguma
confusão e alimentar teorias conspiratórias que pintavam os ataques golpistas
como um trabalho interno da esquerda.
A segurança com que deputados e senadores alinhados a Bolsonaro lideraram a coleta de assinaturas para criar a comissão foi o sinal de que eles acreditavam que seria possível dominar as investigações e provocar desgastes ao governo Lula (PT). Meses depois, os oposicionistas caíram no próprio alçapão.
Criada pela pressão de bolsonaristas, a CPI
chegou ao fim nesta quarta-feira (18) com um passeio do governo petista. O
relatório final, que
responsabiliza Bolsonaro e outras 60 pessoas pelos ataques, foi aprovado com
20 votos. Outros 11 parlamentares rejeitaram o parecer.
O tiro no pé da oposição foi provocado por
uma sequência de erros de cálculo, cometidos tanto pelos líderes do grupo como
por soldados rasos. O primeiro e mais fundamental deles foi um erro político.
Quando decidiu fornecer combustível à
instalação da CPI, Bolsonaro enxergava um Congresso disposto a emparedar Lula.
Além das amplas bancadas de direita na Câmara e
no Senado,
o ex-presidente acreditava que o petista seria vítima do jogo duro do centrão.
O diagnóstico parecia fazer sentido, mas os
bolsonaristas deixaram de considerar diferenças fundamentais. Uma delas era o
repúdio ao golpismo manifestado publicamente por líderes do centrão. Nem
Valdemar Costa Neto, presidente do PL, topou
encarar o 8 de janeiro com meias palavras.
A oposição também menosprezou a rapidez com
que o centrão estaria disposto a fazer negócios políticos com o governo Lula.
Ainda que a nomeação de ministros do PP e do Republicanos tenha se
arrastado, as
conversas já ocorriam durante todo o primeiro semestre.
O Congresso fez um jogo duplo que, no fim das
contas, favoreceu o governo. O Planalto ficou com maioria na comissão e
escolheu a relatora, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA),
mas não conseguiu emplacar o presidente.
No comando da CPI com o apoio do centrão, o
deputado Arthur
Maia (União Brasil-BA) fez generosas concessões à minoria, barrando
convocações e quebras de sigilo consideradas delicadas. O
comportamento restringiu a investigação, mas ajudou a mitigar a retórica
bolsonarista de que a comissão seria um instrumento de perseguição.
A oposição se afogou também no que pareceu um
excesso de confiança em versões conspiratórias disseminadas para proteger os
golpistas, além da certeza de que seu eleitorado estaria permeável a elas.
De fato, os bolsonaristas conseguiram
amplificar o barulho quando foram divulgadas, em abril, imagens da invasão ao
Palácio do Planalto que mostravam o
então ministro Gonçalves Dias (Gabinete de Segurança Institucional) dentro do
prédio durante os ataques.
A gravação foi instrumentalizada como uma
suposta evidência de que o governo havia orquestrado os ataques, num conluio
com os invasores. A teoria não colou dentro do Congresso, mas a agitação foi
suficiente para garantir que a CPI fosse instalada.
Animada, a oposição dobrou a aposta numa
tentativa mirabolante de reescrever os acontecimentos. Vendeu a ideia de que os
atos violentos eram obra
de infiltrados de esquerda, insistiu na suspeita de que Lula tinha
interesse nos ataques e argumentou que os bolsonaristas presos eram bodes
expiatórios.
A única brecha obtida pela oposição foram as
acusações de omissão de forças de segurança federais que, no dia 8, estavam sob
a batuta do governo Lula. A maioria alinhada ao Planalto, no entanto, blindou o
petista e direcionou a responsabilidade a agentes remanescentes da gestão Bolsonaro.
Sem sucesso, a direita bolsonarista tentou
tumultuar a CPI. No encerramento dos trabalhos, o deputado Abilio Brunini
(PL-MT) disse que sua função era "tirar a tranquilidade" dos
governistas. O senador Jorge Seif (PL-SC) usou a carta do aborto para chamar
aliados do governo de "pastores do capiroto".
A CPI levantou poucos fatos novos e fez a
maior parte do trabalho com base em provas colhidas anteriormente pela Polícia
Federal. Essa poderia ser uma boa notícia para a oposição, mas se tornou um
indicativo dos riscos que cercam Bolsonaro e aliados graúdos.
Aquele, afinal, é o mesmo material que deve
embasar a sequência das investigações, uma eventual denúncia da
Procuradoria-Geral da República e um julgamento no Supremo Tribunal Federal dos
responsáveis pela incitação dos ataques.
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