Valor Econômico
Qualquer déficit primário maior do que 0,25%
reduz a zero a capacidade do governo de estabilizar a dívida bruta como
proporção do PIB ainda neste mandato
Ao antecipar a mudança da meta para as contas
públicas de déficit zero para algum déficit, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva abriu as comportas para que a discussão passe a ser o quanto gastar a
mais. A possível meta, ainda a ser definida, de déficit primário (que exclui os
gastos com o pagamento de juros da dívida), de 0,5% do PIB (Produto Interno
Bruto), para o ano que vem, passou a ser piso para alguns petistas.
Enquanto que para a equipe econômica, qualquer percentual acima de 0,25%, de média, é muito, para fins de sinalização; e joga qualquer esforço de construção de credibilidade no ralo, até 2026.
Pior: qualquer déficit primário maior do que
0,25% reduz a zero a capacidade do governo de estabilizar a dívida bruta como
proporção do PIB ainda neste mandato; e consolida o cenário de mercado, que
leva a dívida a romper 80% do PIB em 2025, patamar muito superior aos 73%
deixados pelo governo de Jair Bolsonaro. Com consequências sobre os rumos da
política monetária, especialmente sobre a taxa básica de juros (Selic), que o
Copom cortou 0,5%, para 12,25% ao ano nesta semana.
O dano sobre as expectativas já aconteceu e
tem efeito sobre a trajetória fiscal desenhada pela equipe de Fernando Haddad,
ministro da Fazenda. Essa trajetória pressupunha zerar o déficit em 2024 e
produzir superávits de 0,5% do PIB no ano seguinte, 2025, e de 1% do PIB em
2026. Com isso, haveria a chance de a dívida do setor público se estabilizar em
relação ao PIB.
O comentário de assessores do presidente é
que Haddad parece mais inseguro com relação às receitas, que são o motor da
política fiscal do governo do PT. Sobretudo depois que a arrecadação de
impostos começou a cair em termos reais.
Há quem diga que os cálculos do ministro da
Fazenda estariam superestimados. Por exemplo, ele conta com uma arrecadação de
cerca de R$ 35 bilhões com a esperada aprovação da Medida Provisória 1185, que
permite ao governo cobrar Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL), sobre os benefícios do ICMS concedidos a grandes empresas. Os
cálculos de técnicos do Ministério do Planejamento indicam que essa medida, se
aprovada, deverá gerar uma receita de cerca de R$ 15 bilhões, menos da metade
da estimativa de Haddad.
O debate no governo sobre se deve ou não
mudar a meta fiscal para algo mais frouxo, abandonando a meta do déficit
primário zero, já vem ocorrendo há três meses e, portanto, Haddad não foi
surpreendido pelas declarações do presidente Lula, de que é muito difícil zerar
o déficit primário em 2024, que não pretende cortar gastos e que, portanto, não
vai recorrer ao contingenciamento das despesas.
Alexandre Padilha, ministro das Relações
Institucionais, parece ser o único a favor da posição de Haddad, que é contra
desistir da meta de zerar o déficit, sobretudo agora, antes de se ter certeza
sobre o que o Congresso vai aprovar de medidas que aumentem as receitas com
impostos. Padilha acha que o Congresso deve concluir se é preciso ou não
afrouxar a meta fiscal.
A tese de enviar uma mensagem modificativa
(do déficit) para o relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias
(PLDO), Danilo Forte (União-CE), defendida pelo ministro chefe da Casa Civil,
Rui Costa, por questão de prazo, perdeu força.
Queda na bolsa de valores e aumento da taxa
de juros futura foram duas das reações imediatas do mercado tão logo ficou
sabendo das intenções de Lula, de afrouxar o seu compromisso com a meta de
déficit zero. Esta foi uma clara manifestação da lei das consequências não
intencionais (law of unintended consequences), dado que uma das principais
batalhas de Lula é a redução dos juros no país.
Segundo artigo de Niall Ferguson, colunista
da Bloomberg Opinion, em tradução livre: “Existe apenas uma lei verdadeira da
história e essa é a lei das consequências não intencionais - onde o que
acontece não é o que deveria acontecer”, sobre a grande derrota dos títulos do
Tesouro americano nos dois últimos anos. Ferguson assinala que ninguém poderia
ter previsto o colapso do mercado de títulos do Tesouro, exceto todos os
críticos das taxas de juros artificialmente baixas desde John Locke.
Se for confirmada a intenção de Lula, o que
era uma dúvida do mercado, de que a meta do déficit zero não seria cumprida,
passa a ser uma certeza. E os anos seguintes, até o fim do seu mandato, em
2026, ficarão sem âncora fiscal alguma, pois ninguém mais vai acreditar nas
metas do governo, que mudam antes mesmo do jogo começar.
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