Folha de S. Paulo
Indicação de Dino e Gonet visa blindar
governo, mas histórico desautoriza previsões
A protelada dupla indicação feita por Lula (PT) para o STF
(Supremo Tribunal Federal) e para a PGR (Procuradoria-Geral da República)
acabou, afinal, apenas confirmando o modus operandi do presidente em seu
terceiro mandato: pragmatismo em ritmo lento.
Os
quase dois meses tomados para indicar Flávio Dino para
o STF e
Paulo Gonet para a PGR enervaram
muitos aliados do petista, que tem adotado o padrão em suas decisões como forma
de analisar o contexto político e deixar os nomes especulados expostos ao
bombardeio usual de denúncias, insinuações e pressões.
Como disse um ministro do Supremo ao comentar a indicação final, a montanha acabou por parir um rato, mas um roedor com o couro já curtido. E demonstra como Lula percebe o Supremo como o palco principal da política brasileira, papel que a corte tem abraçado com gosto.
Para críticos, há ativismo judicial
inadequado, do excesso de declarações públicas dos ministros às dúvidas sobre o
alcance e os procedimentos do inquérito das fake news. A comparação com a
Suprema Corte americana vem sempre à mente, embora a propalada discrição de
seus magistrados tenha sido tisnada
recentemente pelo comportamento de Clarence Thomas e Samuel Alito.
Já defensores do Supremo apontam que, sem a
posição firme personificada na dupla Gilmar Mendes e Alexandre
de Moraes, a turbulência institucional patrocinada pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) poderia ter saído dos trilhos e ameaçado de fato a
democracia brasileira.
O momento, com o Senado mostrando os
dentes ao
fazer avançar a proposta que limita decisões monocráticas de ministros
da corte, algo que não ocorrera enquanto Bolsonaro
esperneava contra o Supremo nas ruas, é extremamente tenso.
O
voto a favor da ideia do líder do governo na Casa, Jaques Wagner
(PT-BA), sugere que Lula exerceu um sutil morde e assopra, um discreto tiro de
advertência.
Na hora da verdade, contudo, Lula ficou com
os juízes. A escolha de Dino, animal político de grande instinto, lembra de
certa forma a ida de Nelson
Jobim para a corte, em 1997.
Ambas as figuras tinham saber jurídico
elogiado pelos pares e vinham da pasta da Justiça, mas suas vocações estavam
além dos limites do STF, como articuladores.
Com o ex-governador maranhense no plenário,
Lula terá um aliado para embates retóricos. Como na sua primeira indicação à
corte nesta encarnação presidencial, de seu advogado pessoal Cristiano
Zanin, o critério de lealdade presumida pesou.
Lula ignorou o discurso de inclusão que
clamava por uma ministra negra, como forma de mitigar duplamente a falha de
representatividade social do STF, e também o PT —que, desde a escolha para vice
em sua chapa de 2022 do tucano eterno Geraldo Alckmin, ora no PSB de Dino, tem
tido de engolir alguns sapos indigestos.
O PT não só bombardeava Dino, mas também
Gonet. Aqui, novamente Lula olhou para o outro lado da praça dos Três Poderes:
o subprocurador é apadrinhado pelo duo
Gilmar-Moraes. O peso da PGR é enorme, a começar pelo seu poder de
apresentar denúncia contra o presidente.
Na argumentação do petista, Gonet amplia
demais o poder da dupla composta pelo decano e pelo xerife do STF. Confiante de
que a acomodação com a corte passa por ela, Lula foi em frente atrás de
blindagem para seu governo, como já
fizeram antes ele e seus antecessores.
A história, contudo, mostra que tais arranjos
têm prazo de validade. A crescente politização do Supremo, seja por ativismo ou
por contingências como a inação congressual, levou a corte a navegar em
direções contrárias por diversas vezes nos últimos anos.
Lula certamente não esquece o
voto do ministro que indicou no rumoroso julgamento do mensalão,
quando na prática a política de seu primeiro mandato foi para o banco dos réus
e acabou condenada.
Como outro ministro do Supremo lembrou, quem
entra no plenário ganha
uma perspectiva de anos ou décadas, enquanto o mandato presidencial é
bem mais exíguo.
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