Folha de S. Paulo
Lula acerta no imposto e erra na outra ponta
da equação fiscal, o gasto
A desoneração da folha de pagamentos era uma
política ruim quando foi criada por Dilma, continuou
ruim sob Temer e Bolsonaro e
segue ruim agora. Lula está correto em vetar sua prorrogação.
A política foi criada em 2011, ainda no
governo Dilma, e chegou a beneficiar 56 setores. Hoje, depois de cortes
sucessivos, sobraram 17 beneficiados, cujo desconto (eles pagam uma pequena
taxa sobre a receita em vez dos 20% de contribuição previdenciária sobre os
salários) custa cerca de R$ 9 bilhões anuais aos cofres públicos.
A lista dos 17 pode servir de ilustração no dicionário do conceito de "arbitrariedade". Proteína animal tem desoneração. Pães e massas, não. Transporte coletivo rodoviário tem. Aéreo, marítimo ou fluvial, não. Na prática, quem soube fazer seu lobby direitinho levou; quem não soube ficou sem. E são representantes desses lobbies que têm tomado a imprensa nas últimas semanas. Juram que, caso a desoneração não seja prorrogada, virão uma catástrofe econômica e demissões em massa.
Todo mundo tem o direito de defender seu
interesse, mas vamos deixar claro que é daí que vêm as previsões
catastrofistas. Pesquisadores têm se debruçado sobre o impacto da política de
desoneração nos últimos anos e chegam a outra conclusão.
A medida foi criada originalmente como um
incentivo para que as empresas beneficiadas contratassem mais mão de obra,
reduzindo assim o desemprego. É
razoavelmente intuitivo: se você baratear a contratação de mão de obra, a
empresa tenderá a contratar mais.
Mas mesmo esse benefício simples e intuitivo
não veio. É o que mostra um estudo do Ipea deste ano: "Enquanto empresas
privadas de outros setores expandiram em 6,3% seus empregos com carteira (+1,7
milhão) entre 2012 e 2022, os desonerados encolheram os seus em 13% (-960
mil)". (Marcos Hecksher, "Os Setores que Mais (des)Empregam do
Brasil", Ipea, 2023.)
A política não cumpriu o que prometeu. Foi
por isso que Dilma se arrependeu
dela anos depois. Só que, além de não entregar o prometido, ela
distorce a economia. Com tratamento especial a alguns setores, investimentos
deixam de ir para onde eles seriam mais eficientes em atender à demanda da
sociedade e são destinados para onde eles conseguem um tratamento tributário
mais benéfico. Ou seja, temos perda de produtividade.
O governo está
desesperado para reduzir o rombo, e para isso está fechando todas as exceções
tributárias; a desoneração na folha é uma delas. Ao fazer isso, deixa claro
aquilo que já sabíamos: a carga tributária brasileira é gigante e prejudica o
crescimento econômico e a geração de empregos. A verdade dói, mas o analgésico
da desoneração está nos matando em silêncio.
Tudo o que a desoneração faz, do ponto de
vista fiscal, é aumentar o déficit das contas públicas, que pesa sobre todos
nós. Isso é o que os lobistas não dizem: a conta dos R$ 9 bilhões é paga por
alguém, ou seja, por todos os que estão fora da lista dos 17.
O governo Lula está mais do que certo em
vetar a prorrogação de um privilégio de poucos que distorce a economia e piora
as contas públicas. Onde ele precisa ser criticado é na outra ponta da equação
fiscal: o gasto, que só aumenta.
A redução de impostos só será possível quando o governo reduzir gastos. Quando —e se— isso acontecer, ela terá que ser para todos, não para quem fizer o melhor lobby. Só assim teremos uma economia mais livre e eficiente. Liberais no Congresso: não nos decepcionem.
2 comentários:
Interessante e corajoso! Boa argumentação!
Joel Pinheiro é o cara.
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